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Estão falsificando a História do Brasil
ALOYSIO BIONDI
A opinião pública brasileira
está sendo engabelada com
uma mentira histórica, apresentada como explicação para a
crise da economia. Nas últimas
semanas, é cada vez mais repetida a afirmação de que o governo neoliberal de Fernando
Henrique Cardoso foi uma pobre vítima da fatalidade. Segundo essa versão, a equipe
FHC/BNDES fez uma "aposta",
ao escancarar o mercado às importações e às multinacionais:
no seu raciocínio, o fato de o
Brasil acumular grandes "rombos" na balança comercial não
traria ameaças de o país quebrar porque, a médio prazo, o
"buraco" seria coberto com
aplicações de especuladores estrangeiros, empréstimos e até
investimentos das multinacionais.
Os piedosos disseminadores
dessa explicação repetem insistentemente, em resumo, que o
governo FHC fez uma "aposta"
na possibilidade de atrair capitais estrangeiros para cobrir o
"rombo" e somente perdeu essa
aposta porque foi surpreendido
com o terremoto no mercado
financeiro asiático e seus efeitos
devastadores sobre o resto do
mundo.
A versão, empurrada goela
abaixo da sociedade, é despudorada. Depois de passar dois
ou três anos falseando a realidade, encobrindo os problemas
da economia, formadores de
opinião tentam, agora, falsificar a própria História do Brasil,
neste reinado de FHC. Onde está a mentira? Ora, basta fazer
uma pesquisa nos jornais dos
últimos três anos para encontrar milhares de declarações e
entrevistas da equipe FHC prevendo que, em breve, no mês ou
meses seguintes, as importações
cairiam, as exportações cresceriam e a balança comercial voltaria a ter saldo positivo, isto é,
o "rombo" desapareceria. Essa
é a verdade que de-formadores
de opinião, a serviço do governo
FHC, estão tentando apagar da
História, inventando a versão
da "aposta".
Hora do debate
Poucos dias depois do "estouro" do México, em janeiro de
1995, o presidente do Banco
Central, Gustavo Franco, alardeava autoconfiante que já em
fevereiro o Brasil voltaria a ter
saldo positivo na balança comercial... O ministro Pedro Malan e o subministro José Roberto Mendonça de Barros espalharam igual otimismo (e finas
ironias contra os "críticos")
meses a fio. Ainda no começo
deste ano, o subministro anunciava um saldo positivo de US$
2 bilhões no comércio exterior...
O ministro do Planejamento,
Antonio Kandir, bravateou mil
vezes com um forte aumento
nas exportações -e fim do
"rombo".
Essa, a verdade. A sorridente
e sarcástica equipe FHC errou
desde o começo em suas previsões sobre a volta do saldo da
balança comercial e levou a
economia ao caos.
A tentativa de falsificação da
História é um fato grave na vida do país e para o seu futuro.
Impede a sociedade de, agora,
analisar o desempenho da
equipe FHC, seus erros mantidos durante tanto tempo -a
quem eles interessavam, afinal?
Impede a sociedade, o Congresso, de abrir o debate em torno
de outras diretrizes monstruosamente erradas do governo
FHC, como na área da privatização.
Bondade excessiva
É inconcebível encarar a crise
econômica como mera "fatalidade", que desabou sobre os
"apostadores" de Brasília. Após
escancarar o mercado às importações, ao "torrar dólares",
a equipe FHC acabou sendo
forçada a elevar brutalmente as
taxas de juros aqui dentro
-desde 1994- para tentar
atrair dólares e cobrir o rombo
(que, repita-se, dizia que iria
"desaparecer" logo). Os juros
elevados tiraram o poder de
competição e destruíram as indústrias (e a agricultura) nacionais, devastando setores inteiros e desempregando milhões
de pessoas. Os juros elevados,
ainda, arrasaram as finanças
da União, Estados e municípios, consumindo bilhões e bilhões de reais, forçando o corte
de despesas até nas áreas sociais (um único exemplo basta:
até setembro, o combate à mortalidade infantil havia recebido
apenas 5% das verbas previstas
no orçamento). O desemprego,
o congelamento dos vencimentos do funcionalismo, a queda
na renda agrícola ampliaram a
inadimplência e a queda no
consumo. Milhões de trabalhadores, empresários, famílias pagam o preço da crise. Não se
pode tratá-la como mero jogo
de carteado.
A sociedade tem o sagrado direito de debater a fundo as origens da crise para exigir mudanças e evitar que, no futuro,
outra equipe econômica sorridente e prepotente possa -durante tanto tempo- manter
uma inexplicável política que
contrariava suas próprias previsões. Uma política que, portanto, errava o tempo todo. A
falsificação da História é um
crime abominável de lesa-sociedade.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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