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ENTREVISTA
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Países emergentes não podem "baixar a guarda" após avanços
Vitórias na luta por maior representação global podem ser revertidas quando crise passar, diz diretor-executivo do FMI
O DIRETOR -executivo de Brasil e mais oito
países de América Latina e Caribe no
FMI, Paulo Nogueira Batista Jr., afirma
que os emergentes não podem "baixar a
guarda" após os avanços que vêm obtendo no processo para aumentar sua participação em decisões globais. "Essas vitórias são parciais e ainda precárias, não
são irreversíveis. Os setores que defendem o atual estado das coisas são muito fortes ainda. Estão talvez enfraquecidos pela crise, mas em um momento seguinte podem querer restabelecer o passado", diz.
FERNANDO CANZIAN
DO ENVIADO A WASHINGTON
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista de Paulo
Nogueira Batista Jr. à Folha.
FOLHA - A reunião do FMI deste
ano trouxe vários retornos positivos
em relação às aspirações dos países
emergentes. Você diria que foi a crise que mudou o Fundo?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. - Mudou. Está mudando. A crise
abriu oportunidades que não
existiam. A profundidade e o alcance da crise são tais que propostas que poderiam ser consideradas sonhadoras há pouco
tempo agora ou estão na mesa
ou até já foram implementadas.
É evidente que a crise por si só
não produz mudanças. Tem de
haver ação dos interessados.
Na questão das cotas, por
exemplo, a estrutura decisória
do Fundo é muito desequilibrada. Os países em desenvolvimento não têm representação
satisfatória. Com o agravamento da crise em setembro de
2008, o ambiente se transformou e há maior disposição de
encarar esse déficit democrático no FMI e Banco Mundial.
A realidade é que os países
em desenvolvimento têm um
peso muito maior hoje na economia mundial do que na época da criação do Fundo (em
1945). Agora está decidido que
o trabalho para a implementação das cotas começa já para
chegarmos preparados na data-limite para a revisão, em janeiro de 2011.
Isso é importante por dois
motivos. Como o FMI é baseado em cotas, a forma de aportar
recursos permanentes no Fundo é via cotas. Outros mecanismos que estão sendo criados
agora para colocar dinheiro no
Fundo, como por meio de
"bonds" [títulos], seriam mecanismos temporários, uma ponte para financiar o Fundo até a
reforma das cotas.
Por outro lado, a mudança
nas cotas promoverá um realinhamento no poder de votos
dos países no FMI. Há vários
países menores hoje, principalmente europeus, com um peso
desproporcional na estrutura
decisória do FMI em relação a
alguns emergentes. Há desequilíbrios gritantes.
FOLHA - Mas a revisão das cotas será suficiente para que seja representado o peso real de cada economia?
BATISTA JR. - Nós vamos lutar
por isso, e acho que há condições políticas, em parte ligadas
à crise, para que isso ocorra.
Mas será uma luta muito grande, pois ninguém quer abrir
mão de espaço no FMI, que é
uma instituição muito valorizada pelos países.
Quando cheguei aqui há dois
anos, quando o Fundo estava
em "crise de identidade", mesmo assim os europeus e outros
estavam agarrados em suas posições. Agora, o Fundo se tornou mais central, e a disputa
pelo poder se intensificou.
FOLHA - Quem perderá mais com o
realinhamento? Os europeus?
BATISTA JR. - Não podemos generalizar, pois há países europeus subrepresentados. Mas,
por região do mundo, a Europa
como um todo está superrepresentada em termos de cotas,
votos e número de cadeiras na
diretoria executiva. A Europa
tem oito, mas em uma das cadeiras a Espanha reveza com
México e Venezuela, passando
a nove. Os emergentes, contando a Rússia, têm 12.
Além disso, por uma regra
não escrita, os europeus sempre indicam o diretor-gerente
do FMI (hoje o francês Dominique Strauss-Khan).
FOLHA - Essa questão do monopólio dos europeus na presidência do
FMI e dos norte-americanos no Banco Mundial está sobre a mesa?
BATISTA JR. Está. E este processo também está ligado às cotas, pois os europeus têm cerca de
30% dos votos, e os norte-americanos, 17%. Os dois blocos
têm quase 50%, e se não há um
realinhamento de cotas, fica difícil mudar essa questão.
Mas nosso objetivo com a reforma das cotas não é que só o
Brasil ou outros emergentes tenham um ganho de participação, mas que o equilíbrio de forças dentro da instituição se modifique de maneira clara. Não é
que o Brasil não possa trabalhar em conjunto e ter acordos
com os países desenvolvidos.
Mas é que, normalmente, nosso campo de interesses comum
é com os países em desenvolvimento, de renda média. Países
como Rússia, China e Índia.
O FMI vai ganhar com isso
eficácia, legitimidade, e será
muito mais aceito. Hoje, temos
certas relutâncias em relação
ao Fundo porque não queremos dar dentes a uma instituição na qual não estamos suficientemente representados. Isso impede ao Fundo ter um papel maior.
FOLHA - A questão da Linha de Crédito Flexível, já em operação, aconteceu mais por conta da crise ou por
essa nova orientação de mudança?
BATISTA JR. - Há um ano, quando
o Brasil defendeu essa ideia de
um instrumento de liquidez rápido, sem as condicionalidades
tradicionais, a orientação foi se
concentrar nisso, pois Brasília
não acreditava na tese do descolamento entre a crise no
mundo desenvolvido em relação aos emergentes. Inicialmente, as resistências eram
grandes.
Os critérios agora definidos
para ter acesso a essa linha são
aqueles que a ampla gama de
economistas pode aceitar como
razoáveis. Não há exigências
controvertidas, como Banco
Central independente, metas
para inflação, liberdade de movimento de capitais e conversibilidade da moeda.
FOLHA - Em relação ao G20, tem
havido uma aproximação maior entre os seus membros dentro do FMI?
BATISTA JR. - Na prática, o secretariado do G20 é o FMI. Graças
à crise temos uma situação inédita em que o ponto focal de
resposta à crise deixou de ser o
G7 e passou a ser o G20. Isso
permite uma divisão de influência e responsabilidades
que não existia antes. E é onde
os países resolvem as questões
sempre em consenso. E a divisão de tarefas no G20 ocorre
aqui dentro do FMI.
Mas não queria transmitir a
ideia de que estamos diante de
um sucesso extraordinário, que
está tudo uma beleza. Essas vitórias que estamos conseguindo aqui são parciais e ainda precárias, no sentido de que não
são irreversíveis. Os setores
que defendem o atual estado
das coisas são muito fortes ainda. Estão talvez enfraquecidos
pela crise, e em um momento
seguinte talvez queiram restabelecer o passado.
Não é impossível, por exemplo, que, passado o período
mais agudo da crise, as velhas
potências queiram restabelecer o G7 como ponto focal e
marginalizar o G20. Ou que
queiram arrastar o processo de
revisão das cotas para além de
2011. Vamos ter que ficar muito
atentos. Se baixarmos a guarda,
podemos tomar derrotas incríveis e perder o espaço que temos conquistado.
FOLHA - A crítica que se fazia lá
atrás era que o Brasil demorou a reconhecer a gravidade da crise. Agora, que estaria demorando muito
para cortar juros, e que o governo
vem comprometendo o futuro com
o aumento nos gastos correntes.
Qual a sua opinião?
BATISTA JR. - Como o Brasil entrou na crise com juros e depósitos compulsórios muito altos,
há um espaço grande para reduzi-los. E acho que o Brasil deveria ter reduzido mais rapidamente os juros. Nossa posição
fiscal é bastante razoável, e por
isso temos espaço para uma política anticíclica, até porque a
redução dos juros permite reduzir o superávit primário sem
que o déficit público aumente.
Sobre os gastos correntes,
eles incluem juros. Uma forma
de reduzi-los é diminuir os juros. Mas eles incluem também
transferências de renda, que
são importantes do ponto de
vista social e do combate à crise. E não podemos nos esquecer que a máquina pública brasileira foi muito depauperada
nos anos 1980 e 1990, e que a
estrutura do governo ficou
muito enfraquecida. Alguma
recuperação dos gastos com a
máquina era inevitável.
Não conheço o governo inteiro, mas tenho interação com
partes dele. Em Brasília, temos
setores importantes desaparelhados. Tanto que nós, aqui de
Washington, temos de ajudar
com tarefas que países desenvolvidos conduzem a partir da
capital.
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