São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

A Copa e o câmbio

A confirmação da meta de 4,5% para a inflação de 2008 é bem-vinda, abre caminho para um câmbio mais realista

EM 17 de junho, Munique viveu uma noite barulhenta de sábado, pouco comum para a capital da Baviera, na Alemanha.
Milhares de brasileiros de camisetas verde-amarelas, que se misturavam a australianos com roupas da mesma cor, tomaram a Marienplatz, a praça mais importante da cidade. Segundo relato dos jornais, o batuque e o samba vararam a madrugada que antecedeu o jogo entre Brasil e Austrália.
A poucos metros dali, na Hofbräuhaus, talvez a mais famosa cervejaria do mundo, com 1.300 lugares, o espetáculo era o mesmo. Para decepção de alguns brasileiros que gostariam de desfrutar do ambiente típico da casa, a música não era alemã. Era samba.
É impossível saber ao certo quantos brasileiros estão na Alemanha. A crise da Varig permitiu algumas estimativas. Só os turistas com passagens da Varig na Alemanha seriam 15 mil. Ao todo, segundo apurou a Folha na semana passada, de 40 mil a 50 mil pessoas seriam dependentes da Varig no exterior, sem a garantia de que seus bilhetes serão honrados na hora da volta.
A Copa do Mundo e a presença dessa multidão de brasileiros no exterior refletem uma realidade bastante atual para a economia do país, a do real forte. Embora a moeda nacional tenha perdido valor desde o início de maio, por conta das turbulências do mercado internacional, nos últimos dois anos ainda apresenta valorização de 40% em relação ao dólar. Isso torna mais acessíveis os custos das viagens e estadias no exterior, o que certamente explica a atual revoada de turistas.
Nada contra isso. Viajar ao exterior é uma experiência fascinante, que infelizmente pode ser desfrutada por apenas 5 milhões de brasileiros, ou seja, menos de 3% da população. O problema é que a valorização do real, que persiste, já deixa suas marcas nas exportações e pode representar um desastre para o comércio exterior brasileiro a médio e longo prazos. O desempenho comercial do país perde força, e o superávit acumulado no ano já é menor do que o do mesmo período do ano passado. As exportações pararam de crescer, enquanto as importações aumentaram cerca de 20% até a terceira semana de junho.
No meio da euforia da Copa, que deve continuar hoje com o jogo entre Brasil e Gana, passou quase despercebida uma boa notícia que tem muito a ver com o câmbio. O Conselho Monetário Nacional, em sua reunião de quinta-feira, vai confirmar a meta de inflação de 4,5% para 2008, mantendo, portanto, o mesmo objetivo já fixado para 2006 e 2007.
A boa notícia é que, pelo menos na perspectiva do governo do presidente Lula, que no sábado confirmou sua candidatura à reeleição, há uma manifesta intenção de caminhar mais devagar na redução da inflação, que já é bastante baixa para os padrões brasileiros. Afasta-se, portanto, o risco de que a ala ortodoxa da equipe econômica possa impor uma meta mais ambiciosa para a inflação de 2008 -3,5%, por exemplo-, que exigiria a adoção de política monetária mais rígida, com elevações de juros e com danos indesejáveis à atividade econômica e ao emprego.
Os turistas barulhentos da Marienplatz e do Hofbräuhaus, que hoje estarão com suas camisas verde-amarelas em Dortmund, certamente ficarão felizes por poderem pagar seus gastos nos cartões de crédito com o dólar na faixa de R$ 2,20 quando retornarem ao Brasil.
Mas isso pode desviar as atenções das graves conseqüências do real forte para o comércio exterior do país.
A atitude mais moderada em relação à meta de inflação indica que não será necessário usar a valorização cambial, como se fez nos últimos anos, para ajudar a segurar os preços. Além disso, espera-se da autoridade monetária duas coisas: 1) o gerenciamento mais flexível da meta de inflação, com o uso da banda de até dois pontos percentuais sempre que a conjuntura exigir; 2) aperfeiçoamento do sistema, para que a meta não seja necessariamente fixada para um ano-calendário e possa ser perseguida em prazo mais longo.
De qualquer forma, a confirmação da meta de 4,5% é bem-vinda. Isso abre caminho para a adoção de um câmbio mais realista nos próximos anos. Em economia, como no futebol, é preciso ter fé.


BENJAMIN STEINBRUCH , 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
bvictoria@psi.com.br


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