São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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HISTÓRIAS REAIS

Plano acabou em 1996, afirma Edmar Bacha

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O economista Edmar Bacha, 62, considerado um dos principais autores do Plano Real, foi o primeiro economista chamado por Fernando Henrique Cardoso para integrar a sua equipe econômica, quando assumiu o Ministério da Fazenda, em 1993, no governo Itamar Franco.
Bacha trabalhou como assessor especial do Ministério da Fazenda e foi o principal responsável pela criação, em 1993, do Fundo Social de Emergência, o instrumento utilizado pelo governo para equilibrar as finanças públicas. Bacha considera a criação do fundo o marco da criação do Plano Real.
Em entrevista à Folha, Bacha diz que o maior legado do Real foi "o fato de ter sido uma reforma monetária amplamente pré-anunciada e integralmente negociada com o Congresso". Antes, diz ele, "a maneira que se fazia política econômica era por meio de planos preparados por tecnocratas na calada da noite e que eram enfiados goela abaixo do Congresso no dia seguinte".
Leia a seguir trechos da entrevista de Bacha.
 

Folha - Como o sr. define o Real?
Edmar Bacha -
Eu acho que na hora em que se fala de dez anos do Plano Real é preciso separar o plano da política econômica posterior. O plano foi uma reforma monetária que começou num determinado dia e acabou numa determinada data. O Real se iniciou em fevereiro de 93, quando o Congresso aprovou o Fundo Social de Emergência, que deu partida à URV, e acabou em junho de 96, quando terminou a indexação salarial que existia no país. A partir daí, passou a haver uma moeda nova numa economia desindexada, que era o objetivo do plano. Ou seja, uma economia com uma inflação baixinha. O plano foi isso. É importante não confundir o plano, que foi uma reforma monetária, com a política econômica que se seguiu posteriormente a ele.

Folha - O senhor acredita que a opção adotada posteriormente tenha sido errada?
Bacha -
Você poderia adotar outras políticas econômicas numa economia com uma moeda nova e sem inflação. As políticas que se seguiram ao plano foram escolhas feitas por quem estava a cargo da execução da política econômica. Uma coisa é o Real, outra, a política econômica que sobreveio. Não vamos confundir alhos com bugalhos. Não podemos esquecer que houve percalços que prejudicaram o bom andamento das coisas. Por isso, não podemos julgar o que foi feito sem considerarmos as adversidades a partir do segundo semestre de 1997 até 2002. Só para lembrar, houve os choques da Ásia, da Rússia, da Argentina, o estouro da bolha da Nasdaq, a crise de energia, o 11 de Setembro e o medo de Lula.

Folha - Para o sr., qual foi o maior legado do Real?
Bacha -
O significado histórico mais importante do Real foi o fato de ter sido uma reforma monetária amplamente pré-anunciada e integralmente negociada com o Congresso. O Plano Real foi um marco no modo de fazer política econômica no país. A maneira que se fazia política econômica era por meio de planos preparados por tecnocratas na calada da noite e que eram enfiados goela abaixo do Congresso no dia seguinte. Desde então, a política econômica passou a ser feita com transparência e negociação. Isso não vai mudar mais. Nem o Judiciário nem o Legislativo aceitarão outra forma de o Executivo atuar.

Folha - Qual foi o momento mais marcante do Real?
Bacha -
O momento mais marcante dessa preparação prévia ao anúncio do plano foi o encontro dos técnicos com a liderança política do PSDB no apartamento do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em setembro de 1993. Estavam lá Mário Covas, Tasso Jereissati, Ciro Gomes, José Serra e, do lado dos técnicos, eu, André Lara Resende, Pérsio Arida e Pedro Malan. Nós quatro éramos muito próximos da liderança política e militantes do partido (PSDB) havia muito tempo.

Folha - Quando o governo decidiu a alternativa do Real?
Bacha -
Acho que em agosto de 1993, quando o André Lara Resende e o Pérsio Arida entraram no governo. Tanto que houve uma reunião de Fernando Henrique Cardoso com Stanley Fischer, diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), e as propostas do Fischer eram seguir a estratégia gradualista. A decisão de partirmos para a reforma monetária foi tomada logo depois dessa reunião, entre agosto e setembro.

Folha - Qual foi a origem do Real?
Bacha -
A idéia da criação da URV começou lá atrás. O ponto de partida foi o Plano Larida, de André Lara Resende e de Pérsio Arida, de criação de uma moeda paralela. Depois, os textos que Chico Lopes (economista Francisco Lopes, da PUC-RJ) produziu sobre choque heterodoxo, e toda a discussão sobre as reformas monetárias durante os períodos de hiperinflação na Europa. A URV vinha nascendo desde 1983, desde o Larida, o texto principal que a originou.

Folha - Por que as tentativas anteriores, como o Plano Cruzado, em 1986, não deram certo?
Bacha -
Acho que as idéias não estavam maduras ainda.

Folha - Quem foi o "pai do Real"?
Bacha -
Fernando Henrique Cardoso, claro.


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