|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
INTEGRAÇÃO
Roberto Abdenur, em Washington, afirma que imagem de atrito com os EUA é "exagerada" e que não visa acordo "light"
Brasil quer Alca ambiciosa, diz embaixador
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
O novo embaixador do Brasil
em Washington, o diplomata de
carreira Roberto Abdenur, 62,
afirma que o Brasil, visto por alguns como defensor de uma Alca
"light", está na verdade entre os
países mais ambiciosos na negociação de acesso a mercados.
"Não é verdadeira a afirmação
de certos setores aqui nos EUA de
que o Brasil favoreça uma Alca
"light". Ao contrário, estamos dispostos a nos engajar em uma ampla negociação de acesso a mercado", disse em entrevista exclusiva
à Folha, em Washington.
Sobre o cronograma inicial para
que a negociação da Alca seja concluída até janeiro de 2005, Abdenur afirmou: "Não excluo a possibilidade de que haja uma ampliação do cronograma".
Para Abdenur, as relações entre
o Brasil e os EUA são "fundamentalmente boas". "Existe uma imagem de atrito entre os dois países
que é exagerada", disse.
Sobre o episódio da tentativa de
expulsão do Brasil do jornalista
Larry Rohter, do "New York Times", Abdenur é seco: "Foi um
episódio de mau jornalismo, que
já está encerrado", diz.
Antes de ocupar a vaga em
Washington, Abdenur foi embaixador no Equador, na China, na
Alemanha e na Áustria.
No momento, organiza um seminário brasileiro para investidores americanos, mexicanos e canadenses que ocorrerá no próximo dia 23 de junho, em Nova
York, com a presença de Lula.
Folha - As autoridades americanas sempre dizem querer uma Alca
mais ambiciosa do que o Brasil e
que o modelo de acordos comerciais deveria ser o mesmo vigente
entre EUA e Chile. Vamos avançar?
Roberto Abdenur - O que as autoridades americanas têm feito é
apresentar a posição americana. E
é uma colocação americana, que
de resto não é correta, dizer que se
teria agora uma Alca menos ambiciosa ou Alca "light". A Alca é,
essencialmente, uma negociação
de acesso a mercado.
Os americanos, mais cedo no
processo, nutriram a esperança
de conseguir na Alca, em paralelo
ou antes das negociações de acesso a mercado, conjunto de disciplinas e normas que fosse além do
quadro normativo aceito na Organização Mundial do Comércio.
Eles queriam colocar na Alca regras e normas para investimentos, serviços, propriedade intelectual e compras governamentais
de teor mais rígido do que as da
OMC. Ao mesmo tempo, os EUA
se recusavam a discutir na Alca
dois pontos fundamentais para o
Brasil e o Mercosul: a legislação
antidumping, que é abusiva, e os
subsídios agrícolas. Falar de Alca
ambiciosa é uma colocação americana que descreve essa aspiração inicialmente contemplada pelos americanos e que, para nós,
não era aceitável.
Um país como o Brasil, com
uma base industrial muito forte,
com problemas muito sérios, precisa de mais flexibilidade para enfrentar seus problemas. O Brasil
não pode aceitar normas que outros países, de configurações e dimensões muito menores, podem
aceitar tranqüilamente.
Folha - Mas os EUA insistem em
que só terão maior acesso a seu
mercado países que aceitarem
maiores obrigações, como as regras que o Brasil está recusando.
Abdenur - Os EUA já reconheceram que uma Alca com normas e
disciplinas rígidas não é possível e
aceitaram um compromisso segundo o qual vamos ter um conjunto comum de direitos e obrigações aplicáveis a todos, abrindo-se a grupos menores a possibilidade de ir além [...] Isso ainda poderá levar a uma Alca bastante
ambiciosa. Uma negociação como a Alca é processo necessariamente complexo e desgastante.
Mas o grande prêmio para os
americanos será o Brasil e o Mercosul. Os EUA terminarão por reconhecer que não é possível ter
uma negociação na base de um
modelo igual para todos. O Brasil
é maior e mais complexo do que a
maioria dos países latinos.
Folha - O sr. acha o prazo de janeiro de 2005 ainda factível para a
conclusão do processo?
Abdenur - Estamos correndo
contra o relógio. Não excluo a
possibilidade de que haja ampliação desse cronograma. Não desejamos isso, mas o importante nessas negociações é, mais do que o
cronograma, o resultado final.
Folha - No meio tempo, os EUA estão avançando rapidamente no
processo de "comer o Brasil pelas
bordas", com vários acordos com
quase todos os países da região,
com exceção do Mercosul.
Abdenur - Nós também estamos
negociando com esses países e
queremos expandir o Mercosul
na América do Sul. A estratégia
americana não nos assusta, e não
perdemos de vista que o interesse
dos EUA pelo mercado brasileiro
é muito grande, como, de resto, é
muito grande o nosso interesse
pelo mercado americano.
O Brasil precisa aumentar suas
vendas aos EUA. Há duas décadas, o Brasil exportava para os
EUA cerca de US$ 8 bilhões, e a
China, menos de U$ 4 bilhões.
Hoje, o Brasil vende apenas US$
16 bilhões aos americanos, e os
chineses, US$ 150 bilhões. Os
EUA importam todos os anos
US$ 1,3 trilhão. O Brasil vende 1%
do que os EUA importam. É lamentável. A China está vendendo
10%. Nesse sentido, uma Alca
bem negociada pode ser boa, desde que efetivamente garanta acesso a mercados.
Folha - O que é melhor para o Brasil: Kerry ou Bush?
Abdenur - Não tenho como responder, mas não devemos ignorar uma série de coisas positivas
na atual relação Brasil-EUA, inclusive coisas realizadas neste governo Bush. Os dois presidentes
[Bush e Lula] se entendem muito
bem. Existe uma imagem pública
de desentendimento entre os dois
países que é exagerada.
Folha - Como o caso Lula-"NYT"
afeta a imagem do Brasil? Apesar
de ter sido resolvido sem a expulsão, o assunto levou até o Departamento de Estado a se pronunciar
negativamente sobre o Brasil.
Abdenur - Foi um episódio de
mau jornalismo, que já está encerrado. O governo já se pronunciou e nada tenho a acrescentar.
Texto Anterior: Indústria: Siderúrgica nega tese de aço com preço alto Próximo Texto: Frase Índice
|