São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Gerdau quer fim de "estruturas medievais"

Empresário aponta deficiência na educação e carga tributária elevada como entraves para a competitividade do país

"O mundo está em mudança; se fizeram a lei errada, é preciso corrigir; ou vamos ficar com leis que vêm do passado?", questiona Gerdau

CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

No 7º Fórum Empresarial de Comandatuba, que aconteceu no fim de semana passado, alguns governadores de Estado tinham mais intimidade com o empresário Jorge Gerdau do que seus pares. Dedicado ao conselho do grupo Gerdau, o empresário tem visitado pessoalmente os governos de Estados, nos últimos meses. Segundo os governadores, passa o dia em encontros com secretários.
O objetivo é buscar melhorar em 10% a relação entre receitas e despesas públicas. "Um país com uma carga tributária próxima a 40% e zero de investimentos não pode competir", afirma Gerdau. "Passamos a usar mecanismos da iniciativa privada na melhoria da produtividade no setor público." Gerdau, que entrou na briga contra as mudanças no Sistema S, recebeu a Folha para a seguinte entrevista:  

FOLHA - O tema de discussões no Fórum Empresarial foi educação, e a diversidade de opiniões esquentou os ânimos entre políticos e empresários. Os objetivos são tão diferentes?
JORGE GERDAU
- Até alguns anos atrás, a grande meta era quantitativa: universalizar a educação para acabar com o analfabetismo. Hoje, existe o analfabetismo funcional, um problema muito sério. Nas nossas empresas, investimos muito na formação do pessoal e conseguimos formar praticamente todos os funcionários no ensino médio. Mas só fizemos isso porque não conseguíamos implantar o programa TQC [Controle de Qualidade Total], 25 anos atrás. Para dominar o processo operacional, as pessoas precisavam ter maior grau de educação. Estabelecemos, então, o conceito de "chega de complexo de Terceiro Mundo".
Se japoneses, alemães, franceses conseguem produtividades elevadas, nós temos de atingir o mesmo patamar. Foi uma motivação extremamente forte porque não tem cabimento, dentro da necessidade de competição global, que a economia aberta exige -e houve anos nos quais fomos forçados a exportar 50% da nossa produção- não alcançar custos por falta de educação.

FOLHA - O presidente do Ponto Frio, Manoel Amorim, doou uma grande quantia dizendo não saber se estava alegre ou triste, pois pagava impostos e, mesmo assim, tem de investir em educação.
GERDAU
- Sim, pagamos muitos impostos. Agora, começou-se a discussão sobre desoneração da folha de pagamento. Estou convicto de que o Brasil perde uma competitividade enorme porque, do total do custo da folha de pagamento, o operário leva 50%. Desse valor bruto total, no mínimo 40% são impostos. Quando se pega uma cadeia produtiva, de um automóvel, de um móvel, de um sapato, há dez etapas nas quais esses impostos vão se acumulando. Na hora de exportar, eles vão embutidos no custo do produto. Em nenhum país do mundo há esse custo embutido. Foi muito importante, na iniciativa do governo, tocar no tema da desoneração da folha de pagamento pela primeira vez.

FOLHA - Por quê?
GERDAU
- Nesses produtos que têm categoria produtiva longa, deve haver uns 10% a 12% de impostos embutidos. No mundo internacional, compete-se por uma diferença de 0,5%, 1%. Não se pode brincar de onerar.
É por isso que nós, empresários, temos tido posicionamento muito radical de que a reforma tributária é absolutamente necessária. O Brasil tem uma estrutura tributária medieval. Continuamos num debate de pressões políticas e corporativismo estaduais e municipais, cada um buscando seu pedaço, mas o pedaço maior que é o Brasil está sendo desrespeitado. A competição hoje no país não é mais local, é internacional.

FOLHA - O mesmo acontece na educação?
GERDAU
- Claro, na educação eu tenho de me internacionalizar também. Temos de ter um operário com condições de competitividade, e isso só se obtém se houver investimento em qualificação. O que as empresas grandes têm feito? Investem maciçamente na capacitação e na evolução de seus colaboradores. Não se pode exigir isso das pequenas empresas, uma vez que são custos enormes. Além disso, o país todo paga impostos para ter educação.

FOLHA - A oneração da folha de pagamento, os impostos e o dólar fraco não são estímulos para criar vagas fora do país?
GERDAU
- Sim, isso e outros problemas, como a tributação do investimento. Mas temos de trabalhar fanaticamente para que tenhamos pessoas altamente capacitadas. A educação é a sexta preocupação dos brasileiros. Uma democracia não se constrói nivelando por baixo. Uma verdadeira democracia é construir oportunidade para as pessoas crescerem e obterem sua potencialidade. Uma verdadeira democracia tem de ter por objetivo construir igualdade de oportunidade. Nisso, educação é peça-chave. Se não conseguirmos que a comunidade e os pais exijam qualidade, nós não vamos vencer. Hoje, os pais ficam satisfeitos quando a criança está na escola. Os pais têm de exigir qualidade porque pagam imposto. A meta final é que a educação tem de sair de sexta prioridade para a primeira. Se não conseguirmos que educação passe a ser a primeira meta do Brasil no aspecto social, nós não vamos vencer a guerra contra a desigualdade e pela competitividade.

FOLHA - Os governadores estão interessados em educação ou na verba arrecadada com os empresários?
GERDAU
- Os políticos estão conscientes de que o problema da educação é importante. Também essa pressão do ambiente empresarial todo também ajuda, e o debate foi tremendamente inteligente. Todos temos de fazer pressão nesse sentido.

FOLHA - Amorim lançou a proposta de que a pessoa que ocupa cargo público deve manter seus filhos na escola pública e foi aplaudido, apesar de ter desagradado aos políticos presentes. Como o sr. vê a proposta?
GERDAU
- Eu gostaria que essa discussão nem existisse. A educação na escola pública deveria ser tão boa que não precisasse existir dúvida.

FOLHA - O que o senhor achou das mudanças propostas pelo governo no Sistema S?
GERDAU
- O governo está querendo ampliar sua atuação na estruturação do ensino técnico, olhando esse tema, de olho no dinheiro dos cinco S. O Senai, que cuida da formação técnica, faz um trabalho primoroso, com alta produtividade e eficiência. Se o governo meter a mão nesse dinheiro, não vai haver melhoria de gestão do que o setor empresarial faz. Principalmente porque o Senai trabalha muito vinculado ao setor empresarial, existe uma comunicação boa e o Senai está constantemente evoluindo, se ajustando às evoluções das necessidades do mercado. Ele cria novas escolas e novos cenários de formação de mão-de-obra, nas regiões e nos locais onde há pólos industriais. O mecanismo do Senai funciona bem, e as demandas, dentro da capacidade e dimensão de dinheiro, são boas. Os padrões de produção do Senai também são bons. Dá para melhorar? Claro. Mas não acredito que, tirando a gestão privada, do empresariado, do Senai, vá melhorar. Pelos índices que se tem da gestão do setor público, a produtividade é baixíssima. Antes de meter a mão no dinheiro que está sendo razoavelmente ou bem gerido, primeiro arrume o que está em suas mãos. Também não adianta diminuir o que já existe e que funciona.

FOLHA - O trabalho que o senhor desenvolve com os governadores vai no sentido de melhorar a gestão, como na educação?
GERDAU
- A filosofia é de qualidade de gestão, em todas as áreas. Estamos procurando nesses programas, sempre com o apoio de empresários locais, colocar a cultura de eficiência na gestão pública. Começamos há alguns anos no governo Aécio [Neves, MG], com um grupo de dez empresários, e foi muito bem-sucedido. Aí se usa a experiência de nossos profissionais em gestão. O país com uma carga tributária próxima a 40% e zero de investimentos não pode competir. Passamos a buscar mecanismos de melhoria de produtividade no setor público. Tem de ter uma liderança forte como em qualquer outro campo.

FOLHA - A idéia é levar práticas da iniciativa privada para a gestão pública?
GERDAU
- Tecnologia de gestão não é do setor privado ou público, mas vale para todas as instituições.

FOLHA - Mas e as amarras do setor público, como contratações por meio de concurso, a dificuldade de compras, demissões, etc?
GERDAU
- Até isso tem de ser redebatido. O mundo está em tanta mudança! Se fizeram a lei e está errada, é preciso corrigir. Ou vamos ficar com leis erradas que vêm do passado? Não podemos ficar com estruturas medievais. Na maioria dos países, a Previdência é fator de poupança. No Brasil é fator de despoupança. Um país pode sobreviver tendo um fator de despoupança, numa área em que em outros lugares se faz poupança? Pode fazer o que quiser, mas, se isso não for arrumado, nunca vamos ter poupança suficiente. Está nas mãos dos líderes do país, do Legislativo, do Executivo, dos setores sindical e empresarial.

FOLHA - A greve dos fiscais da Receita Federal já entra no segundo mês. A Gerdau foi prejudicada?
GERDAU
- Setores de grande responsabilidade do setor público não podem ter direito à greve. Eles podem fazer greve simbólica, mas não podem prejudicar um cliente do Brasil. Pela falha da alfândega nossa, o Brasil deixar de atender um compromisso internacional é um crime contra a nação. É um emprego que se tira, um imposto que deixa de ser recolhido. Cada cliente conquistado lá fora é uma luta de vida. Quando se tem o carimbo de não-confiabilidade, quebram-se esses vínculos. A Gerdau também está tendo problemas, mas estamos conseguindo contornar.


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