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Gerdau quer fim de "estruturas medievais"
Empresário aponta deficiência na educação e carga tributária elevada como entraves para a competitividade do país
"O mundo está em mudança;
se fizeram a lei errada, é
preciso corrigir; ou vamos
ficar com leis que vêm do
passado?", questiona Gerdau
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
No 7º Fórum Empresarial de
Comandatuba, que aconteceu
no fim de semana passado, alguns governadores de Estado
tinham mais intimidade com o
empresário Jorge Gerdau do
que seus pares. Dedicado ao
conselho do grupo Gerdau, o
empresário tem visitado pessoalmente os governos de Estados, nos últimos meses. Segundo os governadores, passa o dia
em encontros com secretários.
O objetivo é buscar melhorar
em 10% a relação entre receitas
e despesas públicas. "Um país
com uma carga tributária próxima a 40% e zero de investimentos não pode competir",
afirma Gerdau. "Passamos a
usar mecanismos da iniciativa
privada na melhoria da produtividade no setor público." Gerdau, que entrou na briga contra
as mudanças no Sistema S, recebeu a Folha para a seguinte
entrevista:
FOLHA - O tema de discussões no
Fórum Empresarial foi educação, e a
diversidade de opiniões esquentou
os ânimos entre políticos e empresários. Os objetivos são tão diferentes?
JORGE GERDAU - Até alguns anos
atrás, a grande meta era quantitativa: universalizar a educação
para acabar com o analfabetismo. Hoje, existe o analfabetismo funcional, um problema
muito sério. Nas nossas empresas, investimos muito na formação do pessoal e conseguimos formar praticamente todos os funcionários no ensino
médio. Mas só fizemos isso
porque não conseguíamos implantar o programa TQC [Controle de Qualidade Total], 25
anos atrás. Para dominar o processo operacional, as pessoas
precisavam ter maior grau de
educação. Estabelecemos, então, o conceito de "chega de
complexo de Terceiro Mundo".
Se japoneses, alemães, franceses conseguem produtividades
elevadas, nós temos de atingir o
mesmo patamar. Foi uma motivação extremamente forte
porque não tem cabimento,
dentro da necessidade de competição global, que a economia
aberta exige -e houve anos nos
quais fomos forçados a exportar 50% da nossa produção-
não alcançar custos por falta de
educação.
FOLHA - O presidente do Ponto
Frio, Manoel Amorim, doou uma
grande quantia dizendo não saber
se estava alegre ou triste, pois pagava impostos e, mesmo assim, tem
de investir em educação.
GERDAU - Sim, pagamos muitos
impostos. Agora, começou-se a
discussão sobre desoneração
da folha de pagamento. Estou
convicto de que o Brasil perde
uma competitividade enorme
porque, do total do custo da folha de pagamento, o operário
leva 50%. Desse valor bruto total, no mínimo 40% são impostos. Quando se pega uma cadeia
produtiva, de um automóvel, de
um móvel, de um sapato, há dez
etapas nas quais esses impostos
vão se acumulando. Na hora de
exportar, eles vão embutidos
no custo do produto. Em nenhum país do mundo há esse
custo embutido. Foi muito importante, na iniciativa do governo, tocar no tema da desoneração da folha de pagamento
pela primeira vez.
FOLHA - Por quê?
GERDAU - Nesses produtos que
têm categoria produtiva longa,
deve haver uns 10% a 12% de
impostos embutidos. No mundo internacional, compete-se
por uma diferença de 0,5%, 1%.
Não se pode brincar de onerar.
É por isso que nós, empresários, temos tido posicionamento muito radical de que a reforma tributária é absolutamente
necessária. O Brasil tem uma
estrutura tributária medieval.
Continuamos num debate de
pressões políticas e corporativismo estaduais e municipais,
cada um buscando seu pedaço,
mas o pedaço maior que é o
Brasil está sendo desrespeitado. A competição hoje no país
não é mais local, é internacional.
FOLHA - O mesmo acontece na
educação?
GERDAU - Claro, na educação
eu tenho de me internacionalizar também. Temos de ter um
operário com condições de
competitividade, e isso só se
obtém se houver investimento
em qualificação. O que as empresas grandes têm feito? Investem maciçamente na capacitação e na evolução de seus
colaboradores. Não se pode exigir isso das pequenas empresas,
uma vez que são custos enormes. Além disso, o país todo paga impostos para ter educação.
FOLHA - A oneração da folha de pagamento, os impostos e o dólar fraco não são estímulos para criar vagas fora do país?
GERDAU - Sim, isso e outros
problemas, como a tributação
do investimento. Mas temos de
trabalhar fanaticamente para
que tenhamos pessoas altamente capacitadas. A educação
é a sexta preocupação dos brasileiros. Uma democracia não
se constrói nivelando por baixo. Uma verdadeira democracia é construir oportunidade
para as pessoas crescerem e obterem sua potencialidade. Uma
verdadeira democracia tem de
ter por objetivo construir igualdade de oportunidade. Nisso,
educação é peça-chave. Se não
conseguirmos que a comunidade e os pais exijam qualidade,
nós não vamos vencer. Hoje, os
pais ficam satisfeitos quando a
criança está na escola. Os pais
têm de exigir qualidade porque
pagam imposto. A meta final é
que a educação tem de sair de
sexta prioridade para a primeira. Se não conseguirmos que
educação passe a ser a primeira
meta do Brasil no aspecto social, nós não vamos vencer a
guerra contra a desigualdade e
pela competitividade.
FOLHA - Os governadores estão interessados em educação ou na verba arrecadada com os empresários?
GERDAU - Os políticos estão
conscientes de que o problema
da educação é importante.
Também essa pressão do ambiente empresarial todo também ajuda, e o debate foi tremendamente inteligente. Todos temos de fazer pressão nesse sentido.
FOLHA - Amorim lançou a proposta
de que a pessoa que ocupa cargo público deve manter seus filhos na escola pública e foi aplaudido, apesar
de ter desagradado aos políticos
presentes. Como o sr. vê a proposta?
GERDAU - Eu gostaria que essa
discussão nem existisse. A educação na escola pública deveria
ser tão boa que não precisasse
existir dúvida.
FOLHA - O que o senhor achou das
mudanças propostas pelo governo
no Sistema S?
GERDAU - O governo está querendo ampliar sua atuação na
estruturação do ensino técnico,
olhando esse tema, de olho no
dinheiro dos cinco S. O Senai,
que cuida da formação técnica,
faz um trabalho primoroso,
com alta produtividade e eficiência. Se o governo meter a
mão nesse dinheiro, não vai haver melhoria de gestão do que o
setor empresarial faz. Principalmente porque o Senai trabalha muito vinculado ao setor
empresarial, existe uma comunicação boa e o Senai está constantemente evoluindo, se ajustando às evoluções das necessidades do mercado. Ele cria novas escolas e novos cenários de
formação de mão-de-obra, nas
regiões e nos locais onde há pólos industriais. O mecanismo
do Senai funciona bem, e as demandas, dentro da capacidade
e dimensão de dinheiro, são
boas. Os padrões de produção
do Senai também são bons. Dá
para melhorar? Claro. Mas não
acredito que, tirando a gestão
privada, do empresariado, do
Senai, vá melhorar. Pelos índices que se tem da gestão do setor público, a produtividade é
baixíssima. Antes de meter a
mão no dinheiro que está sendo
razoavelmente ou bem gerido,
primeiro arrume o que está em
suas mãos. Também não adianta diminuir o que já existe e que
funciona.
FOLHA - O trabalho que o senhor
desenvolve com os governadores
vai no sentido de melhorar a gestão,
como na educação?
GERDAU - A filosofia é de qualidade de gestão, em todas as
áreas. Estamos procurando
nesses programas, sempre com
o apoio de empresários locais,
colocar a cultura de eficiência
na gestão pública. Começamos
há alguns anos no governo Aécio [Neves, MG], com um grupo
de dez empresários, e foi muito
bem-sucedido. Aí se usa a experiência de nossos profissionais
em gestão. O país com uma carga tributária próxima a 40% e
zero de investimentos não pode competir. Passamos a buscar mecanismos de melhoria de
produtividade no setor público.
Tem de ter uma liderança forte
como em qualquer outro campo.
FOLHA - A idéia é levar práticas da
iniciativa privada para a gestão pública?
GERDAU - Tecnologia de gestão
não é do setor privado ou público, mas vale para todas as instituições.
FOLHA - Mas e as amarras do setor
público, como contratações por
meio de concurso, a dificuldade de
compras, demissões, etc?
GERDAU - Até isso tem de ser
redebatido. O mundo está em
tanta mudança! Se fizeram a lei
e está errada, é preciso corrigir.
Ou vamos ficar com leis erradas
que vêm do passado? Não podemos ficar com estruturas
medievais. Na maioria dos países, a Previdência é fator de
poupança. No Brasil é fator de
despoupança. Um país pode sobreviver tendo um fator de despoupança, numa área em que
em outros lugares se faz poupança? Pode fazer o que quiser,
mas, se isso não for arrumado,
nunca vamos ter poupança suficiente. Está nas mãos dos líderes do país, do Legislativo, do
Executivo, dos setores sindical
e empresarial.
FOLHA - A greve dos fiscais da Receita Federal já entra no segundo
mês. A Gerdau foi prejudicada?
GERDAU - Setores de grande
responsabilidade do setor público não podem ter direito à
greve. Eles podem fazer greve
simbólica, mas não podem prejudicar um cliente do Brasil.
Pela falha da alfândega nossa, o
Brasil deixar de atender um
compromisso internacional é
um crime contra a nação. É um
emprego que se tira, um imposto que deixa de ser recolhido.
Cada cliente conquistado lá fora é uma luta de vida. Quando
se tem o carimbo de não-confiabilidade, quebram-se esses
vínculos. A Gerdau também está tendo problemas, mas estamos conseguindo contornar.
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