São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002

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ALIMENTOS

Exportadores do país vizinho só vendem quando o câmbio é muito favorável; no Brasil, pão deve subir 15%

Trigo vira reserva de dólar da Argentina

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A crise argentina transformou o trigo em reserva de valor no país vizinho e quem pagará essa conta será o consumidor brasileiro. Os produtores argentinos querem fechar contratos volumosos de venda do trigo (cotado em dólar) nos períodos em que a desvalorização do peso dispara. Com isso, conseguem trocar os dólares recebidos por uma maior quantidade de pesos. Os moinhos brasileiros, que compram o produto, estão revoltados e travam hoje uma queda-de-braço com os argentinos.
A situação chegou a tal ponto que grupos do setor alimentício decidiram comprar trigo da Polônia, mais barato, segundo a Folha apurou. O produto entra neste mês no país se conseguir autorização fitossanitária. A Polônia não é um tradicional produtor de trigo. Com isso, tenta-se reduzir a dependência da Argentina.
A operação de venda e compra tem sido feita da seguinte forma: os moinhos no Brasil recebem o produto e pagam em dólares no momento da entrega. Há casos em que o pagamento ocorre dentro de até 90 dias. No primeiro caso, os argentinos são pagos no ato e podem trocar as notas por pesos. Se a operação for fechada numa semana em que o peso sofreu forte desvalorização, eles saem ganhando: o produtor pode trocar seus dólares por mais pesos.
E eles precisam de pesos, urgentemente. Em abril, o governo da Argentina determinou que o valor da dívida das empresas em dólar seria transformado em pesos sem qualquer correção. Haverá uma atualização dessas dívidas em agosto. Os produtores têm dívidas de US$ 3,05 bilhões.
"O trigo se tornou reserva de valor para eles, Não imaginei que chegasse a esse ponto", diz Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, que responde por 20% do abastecimento de trigo consumido em São Paulo. "A saída é comprar dos EUA", diz.
"Não adianta conversar. O argentino só vende o produto quando sentir segurança de que a troca será interessante para ele. O produto virou um ativo em dólares para o país vizinho", afirma Edson Cisipai, do Moinho Santista, da empresa de alimentos Santista.
Quem vai pagar a conta dessa especulação, dizem eles, será o brasileiro. Há falta de trigo no mercado internacional e o preço disparou. No começo do ano, a tonelada estava em US$ 110. Hoje, ultrapassa os US$ 160. O produto argentino que chega hoje ao porto de Santos custa aos moinhos US$ 177 (incluído o frete).
Como ocorreu forte desvalorização do real nas últimas semanas, os moinhos precisam de mais reais para pagar a compra. E esse custo será repassado. "O preço subiu muito e isso não será absorvido. Acreditamos que haverá um aumento de 15% no preço do pão", diz Antonio Carlos Henriques, presidente do sindicato das padarias no ABC paulista. Os moinhos acreditam que esse reajuste chegará ao consumidor dentro de 30 dias.



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