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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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ANÁLISE

Greenspan, de repente, parece mortal

GRETCHEN MORGENSON
DO "NEW YORK TIMES"

Como as estátuas de ditadores, os ícones do mundo dos investimentos foram derrubados um a um de seus pedestais, desde que os mercados de ações atingiram seu pico, em 2000.
Presidentes de empresas, antes celebrados por seus acionistas, agora são encarados com desconfiança. Os analistas de ações, no passado o equivalente de Wall Street para astros do rock, agora são vistos mais ou menos como vendedores de pamonha.
Mas, em meio a toda essa confusão, Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), manteve seu status como uma divindade. Não muito tempo atrás, um congressista predisse que Greenspan seria lembrado como o maior dirigente de banco central de todos os tempos. Mesmo depois de anos de queda nos preços das ações, o presidente do Fed era um homem que os investidores continuavam considerando como digno de admiração.
Isso até a semana retrasada, quer dizer, quando as pessoas simplesmente abandonaram as mesuras e as palmas. De Washington a Wall Street, um profundo ceticismo tomou seu lugar.
Na semana retrasada, Greenspan foi ao Congresso norte-americano para seu depoimento regular sobre a política monetária e a economia no país. Não tivemos o habitual clima de festa.
O presidente do Fed foi questionado severamente por alguns dos congressistas, que aparentemente estão se cansando de esperar pela recuperação econômica, que Greenspan vem encarando como iminente já há dois anos.

Eco político
Parte da hostilidade tinha fundo político, evidentemente. A maior parte das perguntas mais severas veio dos democratas e de um congressista independente. Os congressistas expressaram preocupação quanto à alta dos déficits e do desemprego e à baixa remuneração para a poupança. Mas, ainda assim, a pressão dos congressistas americanos representou uma virada significativa.
Em Wall Street, os comentários de Greenspan deflagraram uma onda de venda de títulos do Tesouro, com significativa elevação das taxas de juros de longo prazo. As ações também caíram. Os operadores do mercado de títulos não gostaram de sua tépida promessa, durante o primeiro dia de depoimento, de manter frouxa a política monetária pelo tempo que fosse necessário.
Indiretamente, Greenspan deixou claro que, assim que a economia se recuperar, os juros subirão. E alguns operadores perceberam o quanto era estranho que ele parecesse não ter nada a dizer sobre a deflação, um tópico muito popular no Fed até ali. Pronunciamentos de funcionários do Fed sobre a deflação ajudaram a reduzir as taxas de juros às baixas registradas na metade de junho.

Confiança abalada
Doug Kass, um administrador de fundos de hedge na Seabreeze Partners, em Palm Beach, Flórida, disse que as reações de Wall Street e de Washington na semana passada representam um marco. "Greenspan agora oficialmente perdeu a confiança dos mercados de títulos", disse. "Os investidores a partir de agora começarão a questionar as políticas do Fed no ciclo passado e no atual."
Greenspan disse que o movimento nos mercados de títulos indicava que os operadores também viam sinal de recuperação econômica. Mas alguns dos operadores contestam essa avaliação e dizem que o movimento demonstra a preocupação do mercado com a ascensão dos déficits comercial e público, além dos riscos inflacionários que resultarão do bombeamento da base monetária pelo Fed.
Ao reduzir tanto as taxas, Greenspan criou duas novas manias, uma no mercado de títulos e outra no de imóveis, disse Kass. "O Fed não estava disposto a aceitar um ciclo econômico normal", acrescentou. "Preferiu depender da prorrogação de ativos supervalorizados a fim de manter o consumo em níveis muito elevados."

Mágica perdida
Agora, as taxas de juros começam a subir, ameaçando uma economia que só está se movendo devido ao alto endividamento dos consumidores. Por exemplo, o capital dos proprietários de residências como porcentagem de seus ativos imobiliários é hoje de 55,2%, segundo números do Federal Reserve. Em 1982, era de 69,9%. Os proprietários de residências estão usando o capital representado por suas casas para consumo. Se os juros hipotecários subirem, os preços das residências cairão, e essa porcentagem de capital relativa ao patrimônio se reduzirá ainda mais.
"Assim que você toma essa caminho de não permitir que o lado destrutivo do capitalismo funcione, constrói um edifício cada vez mais alto, e o valor das apostas feitas para impedir que ele caia não pára mais de subir", afirmou Bill Fleckenstein, que dirige a Fleckenstein Capital, de Seattle. "Todo o mundo acreditou, por pelo menos cinco ou dez anos, que bastava que Greenspan acenasse com sua varinha de condão e todos os problemas estariam resolvidos. Quando as pessoas começam a se voltar contra ele, é aí que a confusão se inicia."


Tradução de Paulo Migliacci


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