São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002

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Fraude contábil era uma artimanha simples

ANDREW HILL
DO "FINANCIAL TIMES", NOVA YORK

Não esperem ver quaisquer diagramas complexos como os da Enron detalhando a fraude contábil na WorldCom: com base na informação disponível, os especialistas contábeis concordam em que o truque empregado pela empresa de telecomunicações era uma das artimanhas contábeis mais simples que existem.
Robert Willens, analista de contabilidade no Lehman Brothers, disse ontem que "não existe grande controvérsia quanto ao tratamento correto desses itens. O que deve causar incômodo é: de que maneira algo assim passou despercebido? Trata-se de uma das questões básicas da contabilidade: registrar um desembolso como despesa ou capitalizá-lo?"
De acordo com a WorldCom, cerca de US$ 3,8 bilhões foram transferidos da rubrica "despesas" para as contas de investimento de capital em 2001 e no primeiro trimestre deste ano.
A tática tinha efeito lisonjeiro sobre diversos índices básicos de aferição do desempenho de uma empresa, em um momento em que ela estava sob intenso escrutínio devido ao estouro da bolha do setor de telecomunicações.
Os ativos podem ser depreciados a longo prazo, de modo que a WorldCom evitava, dessa maneira, a necessidade de registrar um custo de caixa imediato, e assim inflava sua receita líquida.
Na verdade, a WorldCom disse que se tivesse computado corretamente as despesas, teria registrado prejuízo líquido em 2001 e no primeiro trimestre deste ano. Não se sabe ao certo que dimensão terá a correção da renda declarada.
O custo de depreciação desses "ativos" não surgiu ainda nos ganhos anteriores aos juros, impostos e depreciação, um dos mais importantes indicadores sobre a saúde financeira da WorldCom. Depois da correção, os ganhos anteriores aos juros, impostos e depreciação da empresa em 2001 foram de US$ 6,3 bilhões, e não os US$ 10,5 bilhões registrados no balanço. Para o primeiro trimestre de 2002, ficaram em US$ 1,4 bilhão, em vez dos US$ 2,2 bilhões computados originalmente.
As margens de lucros anteriores aos juros, impostos e amortização foram, obviamente, maquiadas de maneira semelhante. Em 2001, essas margens foram de 30% em termos reais, e não de 49%, como declarado. No primeiro trimestre deste ano, foram de 28%, e não de 43%. O fluxo de caixa operacional, outro importante indicador para os analistas que acompanham as empresas de telecomunicações, também foi adulterado.
Os dispêndios de capital foram inflados por meio da transferência de despesas para a conta de ativos. Os analistas agora estão ávidos por uma redução nos gastos das empresas de telecomunicações que realizaram investimentos excessivos durante o boom do setor. De fato, John Sidgmore, o executivo chefe da WorldCom, reiterou na terça-feira que o grupo continuava comprometido em reduzir seus investimentos de capital para US$ 2,1 bilhões em 2003.
O dispêndio de capital declarado caiu de US$ 11,48 bilhões em 2000 para US$ 7,89 bilhões no ano passado. Mas o montante real foi de apenas US$ 4,8 bilhões, um corte mais drástico que poderia ter alertado os analistas para os problemas que a gigante do segmento de telefonia de longa distância está enfrentando.
Por outro lado, os custos operacionais eram evidentemente superiores aos reportados. Em 2001, a WorldCom anunciou que eles haviam subido de 40% para 42% de seu faturamento. Mas na realidade eles representavam 50% de sua receita.
Os especialistas em contabilidade concordam que há diversas áreas indefinidas, sob as normas contábeis vigentes, no que tange à maneira correta de capitalizar despesas. Como resultado, existem exemplos de capitalização agressiva e indevida de despesas.
Mas em pelo menos duas áreas não resta dúvida de que aquilo que a WorldCom fez viola os princípios contábeis gerais tanto na forma como no espírito.
Primeiro, a empresa anunciou em seu balanço anual de 2001 que "os principais componentes dos custos operacionais são as tarifas de acesso e as tarifas de transporte", essencialmente pagamentos pelo uso das redes de outras empresas de telecomunicações.
Joseph Carcello, professor de contabilidade da Universidade do Tennessee, diz que "isso equivale a pagar por um serviço em um dado período. Não sei de que maneira se pode alegar que esse pagamento represente parte de um ativo físico que terá vida de 10, 20 ou 30 anos".
Segundo, de acordo com o relato da WorldCom sobre o que aconteceu, as despesas não foram classificadas erroneamente como ativos de capital, mas "transferidas" para as contas de capital. Isso sugere que se trata de custos registrados inicialmente como despesas e a seguir simplesmente transferidos para as contas de capital no momento de fechamento da contabilidade do período.
A Creditsights, empresa independente de análise de crédito, afirmou em comunicado que a "transferência implica mudança ativa do tratamento contábil".
"Isso é um princípio básico de contabilidade", acrescenta Willens, do Lehman Brothers. "Acreditar que isso tenha sido ignorado por tantas pessoas é algo que preocupa os investidores, pelo menos aqueles com quem conversei hoje [ontem]. Eles estão prontos a desistir do mercado porque acreditam que os números não merecem confiança em quase todos os casos."
"Jamais ouvi falar de algo tão indigno, e trabalho no ramo há 33 anos. As pessoas estão simplesmente enojadas", declarou.


Tradução de Paulo Migliacci


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