|
Texto Anterior | Índice
ARTIGO
Roosevelt mostra caminho a Obama
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
OS TEMPOS mudaram.
Em 1996, o presidente
Bill Clinton, sob ataque da direita, declarou que "a
era do governo grande acabou".
Mas o presidente eleito Barack
Obama, propelido por uma onda de repulsa àquilo que o conservadorismo causou, diz que
deseja "fazer do governo uma
vez mais algo de positivo".
Antes que Obama possa tornar o governo positivo, porém,
ele terá de torná-lo bom. De fato, ele terá de ser um goo-goo.
"Goo-goo", se vocês não sabem o que quer dizer o termo, é
uma expressão secular que designa os proponentes de um
bom governo ("good government"), reformistas que combatiam a corrupção e o compadrio. O presidente Franklin
Roosevelt foi um dos grandes
goo-goo, e tornou o governo a
um só tempo muito maior e
muito mais limpo. Obama terá
de fazer a mesma coisa.
Seria desnecessário dizer que
o governo Bush representa um
exemplo extremo de "anti-goo-goo". Mas os adeptos de Bush
jamais tiveram de se preocupar
com governar bem e de maneira honesta. Mesmo que fracassassem em seus postos (como o
fizeram tantas vezes), podiam
alegar os fracassos mesmos como confirmação da validade de
sua ideologia de antagonismo à
idéia de governo, e como demonstração de que o setor público não é capaz de fazer coisa
alguma direito.
O governo Obama por outro
lado, se verá em posição semelhante à que o "New Deal" enfrentava nos anos 1930.
Como no caso do New Deal, a
administração que está chegando terá de expandir vigorosamente o papel do governo no
resgate à economia debilitada.
Mas também como na era do
"New Deal", a equipe de Obama
enfrenta oponentes políticos
que aproveitarão quaisquer sinais de corrupção ou abuso, ou
os inventarão, se necessário,
para tentar desacreditar o programa da nova administração.
Roosevelt conseguiu navegar
em segurança por essas águas
políticas traiçoeiras e melhorou fortemente a reputação do
governo enquanto o expandia
imensamente. Como define um
recente estudo do Serviço Nacional de Pesquisa Econômica,
"antes de 1932, a administração
da assistência pública era vista
por todos como politicamente
corrupta", e os imensos programas de assistência do New Deal
"ofereciam uma oportunidade
de corrupção única na história
do país". No entanto, "por volta
de 1940 as acusações de corrupção e manipulação política
haviam diminuído consideravelmente".
Como Roosevelt conseguiu
expandir o governo e mantê-lo
limpo?
Uma grande parte da resposta está na fiscalização incorporada desde o início aos programas do New Deal. A Administração de Progresso de Obras
(WPA), em particular, tinha
uma poderosa divisão independente de "investigação de progresso", cuja função era investigar queixas de fraude. A divisão
era tão diligente que, em 1940,
quando um subcomitê do Congresso estudou a Administração de Progresso de Obras, não
conseguiu encontrar nem ao
menos uma irregularidade séria que a divisão não tivesse detectado.
Roosevelt também garantiu
que o Congresso não enxertasse medidas politiqueiras nos
projetos de lei de estímulo; não
havia verbas reservadas a fins
políticos nas leis que criaram a
WPA e nas demais medidas de
emergência.
Por fim, mas não menos importante, Roosevelt criou um
elo emocional com os americanos da classe trabalhadora, que
ajudou a sustentar seu governo
em meio aos revezes e fracassos
em seus esforços para resolver
os problemas econômicos.
Que lições a equipe de Obama tem a extrair disso?
Primeiro, a administração do
plano de recuperação econômica precisa ser muito limpa.
Considerações puramente econômicas poderiam sugerir certos expedientes sorrateiros
com o objetivo de promover
uma adoção rápida das medidas de estímulo, mas o aspecto
político da situação requer
grande cuidado para determinar como o dinheiro poderá ser
gasto. A fiscalização é crucial:
os inspetores gerais terão de
ser fortes e independentes, e os
responsáveis por denúncias terão de ser premiados, e não punidos como o foram nos anos
Bush.
Segundo, o plano tem de estar completamente livre de gastos motivados por considerações políticas. O vice-presidente eleito Joseph Biden recentemente prometeu que o plano
"não se tornará uma árvore de
Natal" -o novo governo terá de
cumprir essa promessa.
Por fim, a administração
Obama e os democratas em geral precisam fazer tudo o que
puderem para promover a formação de um elo com o público
semelhante àquele de que Roosevelt desfrutava. Pouco importam os resultados favoráveis de Obama nas pesquisas
atuais, baseados na esperança
de sucesso. Ele necessitará de
uma base forte de apoio que
continue ao seu lado mesmo
quando as coisas não estiverem
indo tão bem.
E preciso dizer que os democratas começaram mal quanto
a isso. A tentativa de coroar Caroline Kennedy como senadora
parece confirmar 40 anos de
propaganda conservadora de
denúncia às "elites liberais". E
tenho certeza de que não fui a
última pessoa a fazer careta ante as reportagens sobre a casa
de luxo que os Obama alugaram
para férias na praia. Não porque haja algo de errado em a família do presidente eleito tirar
férias agradáveis, mas por que o
simbolismo importa, e aquelas
não eram as imagens que deveríamos estar contemplando em
um momento no qual milhões
de norte-americanos estão
aterrorizados quanto às suas finanças.
Está bem, a história mal começou. Mas é exatamente esse
o ponto. Reparar os problemas
econômicos requererá tempo,
e a equipe de Obama precisa começar a pensar já, enquanto as
esperanças ainda são fortes, sobre como acumular e preservar
capital político suficiente para
realizar o trabalho até o fim.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Foco: Cantora Björk cria fundo de investimento para ajudar a economia da Islândia Índice
|