São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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DEZ ANOS DE REAL

Plano controla inflação, mas não contém alta do desemprego nem queda na renda

Conquistas sociais da nova moeda não se sustentam

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Plano Real acabou com o descontrole da inflação, melhorou a distribuição de renda, aumentou o ganho dos trabalhadores e diminuiu a proporção de pobres. Mas essa boa fase da economia ocorreu apenas no seu início -até 97.
Dez anos após a implementação do real, os indicadores econômicos e sociais do país mostram que parte das conquistas decorrentes da nova moeda se dissipou -a desigualdade social se manteve alta, o desemprego aumentou e a renda dos trabalhadores caiu.
Em 93, antes da nova moeda, a concentração de renda no país, medida pelo índice Gini, alcançava 0,60 -a escala varia de zero a um (se mais próxima de um, maior a desigualdade). Esse nível de concentração era um dos mais altos do mundo desde o início dos anos 80. O rendimento médio mensal real do trabalhador (R$ 547) era um dos mais baixos, e a proporção de pobres -44% da população-, uma das mais altas.
Com o Real, o índice Gini caiu para 0,58, de 95 a 97. Para 0,57, em 98, e para 0,56, de 99 a 2002. O rendimento médio mensal real pulou para a faixa de R$ 700 e cresceu até 97. A proporção de pobres ficou entre 33% e 35% da população até 2002. Não há dados nacionais mais recentes.
Os efeitos do Real começaram a perder força a partir de 97, terceiro ano do primeiro governo de FHC, em decorrência de crises financeiras em diferentes regiões, como as da Ásia (97) e da Rússia (98), que tiveram impacto no país -o primeiro foi a alta dos juros.
O rendimento médio real do trabalhador, que atingiu R$ 725 em 96, caiu, ano a ano, até 2002, quando chegou a R$ 636, segundo o IBGE, com base na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) daquele ano.
Só na região metropolitana de São Paulo, a queda na renda do trabalhador foi de 33% entre 1995 e 2003 (de R$ 1.384 passou para R$ 928), segundo o Dieese.
A manutenção da proporção de pobres na faixa de 34% a 35% da população -uma das mais elevadas do mundo- também mostra que os efeitos do Real tiveram um limite, analisam os especialistas.
"A pobreza diminuiu no início do Real, mas foi uma queda pontual. A desigualdade se manteve no país", diz Sônia Rocha, coordenadora de projetos do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
Um ano após a implementação do Real, os 50% mais pobres ficaram com 13,3% do total de rendimentos do país, enquanto o 1% mais rico detinha 13,4%. Em 2002, esses percentuais foram de 14,4% e de 13,5%, respectivamente, segundo dados da Pnad.
Na Grande São Paulo, a desigualdade também se manteve. Em 95, os 10% mais ricos da população ocupada detinham 42,1% dos rendimentos. Em 2003, 41,8%. Os 10% mais pobres ficaram com 1% dos rendimentos em 95 e em 2003, segundo o Dieese.
Para Mansueto Almeida, coordenador de estudos regionais do Ipea, o Real "cumpriu seu papel, de estabilizar a inflação, mas falhou ao não gerar um padrão de crescimento para beneficiar os mais pobres".
A decisão do governo de manter uma política de juros altos contribuiu para que os efeitos do Real perdessem força, como mostra o indicador de participação do consumo das famílias sobre o PIB. Em 96 e em 97, essa participação era de pouco mais de 62%. No ano passado, estava em 56,9%.
Os trabalhadores também perderam participação no total do PIB entre 94 e 2002, como mostra o indicador da distribuição funcional da renda -dividida em capital, trabalho e governo.
No ano em que o Real foi lançado, a renda do trabalho correspondia a 37,7% do PIB. Em 2002, caiu para 31,4%. Já a do capital subiu de 39% para 43,2%. A do governo, de 23,4% para 25,4%.
"Essa dinâmica da distribuição da renda emperrou o crescimento da economia", diz Claudio Dedecca, professor da Unicamp.
Se os trabalhadores têm menos renda, consomem menos. A economia enfraquece e o desemprego cresce. Nas seis regiões metropolitanas do país, a taxa de desemprego, que, de 94 a 97, estava na faixa de 5%, subiu para 7,6% em 98 e se manteve nesse nível até 2002, segundo pesquisa mensal de emprego, do IBGE. A partir de 2003, a taxa subiu para outro patamar -perto de 12%- por causa de mudança de metodologia na pesquisa. Em maio de 2004, chegou a 12,2%.


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