São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

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Transformar pré-sal em riqueza é desafio

Especialistas discutem a maneira pela qual o Estado irá manter o controle dos recursos de megacampos para reduzir pobreza

Debatedores divergem sobre o peso que o Estado deve ter para manter o controle dos recursos provenientes do pré-sal

Fotos Eduardo Anizelli/Folha Imagem
Luiz Carlos Bresser-Pereira, Luiz Pinguelli Rosa, o mediador Valdo Cruz, David Zylbersztajn e Ivan Simões durante debate sobre o petróleo do pré-sal, na Folha

DA REPORTAGEM LOCAL

O maior desafio do governo Lula é como o Brasil irá transformar as reservas de petróleo do pré-sal em favor dos interesses da população e gerar riqueza para diminuir a pobreza e promover mais justiça social.
A preocupação foi apontada em debate promovido anteontem pela Folha, em que participaram o engenheiro David Zylbersztajn, primeiro diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), o geólogo Ivan Simões, coordenador do Comitê de Exploração e Produção do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e vice-presidente da British Petroleum, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da FGV (Fundação Getulio Vargas) e ex-ministro da Ciência e Tecnologia (governo FHC), e o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente da Eletrobrás.
O evento foi o primeiro de uma série de discussões que integra o ciclo "Folha debate o pré-sal". O próximo deve ocorrer após a comissão interministerial que estuda o assunto definir o modelo que o país irá adotar para manter o controle do pré-sal e como deve ser a nova estatal em estudo.
Para Pinguelli Rosa, uma das questões a que se deve ficar atento é que "o governo tem de usar o petróleo em benefício do país", "sem que o país se torne dependente desse produto natural", como ocorreu em algumas nações produtoras. O que o físico avalia também ser relevante é "como o Brasil irá usar o novo petróleo para tirar proveito [do pré-sal], para frutificar a engenharia brasileira, gerar empregos de qualidade" e continuar "distribuindo renda".
"Ninguém bebe petróleo, ninguém come petróleo. Ele só se justifica se gerar recursos para serem usados pelo país", afirmou Zylbersztajn, ao concordar que o desafio do governo Lula nessa etapa é planejar o que fazer com os resultados obtidos dessas reservas.
"Só teremos algumas certezas, como o valor em dinheiro que virá desse novo petróleo, dentro de oito a dez anos", por isso "é precipitado gastar por conta", diz Zylbersztajn.

"Estado forte"
Em relação ao uso dessas novas descobertas, Bresser-Pereira avalia que é preciso ter "um Estado forte" para "fazer leis, políticas e implementar diretrizes em defesa do interesse público e nacional".
Simões, do Instituto Brasileiro de Petróleo, disse que o Brasil tem uma legislação que é bem-sucedida e permitiu a existência de mais de 70 empresas operando no país, além de transformar a Petrobras em uma das maiores companhias do setor no mundo.
Mas, com a descoberta do pré-sal, "é necessário fazer ajustes [na legislação], sem que sejam de forma profunda, mas para permitir que se transformem os recursos potenciais em riqueza". Na avaliação de Simões, "a principal preocupação é viabilizar que esse petróleo saia das profundezas e venha para a superfície".

Divergências
Apesar da opinião unânime de como o país irá se apropriar das reservas de pré-sal descobertas -e como utilizá-las-, os especialistas divergem, entretanto, no peso que o Estado deve ter para manter o controle dos recursos do pré-sal, se é necessária a criação de uma nova estatal para isso e se a legislação que regula o setor petrolífero -apontada como eficiente e uma das responsáveis por ter proporcionado as novas descobertas de petróleo no país- deve ou não ser alterada.
Leia a seguir alguns dos principais tópicos abordados durante o debate:

NOVA ESTATAL
Zylbersztajn - Quando se fala em [nova] empresa estatal, o modelo deixa de ser neutro. Acho grave. Não existe hoje no país um modelo pró-mercado. O que existe é um conjunto de regras bem estabelecidas. Imagine ter uma estatal comprando e vendendo petróleo como no passado.
Pinguelli Rosa - Não vamos pensar em criar uma estatal ineficiente, nem que vá comercializar o petróleo. Mas é melhor o Brasil assumir o controle do petróleo e decidir como será explorado. Pode-se não criar estatal alguma, no final. Mas o erro do governo é discutir [o assunto] a portas fechadas.
Bresser-Pereira - Sou a favor que a exploração seja feita por empresas privadas e pela Petrobras, que é semiprivada. Essa nova agência ou estatal, se criada, deve estabelecer a força do Estado. É preciso um Estado forte como têm os países desenvolvidos, que agem em defesa do interesse nacional.
Simões - Uma nova estatal não é boa nem ruim. No Brasil, temos a Petrobras, que vai continuar sendo líder do mercado. Dada a necessidade de recursos, não só financeiro, mas humano e tecnológico, há espaço para várias empresas atuarem em parceria ou não com a Petrobras ou eventualmente com a nova estatal.

REGIME DE CONCESSÃO
Zylbersztajn - Não vejo que prejuízo o país possa ter mantendo esse modelo atual [de concessão por licitação]. O que poderia ser revisto é a questão da repartição [maior para o Estado] e até o aumento da tributação.
Pinguelli Rosa - Esse sistema dará fatalmente o direito de [a empresa que tiver a concessão] se apropriar do petróleo da empresa que investir e for a ganhadora da licitação do bloco. O sistema foi pensado para investimentos de maior risco.
Bresser-Pereira - As empresas exploradoras não gostam da partilha, preferem a concessão, quando já sabem que o petróleo existe e que irão ganhar parte de sua renda.
Simões - O modelo atual é adequado? Permite ao Estado recuperar sua parte na renda petrolífera? O modelo em si não resolve a questão. O nível de arrecadação depende do regime fiscal adotado e da vontade do governo em assumir riscos e fazer os investimentos necessários.

SISTEMA DE PARTILHA
Bresser-Pereira - Prefiro a partilha, mas essa discussão tem de ser aprofundada. Nesse caso, é preciso haver uma empresa 100% estatal. Todo o pré-sal pertence a essa empresa, que, em nome do governo, vai fazer os contratos, receber a participação e transferir para os cofres do governo.
Simões - Se mudarmos para esse sistema, não irá afugentar as empresas. Até ficarão aliviadas de transferir boa parte do risco [de exploração] para o Estado brasileiro. Será que essa é a melhor situação para o país? (...) É preciso esclarecer que nos dois modelos [concessão ou partilha] o Estado pode ter a posse do petróleo.
Pinguelli Rosa - Pode haver simplesmente um sistema híbrido. O governo tem de fazer essa discussão.
Zylbersztajn - A questão principal é em relação à forma como serão distribuídos os recursos. Temos duas participações governamentais. Uma em relação aos royalties, e a outra, à participação especial.

LEI DO PETRÓLEO
Zylbersztajn - Se houver grandes alterações na lei, existe risco enorme de paralisar o setor durante dois a três anos. Imagine os municípios e os Estados percebendo a quantidade de recursos envolvidos [e como ter acesso a eles], seria uma discussão infinita, que levaria a um retrocesso enorme. (...) A nossa legislação é considerada uma das mais modernas, eficientes e transparente do mundo.
Simões - É uma lei de sucesso, que foi feita há dez anos pensando em outra fase. Não necessita das mudanças profundas. Mas precisa ser revista para dar conta de novas descobertas. Os ajustes são necessários para [o país] transformar esse potencial recurso [do pré-sal] em riqueza.

PETROBRAS
Pinguelli Rosa - O papel da Petrobras no pré-sal é muito importante. Não podemos correr o risco de perder seu papel na competição [com outras empresas]. (...) Em relação à discussão da unitização, acho correto transferir para a Petrobras os blocos contíguos, desde que respeitados os direitos de outras concessionárias.
Zylbersztajn - É uma empresa que funciona muito bem, tem importância tecnológica e é uma das maiores do mundo graças ao fato de ter sido submetida à concorrência e ter vencido o desafio.
Bresser-Pereira - Por uma questão técnica, não pode ser a Petrobras [para manter controle do petróleo do pré-sal] (...) É uma maravilha de empresa, que tem de continuar explorando o petróleo.


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