São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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HISTÓRIAS REAIS

Plano deu base para crescer 4%, diz Fraga

DO PAINEL S.A.

O economista Armínio Fraga, 46, ex-presidente do Banco Central (04/03/1999 a 1º/01/2003), é considerado, por muitos, o pai do "Plano Real 2", se é que se pode chamar assim o período pós-desvalorização da moeda, em 1999, e que se mantém até hoje.
Apesar de não ter tido participação na elaboração do Plano Real, foi ele o principal mentor da política econômica dos últimos quatro anos do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. Por pouco ele não continuou na presidência do Banco Central no governo Lula.
Em entrevista à Folha, Fraga diz que o Plano Real marcou a política econômica dos últimos anos. Além da estabilidade, houve também outros avanços, como o ajuste fiscal e bancário e a mudança bem-sucedida do regime cambial. Tudo isso, a seu ver, construiu a base para o crescimento da economia no ritmo atual, de 3,5% a 4% ao ano. Para crescer mais, Fraga diz que é necessário avançar na agenda microeconômica. Leia a seguir trechos da entrevista. (GUILHERME BARROS)
 

Folha - Como o senhor classifica o Plano Real?
Armínio Fraga -
O Real foi um plano econômico de grande sucesso porque permitiu finalmente que o país se livrasse da inflação. E conseguiu isso depois de várias tentativas frustradas. Mesmo assim, já dura dez anos. A meu ver, é algo que passou a ser cada vez mais uma demanda da sociedade.

Folha - O sr. dividiria o Plano Real em duas partes? Antes e depois da desvalorização?
Fraga -
O Plano Real, por si só, foi um mecanismo de estabilização da economia pré-anunciado, com a URV. O que veio depois foi uma seqüência que seria até uma forçação de barra dizer que foi tudo Plano Real. Depois do plano veio o período pós-Real imediato, com a adoção do câmbio fixo ou administrado, que precedeu uma transição forçada para a flutuação cambial, pela primeira vez na história sem a volta da inflação. São duas fases diferentes. O espírito ou a filosofia por trás da ação do governo nesse período foi que a inflação prejudica o crescimento e o desenvolvimento do país. Foi esse o espírito que prevaleceu do Plano Real.

Folha - O sr. concorda com as críticas segundo as quais o regime de câmbio fixo se estendeu demais?
Fraga -
É uma discussão velha. Se a gente olhar para trás, é fácil afirmar que demorou, mas as circunstâncias não foram fáceis na época. A gente tem que lembrar o que aconteceu. Houve a crise bancária no Brasil, a crise da Ásia, a crise bancária no exterior, a crise da Rússia... sim, talvez tivesse sido melhor mudar o regime antes, mas há que levar em consideração o que aconteceu nesse período.

Folha - Alguma lição deixada pelo Real, dez anos depois?
Fraga -
A sociedade gostou de viver sem inflação, especialmente os mais pobres.

Folha - Foram tentados alguns planos antes do Real, mas não não deram certo. O que faltou?
Fraga -
Os outros planos ou foram mal concebidos ou estavam incompletos.

Folha - O Real resolveu o problema da inflação. O que falta para a economia crescer?
Fraga -
Falta agora avançar nos temas da agenda microeconômica. Nessa lista, estão, por exemplo, as reformas tributária e trabalhista. Do lado macro, também é preciso também tratar das questões que afetam a credibilidade do país a longo prazo, como a Previdência e outros aspectos do gasto público, dado que não é possível aumentar a carga tributária. No fundo, deve-se enterrar de vez a idéia de que existe um plano B, uma solução fácil, tudo o que este governo vem tentando fazer e, se insistir, vai conseguir.
O que estava por trás do Plano Real era uma vontade de resolver a questão da inflação, que tinha se mostrado um grande empecilho para o desenvolvimento do país, além de ser também um mecanismo muito perverso de concentração de renda. Eu acho que isso ficou.

Folha - Mas a melhora na distribuição de renda não foi tão grande.
Fraga -
Na década de 90, de acordo com estudo realizado pelo Bird (Banco Mundial), o Brasil assistiu a uma importante redução no nível de pobreza e a uma pequena melhora na distribuição de renda. Foi uma fase de bastante crescimento do mundo e, via de regra, com piora na distribuição de renda.
O fato de o Brasil ter melhorado sua distribuição de renda, ainda que pouco, não deixa de ser uma vitória. Se a gente olhar de maneira mais ampla, além da estabilidade econômica do Real, ocorreram durante esses anos vários ajustes macroeconômicos importantes. Não foi só a questão da inflação. Veio também o ajuste fiscal, infelizmente todo ele feito por meio de aumento da carga tributária, mas ainda assim foi feito.
Houve também o ajuste bancário, para administrar a crise no sistema tanto pública como privada. E, por último, uma crise cambial, que provocou uma mudança bem-sucedida no regime.
Portanto o Plano Real, entendido assim, de maneira mais ampla, construiu a base para pelo menos crescer no ritmo deste ano, entre 3,5% e 4%, mas, além disso, é preciso fazer mais. São as várias frentes de trabalho predominantemente micro, mas com preservação e consolidação da estabilidade macroeconômica.


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