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Transformar pré-sal em riqueza é desafio
Especialistas discutem a maneira pela qual o Estado irá manter o controle dos recursos de megacampos para reduzir pobreza
Debatedores divergem sobre o peso que o Estado
deve ter para manter o
controle dos recursos
provenientes do pré-sal
Fotos Eduardo Anizelli/Folha Imagem
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Luiz Carlos Bresser-Pereira, Luiz Pinguelli Rosa, o mediador Valdo Cruz, David Zylbersztajn e Ivan Simões durante debate sobre o petróleo do pré-sal, na Folha
DA REPORTAGEM LOCAL
O maior desafio do governo
Lula é como o Brasil irá transformar as reservas de petróleo
do pré-sal em favor dos interesses da população e gerar riqueza para diminuir a pobreza e
promover mais justiça social.
A preocupação foi apontada
em debate promovido anteontem pela Folha, em que participaram o engenheiro David
Zylbersztajn, primeiro diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), o geólogo Ivan
Simões, coordenador do Comitê de Exploração e Produção do
IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis)
e vice-presidente da British Petroleum, o economista Luiz
Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da FGV (Fundação
Getulio Vargas) e ex-ministro
da Ciência e Tecnologia (governo FHC), e o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em
Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro) e
ex-presidente da Eletrobrás.
O evento foi o primeiro de
uma série de discussões que integra o ciclo "Folha debate o
pré-sal". O próximo deve ocorrer após a comissão interministerial que estuda o assunto
definir o modelo que o país irá
adotar para manter o controle
do pré-sal e como deve ser a
nova estatal em estudo.
Para Pinguelli Rosa, uma das
questões a que se deve ficar
atento é que "o governo tem de
usar o petróleo em benefício do
país", "sem que o país se torne
dependente desse produto natural", como ocorreu em algumas nações produtoras. O que
o físico avalia também ser relevante é "como o Brasil irá usar
o novo petróleo para tirar proveito [do pré-sal], para frutificar a engenharia brasileira, gerar empregos de qualidade" e
continuar "distribuindo renda".
"Ninguém bebe petróleo,
ninguém come petróleo. Ele só
se justifica se gerar recursos
para serem usados pelo país",
afirmou Zylbersztajn, ao concordar que o desafio do governo Lula nessa etapa é planejar
o que fazer com os resultados
obtidos dessas reservas.
"Só teremos algumas certezas, como o valor em dinheiro
que virá desse novo petróleo,
dentro de oito a dez anos", por
isso "é precipitado gastar por
conta", diz Zylbersztajn.
"Estado forte"
Em relação ao uso dessas novas descobertas, Bresser-Pereira avalia que é preciso ter "um
Estado forte" para "fazer leis,
políticas e implementar diretrizes em defesa do interesse
público e nacional".
Simões, do Instituto Brasileiro de Petróleo, disse que o Brasil tem uma legislação que é
bem-sucedida e permitiu a
existência de mais de 70 empresas operando no país, além
de transformar a Petrobras em
uma das maiores companhias
do setor no mundo.
Mas, com a descoberta do
pré-sal, "é necessário fazer
ajustes [na legislação], sem que
sejam de forma profunda, mas
para permitir que se transformem os recursos potenciais em
riqueza". Na avaliação de Simões, "a principal preocupação
é viabilizar que esse petróleo
saia das profundezas e venha
para a superfície".
Divergências
Apesar da opinião unânime
de como o país irá se apropriar
das reservas de pré-sal descobertas -e como utilizá-las-, os
especialistas divergem, entretanto, no peso que o Estado deve ter para manter o controle
dos recursos do pré-sal, se é necessária a criação de uma nova
estatal para isso e se a legislação que regula o setor petrolífero -apontada como eficiente e
uma das responsáveis por ter
proporcionado as novas descobertas de petróleo no país- deve ou não ser alterada.
Leia a seguir alguns dos principais tópicos abordados durante o debate:
NOVA ESTATAL
Zylbersztajn - Quando se
fala em [nova] empresa estatal,
o modelo deixa de ser neutro.
Acho grave. Não existe hoje no
país um modelo pró-mercado.
O que existe é um conjunto de
regras bem estabelecidas. Imagine ter uma estatal comprando e vendendo petróleo como
no passado.
Pinguelli Rosa - Não vamos
pensar em criar uma estatal
ineficiente, nem que vá comercializar o petróleo. Mas é melhor o Brasil assumir o controle
do petróleo e decidir como será
explorado. Pode-se não criar
estatal alguma, no final. Mas o
erro do governo é discutir [o
assunto] a portas fechadas.
Bresser-Pereira - Sou a favor que a exploração seja feita
por empresas privadas e pela
Petrobras, que é semiprivada.
Essa nova agência ou estatal, se
criada, deve estabelecer a força
do Estado. É preciso um Estado forte como têm os países desenvolvidos, que agem em defesa do interesse nacional.
Simões - Uma nova estatal
não é boa nem ruim. No Brasil,
temos a Petrobras, que vai continuar sendo líder do mercado.
Dada a necessidade de recursos, não só financeiro, mas humano e tecnológico, há espaço
para várias empresas atuarem
em parceria ou não com a Petrobras ou eventualmente com
a nova estatal.
REGIME DE CONCESSÃO
Zylbersztajn - Não vejo que
prejuízo o país possa ter mantendo esse modelo atual [de
concessão por licitação]. O que
poderia ser revisto é a questão
da repartição [maior para o Estado] e até o aumento da tributação.
Pinguelli Rosa - Esse sistema dará fatalmente o direito de
[a empresa que tiver a concessão] se apropriar do petróleo
da empresa que investir e for a
ganhadora da licitação do bloco. O sistema foi pensado para
investimentos de maior risco.
Bresser-Pereira - As empresas exploradoras não gostam da partilha, preferem a
concessão, quando já sabem
que o petróleo existe e que irão
ganhar parte de sua renda.
Simões - O modelo atual é
adequado? Permite ao Estado
recuperar sua parte na renda
petrolífera? O modelo em si
não resolve a questão. O nível
de arrecadação depende do regime fiscal adotado e da vontade do governo em assumir riscos e fazer os investimentos
necessários.
SISTEMA DE PARTILHA
Bresser-Pereira - Prefiro a
partilha, mas essa discussão
tem de ser aprofundada. Nesse
caso, é preciso haver uma empresa 100% estatal. Todo o pré-sal pertence a essa empresa,
que, em nome do governo, vai
fazer os contratos, receber a
participação e transferir para
os cofres do governo.
Simões - Se mudarmos para
esse sistema, não irá afugentar
as empresas. Até ficarão aliviadas de transferir boa parte do
risco [de exploração] para o Estado brasileiro. Será que essa é
a melhor situação para o país?
(...) É preciso esclarecer que
nos dois modelos [concessão
ou partilha] o Estado pode ter a
posse do petróleo.
Pinguelli Rosa - Pode haver
simplesmente um sistema híbrido. O governo tem de fazer
essa discussão.
Zylbersztajn - A questão
principal é em relação à forma
como serão distribuídos os recursos. Temos duas participações governamentais. Uma em
relação aos royalties, e a outra,
à participação especial.
LEI DO PETRÓLEO
Zylbersztajn - Se houver
grandes alterações na lei, existe
risco enorme de paralisar o setor durante dois a três anos.
Imagine os municípios e os Estados percebendo a quantidade
de recursos envolvidos [e como
ter acesso a eles], seria uma
discussão infinita, que levaria a
um retrocesso enorme. (...) A
nossa legislação é considerada
uma das mais modernas, eficientes e transparente do mundo.
Simões - É uma lei de sucesso, que foi feita há dez anos
pensando em outra fase. Não
necessita das mudanças profundas. Mas precisa ser revista
para dar conta de novas descobertas. Os ajustes são necessários para [o país] transformar
esse potencial recurso [do pré-sal] em riqueza.
PETROBRAS
Pinguelli Rosa - O papel da
Petrobras no pré-sal é muito
importante. Não podemos correr o risco de perder seu papel
na competição [com outras
empresas]. (...) Em relação à
discussão da unitização, acho
correto transferir para a Petrobras os blocos contíguos, desde
que respeitados os direitos de
outras concessionárias.
Zylbersztajn - É uma empresa que funciona muito bem,
tem importância tecnológica e
é uma das maiores do mundo
graças ao fato de ter sido submetida à concorrência e ter
vencido o desafio.
Bresser-Pereira - Por uma
questão técnica, não pode ser a
Petrobras [para manter controle do petróleo do pré-sal]
(...) É uma maravilha de empresa, que tem de continuar explorando o petróleo.
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