São Paulo, terça-feira, 27 de outubro de 2009

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Kindle não ajudará jornais, diz especialista

Para diretor da Universidade Harvard, receita que empresas de mídia terão com leitor de livros eletrônicos será marginal

Sistema de micropagamentos de notícias na internet está condenado, diz especialista, para quem publicidade ainda é a melhor fonte de receita


FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O diretor do Laboratório de Jornalismo da Fundação Nieman, na Universidade Harvard, Joshua Benton, não enxerga no Kindle, o leitor de livros eletrônico da Amazon, ou em outros aparelhos similares solução para as finanças dos jornais. Os leitores não vão usar de forma disseminada um equipamento só para ler livros ou jornais, diz.
Para Benton, será necessário que os novos e-readers sejam multifuncionais para terem mais apelo. Sobretudo, oferecendo acesso facilitado à internet. Mas, nesse caso, surge um problema adicional: poucos leitores vão se dispor a pagar para ler um jornal se a web estiver a um clique de distância oferecendo notícias gratuitamente.
O sistema de micropagamentos também estaria "condenado". Uma coisa, diz Benton, é pagar US$ 0,50 por uma música que poderá ser ouvida várias vezes. Outra é comprar uma notícia para ser lida uma vez e da qual não se conhece previamente a qualidade. A internet tem efeitos negativos para o chamado "jornalismo de qualidade", com orçamentos mais reduzidos para longas e custosas investigações. Mas Benton aponta as vantagens oferecidas pela web na produção de reportagens de boa qualidade.
Ele menciona o fato de ter se tornado "trivial a transmissão de uma reportagem de qualquer lugar no mundo". Os repórteres também têm hoje à disposição ferramentas poderosas de pesquisa. A propagação do conteúdo ficou mais fácil. Nichos de leitores podem ser "agrupados e servidos por um jornalismo muito específico que não poderia sobreviver no modelo antigo".
O Nieman Lab, como é conhecido o centro dirigido por Benton, completa hoje um ano. Ancorado na Fundação Nieman para o Jornalismo, entidade com 72 anos de existência, o laboratório tornou-se um dos principais centros de debate sobre mídia nos EUA.
Benton, 33, será o palestrante de abertura hoje, às 19h30, do MediaOn-99, evento que vai até quinta, em São Paulo. Sua palestra será sobre "como o jornalismo de qualidade pode sobreviver e prosperar na era da internet". Leia informações em www.mediaon.com.br. A seguir, trechos da entrevista de Benton à Folha:

 

FOLHA - O orçamento para produzir jornalismo de qualidade será continuamente reduzido com o aumento da concorrência on-line?
JOSHUA BENTON
- Acho que sim, se você usar a definição de "jornalismo de qualidade" da era pré-internet: muitos repórteres bem pagos passando semanas atrás de uma investigação. Mas também não se pode esquecer como a internet contribui para o jornalismo de qualidade. Tornou trivial a transmissão de uma reportagem de qualquer lugar no mundo. Deu aos repórteres as ferramentas de pesquisas mais poderosas disponíveis até hoje. Permite que reportagens se propaguem com facilidade. Nichos de leitores podem agora ser agrupados e servidos por um jornalismo muito específico que não poderia sobreviver no modelo antigo. Há mais jornalismo de qualidade sendo produzido agora do que no passado. Está apenas sendo produzido de forma diferente e por pessoas diferentes.

FOLHA - Qual é o futuro para os leitores eletrônicos de texto, os e-readers, como o Kindle?
BENTON
- Sou cético a respeito dos e-readers. Os usuários gravitarão em direção a produtos multifuncionais. Não querem os que só permitem ler livros, mas também o que permitem navegar na web. Acho que é zero a chance de um produto como o Kindle ter impacto significativo nas finanças dos jornais impressos. Os publishers sonham que os usuários do Kindle passariam novamente a querer pagar pelo conteúdo de notícias. Isso se daria porque eles estariam lendo as notícias digitalmente num Kindle, e não na web. Não creio que isso seja provável nem as informações estatísticas disponíveis até agora corroboram esse ponto de vista.

FOLHA - Então jornais tradicionais como o "New York Times" não adotariam os e-readers como uma parte importante dos seus negócios?
BENTON
- Jornais como o "Times" vão querer usar o Kindle e outros e-readers simplesmente porque essas publicações precisam que suas notícias estejam acessíveis em todos os lugares possíveis. Também porque eles buscarão alguma receita marginal. Mas será uma pequena parte do negócio.

FOLHA - Já outros aparelhos chegando ao mercado, inclusive um da Apple. Essa competição não ajudaria a difundir a tecnologia, tornando-a financeiramente viável?
BENTON
- O aparelho da Apple será melhor que o Kindle. Se propiciar um acesso à internet facilitado, tornará ainda mais tolo o sistema de assinaturas hoje oferecido pelo Kindle.

FOLHA - Qual tendência prevalecerá na web: notícias gratuitas ou conteúdo pago?
BENTON
- Jornais como "The Wall Street Journal", "Financial Times" e a revista "The Economist" são exceções. Cobram por parte do que produzem na web. Essas empresas miram em um leitorado no setor financeiro. Os leitores dessas publicações sentem a necessidade de lê-las para ter um bom desempenho em seus empregos. Em resumo, são meios que têm uma margem comparativa muito maior do que jornais de interesse geral. O sistema de micropagamentos está condenado. Os consumidores de notícias não gostam desse sistema, a ferramenta de compra é complicada e uma notícia que você lerá uma vez -e cuja a qualidade você conhecerá ao ler- é muito diferente de uma música que o usuário pode comprar para depois ouvir centenas de vezes.

FOLHA - Além dessas opções já comentadas, quais outras há para as empresas de mídia jornalística na era da internet?
BENTON
- A publicidade, que ainda é de longe a maior fonte de receita para os sites de notícias nos EUA.


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