São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Filósofo influenciou a militância pelos animais

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um dos pais do moderno movimento de libertação dos animais é o filósofo australiano Peter Singer, cujo livro "Animal Liberation", publicado em 1975, influenciou profundamente a militância política em favor dos "não humanos".
Singer é um utilitarista radical. Isso significa que ele não acredita muito em direitos -nem para animais nem para humanos-, mas apenas em interesses, como o de evitar a dor, buscar o prazer. Quando analisados à luz de certos princípios utilitaristas, como o de minimizar o sofrimento, esses interesses podem resultar em regras que devem ser observadas por todos os agentes morais -e isso é o mais perto de "direitos" que podemos chegar.
A ideia central de "Animal Liberation" é que qualquer ser vivo capaz de sentir dor tem interesse em evitá-la. E nós, humanos, não devemos restringir apenas a outros humanos o universo dos beneficiários de uma regra como a que manda não infligir sofrimento desnecessariamente. Todos os seres sencientes, sustenta Singer, são dignos de igual consideração.
Discriminar um animal senciente apenas porque ele não é humano configura um caso de especismo, que o filósofo põe no mesmo patamar do racismo ou do escravagismo.
É claro que nem todos os seres vivos têm os mesmos "direitos". O nível de consideração que cabe a cada qual é uma função direta de sua capacidade de perceber dor, prazer e até de fruir o transcendente -ou seja, de seu grau de consciência.
Numa leitura histórica, o círculo de solidariedade moral da humanidade vem se expandindo. Nos primórdios, o homem ligava apenas para si mesmo e, às vezes, para a sua família. Com o decorrer do tempo passou a preocupar-se também com seus vizinhos, compatriotas, irmãos de fé e, por fim, com todo o gênero humano. Agora, começamos a olhar para os outros bichos com os quais compartilhamos o planeta.
Essa é uma ideia radical que traz implicações radicais: para o filósofo, a melhor forma de não provocar dor evitável é convertendo a humanidade ao vegetarianismo. E vale observar que essa nem é a mais exuberante das teses de Singer.
Consequente com seus princípios, ele também defende o aborto, a eugenia e até o infanticídio. Se o grau de "direitos" está relacionado ao nível de consciência, seres menos conscientes podem, em certas situações, ser sacrificados, seja para reduzir a dor, seja para produzir benefícios maiores.
Outra tese polêmica de Singer é que todos os que já vivem com conforto têm o dever de doar parte de seus rendimentos para eliminar a pobreza do mundo. Ele próprio afirma abrir mão de 25% de seu salário em favor de organizações como a Oxfam e o Unicef. O fundamento de toda ética utilitarista é que os interesses de todos se equivalem: o resultado é um igualitarismo forte.
É claro que, como todo sistema utilitarista, esse também fica à mercê de paradoxos: em princípio, seria ético matar um paciente saudável e, com seus órgãos, salvar a vida de cinco doentes que precisavam de transplante; um porco saudável poderia ser visto como tendo mais "direitos" que uma criança com retardo mental.


Texto Anterior: Entrevista 2: Ação é "apenas anestesia de consciências"
Próximo Texto: Melhorar qualidade e reduzir as perdas são vantagens às empresas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.