São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Um candidato à procura de um autor

Nenhum programa faz sentido no Brasil se não tratar do problema fiscal (gasto público, com juros ou não)

"LEVANTA-TE e anda", disse a facção facinorosa do PT à candidatura moribunda de Geraldo Alckmin. E ela andou.
Graças aos contatos freqüentes e recentes da cúpula petista-lulista com matéria excrementícia, o tucanato ressuscitou para a eleição de 2006.
Tratava-se de uma campanha, a tucana, que não apresentara nenhum mote que chamasse a atenção do eleitor. Agora, trata-se de uma campanha que, em vez de oposição substantiva, se faz por oposição hipotético-adjetiva: "tudo isso que está aí", o petismo-lulismo, é coisa do "demo, bandalheira"; "nós somos limpinhos". A isso chegamos, com o requinte tenebroso de ver FHC empregar tiradas chavistas para atacar Lula, "el diablo".
Qual a carta de intenções da candidatura tucana? Alckmin ao menos não fraudou a opinião pública como fez o petismo-lulismo por 20 anos -o compromisso político maior que Lula manteve, se não o único, foi com os depauperados de tudo, e nem se sabe se isso pode durar, dada a falta de dinheiro.
O problema é que, sendo Alckmin ele mesmo a imagem insondável do puro espírito gerencial, não se sabe muito a que veio. Em geral, emanações tais como as alckmistas estão associadas a conservadorismo. O programa não ajuda muito. O país vai crescer 5%, 6%, diz "Geraldo". Como? "Tudo começa com trabalho, seriedade e competência, sem discursos vazios nem mistificação."
Mistificação? Nas reformas trabalhista e previdenciária de "Geraldo", ninguém vai perder direitos e proteções que possui.
Discurso vazio? "As propostas fundamentam-se na idéia de que o processo de desenvolvimento é a expressão da vontade política de inúmeros atores com interesses distintos, que necessitam ser conciliados e minimamente atendidos". É justamente essa conciliação sem fim que levou o país à quase exaustão fiscal e à paralisia na mudança institucional, qualquer que seja o sentido dela.
Nenhum programa faz sentido hoje no Brasil se não tratar do problema fiscal (gasto público, com juros ou não). Sem explicação prévia a respeito, todo o resto é quase enrolação. No programa alckmista, a meta é zerar o déficit nominal do setor público, hoje em torno de 4% do PIB, até 2010. Tal meta pode ser atingida, por exemplo, cortando pela metade a despesa atual com juros (em relação ao PIB).
Para tanto, é preciso começar o mandato com um corte de gastos primários (salários, programas sociais etc.) e/ou crescimento vitaminado (com mais inflação, a princípio). O programa explica tal coisa? Não. Fala-se em redução de desperdícios e de "gestão ética" (ninharias e firulas). E em aumentar incentivos e gastos. Mais gastos sociais, de investimento, de fundos ora contingenciados, além de redução de tributos sobre folha de salário etc. E nada se diz sobre como convencer Estados e municípios da meta alckmista. Eles fazem 40% do déficit que "Geraldo" quer zerar. A idéia a princípio interessante do déficit zero vira besteira em poucos parágrafos.
Há protoidéias interessantes perdidas entre bobagens e generalidades, como criar fundos de pensão para novos servidores (mas quem vai financiar?) e retirar dos salários a carga de tributos que banca a parte assistencial da Previdência (a renda dos mais ricos pagará a conta?). Mas tais planos logo viram fumaça, dada a falta de explicações coerentes. O essencial, enfim, é a desconversa sobre a distribuição de ônus e bônus necessária para desencalacrar a crise fiscal e a do crescimento. Nisso, tucanos e petistas convergem na banalidade.


vinit@uol.com.br

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