São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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HISTÓRIAS REAIS

Real não existiria sem Itamar, diz Ricupero

MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO

Pode-se dizer que o embaixador Rubens Ricupero, 67, foi o primeiro ministro da Fazenda do real. Ingressou no cargo em maio de 1994, quando FHC desincompatibilizou-se para ser candidato à Presidência. Comandou a aprovação do plano no Congresso e o lançamento da moeda, no dia 1º de julho de 1994. Deixou o cargo em setembro, depois de uma conversa informal sua com o jornalista Carlos Monforte, da Rede Globo, ter sido captada por telespectadores com antenas parabólicas.
Com relação ao episódio, Ricupero disse à Folha ter sido vítima de seu próprio envaidecimento e que o fato serviu para colocá-lo "de volta à terra". Quanto ao Real, creditou a paternidade política ao presidente Itamar Franco. Leia a seguir trechos da entrevista.
 

Folha - De quem é o mérito do sucesso do Plano Real?
Rubens Ricupero -
Tecnicamente, de Fernando Henrique Cardoso e de sua equipe, que eu admiro e com quem trabalhei ao assumir o cargo. Politicamente, de Itamar Franco. Sem Itamar, não teria havido real, não teria havido FHC, não teria havido equipe, não teria havido nada. As pessoas não valorizam adequadamente o papel de Itamar.

Folha - O que FHC lhe disse ao lhe transferir o cargo, em abril de 1994?
Ricupero -
Conversamos rapidamente. Ele elogiou muito Gustavo Franco, com o qual disse estar impressionado. Foi também no curso dessa conversa que descobri, com uma certa surpresa, que não havia propriamente uma estratégia para aprovar a medida provisória do plano no Congresso nem uma data para a introdução da nova moeda. Notava-se, sobretudo entre aqueles que haviam tido a experiência do Plano Cruzado, que a preocupação com o fracasso era muito grande. Eram economistas que viam com lucidez que as condições de ajuste fiscal ainda não estavam dadas na economia para o lançamento da moeda. Fixamos o prazo de três meses.

Folha - De quem o sr. recebia as maiores pressões: de FHC ou do presidente Itamar Franco?
Ricupero -
Em relação a Fernando Henrique, nunca tive interferência direta. É possível, imagino até que fosse provável, que ele continuasse a manter relações com os membros da equipe. Comigo elas foram muito raras. Em relação ao presidente Itamar, ocorreram vários episódios que tinham a ver, primeiro, com reajuste de funcionários civis e militares. O presidente tinha uma tendência de querer conceder reajustes que teriam criado dificuldades fiscais e que teriam que ser estendidos aos civis. Quando faltavam horas para o lançamento do Real, devido a propostas que tinham vindo de pessoas que cercavam o presidente e que desvirtuariam muito o plano, eu estava intimamente disposto a pedir demissão. Havia membros da equipe que volta e meia ameaçavam deixar seus cargos. Os menos permeáveis a problemas sociais na equipe não se davam conta dos limites políticos. Do lado da Presidência, havia sensibilidade social, mas pouco rigor econômico. Os técnicos tinham rigor econômico, mas pouca sensibilidade social.

Folha - Itamar era uma ameaça ao plano ou o pai do plano?
Ricupero -
Itamar nem sempre estava errado. Ele estava certo -e eu, errado- ao impedir, naquela época, uma composição excessivamente técnica do Conselho Monetário Nacional. Se fosse por Itamar, o Copom [Comitê de Política Monetária do BC] hoje não seria composto apenas por técnicos sem sensibilidade social.

Folha - Havia atritos na equipe?
Ricupero -
Houve um episódio curioso envolvendo o Francisco Lopes [presidente do BC em 1999], a quem fui induzido a convidar por Pedro Malan. Tive que desconvidá-lo depois. Não sabia que havia um problema entre Lopes e Gustavo Franco. O Chico não falava com Gustavo, mas você teria que perguntar a eles a razão. Eu ingenuamente tinha ido ao Rio e caí na asneira de pedir a Gustavo Franco que fosse o intérprete do meu convite. Horas depois, Sergio Amaral, que era meu braço direito, telefona-me desesperadamente perguntando o que eu havia dito a Gustavo porque ele ameaça sair. Só aí descobri que havia um problema.

Folha - Como era a discussão com relação ao modelo cambial?
Ricupero -
Em que pese essa admiração que eu tenho pela equipe, havia diferenças. Todos tinham uma posição mais confiante nos poderes do mercado. Nunca fui um economista e não tenho pretensões nesse sentido, mas sempre tive uma visão que considera o mercado como um instrumento útil, mas limitado. Eles acreditam mais na globalização financeira. Também existia uma diferença em relação à taxa de câmbio. Desde o início me inquietou a valorização do real, porque eu vinha da área de comércio exterior.

Folha - Como o sr. reflete o episódio da parabólica, que abreviou sua passagem pelo governo?
Ricupero -
Ninguém me obrigou a dizer aquelas tolices. Acho que foi um pouco aquilo que o Monteiro Lobato diz: a torneirinha das asneiras da Emília. Fui eu quem a abri, não é? Estava muito vulnerável naquele dia, tinha dado mais de 20 entrevistas, estava cansado. Mas devo admitir que fui vítima de meu próprio envaidecimento. O episódio serviu para me colocar de volta à terra.


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