|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Admirável mundo novo
O mundo vai mudar com a crise; assim, o substitutivo da reforma tributária aprovado pela Comissão Especial tem de ser discutido com cuidado na Câmara
MAURO RICARDO COSTA
JOAQUIM LEVY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Agora, que uma nova ordem
econômica parece se iniciar,
talvez poucos se lembrem do
Gatt ("General Agreement on
Tariffs and Trade"), uma relíquia do pós-guerra, superada
pela OMC e a Rodada Doha.
Mas os ecos do Gatt continuam muito vivos no Brasil,
graças a uma controvérsia tributária que se arrasta há anos.
Trata-se da "total extinção em
30/6/1983" do crédito-prêmio
do IPI nas exportações, previsto no decreto-lei nº 1.658/79,
publicado para alinhar o Brasil
com o Gatt. Por conta da redação infeliz em uma medida subseqüente, essa extinção é contestada até hoje na Justiça, o
que criou um passivo contingente para a União de bilhões
de reais, ainda sem solução definitiva.
A saga do crédito-prêmio serve de alerta quando são discutidas mudanças radicais em tributos. Não é o único caso de reformas bem-intencionadas que
tropeçaram no Judiciário.
O Finsocial -considerado
inconstitucional, porque na visão da Justiça não respondia
nem aos requisitos de imposto
nem de contribuição social-
apenas reforça esse ponto.
Qual o risco e as conseqüências de um IVA federal ser contestado e desaparecer? É difícil
de medir, mas traria perdas
tanto para a União como para
os Estados. O risco para os Estados poderia chegar a R$ 15 bilhões, concentrado nas regiões
mais carentes, que são as que ficam com a maior parte do Fundo de Participação dos Estados.
Concretamente, se amanhã o
IVA federal cair, nem todo o dinheiro do Seguro de Receitas
sonhado na reforma vai compensar os Estados que tiverem
o repasse do FPE afetado.
Deputados e governadores
devem considerar esse e outros
riscos antes da votação do substitutivo da reforma tributária
aprovado pela Comissão Especial da Câmara. Esse substitutivo reflete um trabalho de ourives do relator, que, com grande
sensibilidade, traduziu um
sem-número de demandas dos
Estados, de empresários e de
outros interessados.
Em várias ocasiões, essa sensibilidade levou o relator a se
afastar da linha originalmente
proposta pelo Ministério da
Fazenda, como na alteração do
equilíbrio no Confaz.
O substitutivo também apresenta um grau de tolerância
com a guerra fiscal, inclusive
pela abertura de uma temporada para a criação de novos incentivos, que diverge da expectativa da Fazenda e do objetivo
maior da própria reforma.
A incorporação das preocupações dos atores econômicos
também resultou em um substitutivo relativamente longo e
complexo, com cerca de 400
dispositivos. Nesse sentido, a
proposta da Câmara dos Deputados difere muito daquela do
Senado.
Como tem sublinhado o senador Francisco Dornelles, a
reforma não deveria engessar
ainda mais a Constituição Federal, com detalhes quase casuísticos, mas sim estabelecer
as linhas mestras do edifício
tributário brasileiro do século
21. A intuição de Dornelles
mostrou-se fenomenalmente
correta com a eclosão da atual
crise na economia mundial.
O mundo vai mudar com a
crise. Daí, a indagação se seria
oportuno regulamentar detalhadamente o marco tributário
do Brasil diante de transformações imprevistas. Vale notar
que a reforma só terá efeito em
dois ou três anos, ou seja, nesse
novo mundo. Um mundo ainda
desconhecido, mas onde a flexibilidade será cada vez mais
importante.
O substitutivo também pode
implicar algum retrocesso. Sabe-se, por exemplo, que, entre
os avanços conseguidos na presente administração da Fazenda, incluídos na proposta original, está a possibilidade de tributação diferenciada do lucro
do setor financeiro.
Mas onde o Ministério da Fazenda havia previsto uma sintonia fina, distinguindo bancos
de lojas, fábricas de software ou
confecções, o substitutivo impõe um ordenamento único.
A aplicação da mesma régua
para tributar o lucro dos bancos e as outras empresas tenderá a aumentar a alíquota sobre
o setor produtivo. Além dessa
provável transferência da carga
fiscal para o setor real, o substitutivo restringe a iniciativa do
governo de ajustar tributos.
Nenhuma das considerações
acima retira valor do substitutivo, mas todas apontam para a
importância de ele ser discutido com cuidado na Câmara. É
uma discussão que deve envolver os Estados e ser bem
apreendida pelos setores econômicos, os quais não devem limitar sua análise à inclusão ou
não de um dispositivo que lhes
atenda diretamente. O todo
nesse tipo de projeto é mais importante do que as partes.
Por isso, a votação intempestiva do substitutivo pode apenas significar a necessidade de
ele voltar com grandes mudanças ao passar pelo Senado,
adiando de maneira imprevisível a aprovação da reforma tributária que todos desejamos.
MAURO RICARDO COSTA e JOAQUIM LEVY
são secretários de Fazenda dos Estados de São
Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente.
Texto Anterior: Bolsa mantém fôlego e sobe 16,7% na semana Próximo Texto: Senado aprova aumento de salário para servidores Índice
|