São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

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MEMÓRIA

Insatisfação surgiu já em 2003, com a elevação das taxas de juros

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Não surgiu ontem a insatisfação, de parte a parte, entre o governo Lula e empresários. O pito do presidente somente acrescenta novo componente a uma relação há algum tempo estremecida.
Durante a maior parte de 2003, os empresários canalizaram sua insatisfação para a política monetária. Logo em janeiro, a surpresa de engolirem um aumento de taxas de juros na primeira reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de um governo petista. Nos meses seguintes, a grita era de que o governo demorava demais para começar a baixar os juros (a primeira redução, de 26,5% para 26%, ocorreu em junho, embora os empresários sustentassem que já havia condições para iniciar o ciclo em abril), o que teria comprometido todo o ano.
Reclamaram dos rumos da reforma tributária, mas outra trombada ocorreria de fato em novembro, quando o governo baixou medida provisória aumentando a alíquota da Cofins de 3% para 7,6%, mas em contrapartida colocou fim à cumulatividade.
Pelos cálculos do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a mudança no tributo fará com que a fatia do faturamento das empresas tributadas pelo lucro real engolida pelo governo passe de 3% para 4,01%.
No mesmo período, a disputa se transferia para outra seara: a dos aumentos de preços, seja para recomposição de margens, seja, segundo os empresários, para repasses de aumento de custos. E a se esboçarem as retaliações.
Ainda em novembro, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda recomendou ao Ministério da Justiça abertura de processo para investigar a formação de cartel por parte dos dez maiores produtores nacionais de cimento. No início de dezembro, o governo recebeu pedido dos setores de autopeças, montadoras, fabricantes de máquinas e eletroeletrônicos, para abrir o mercado interno às importações de aço -uma eventual alternativa para impedir que as siderúrgicas aumentassem os preços entre 10% e 15%. Ouviram do ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) que o governo não iria interferir.
As montadoras apenas esperaram o término de uma trégua firmada com o governo, em troca de manutenção de redução de IPI (Imposto de Produtos Industrializados), para reajustarem na primeira semana de janeiro os preços dos veículos em média 5,5%. Na semana passada foi a vez de a Vale do Rio Doce, a maior exportadora de minério de ferro do mundo, anunciar aumento de 18,62% em seus preços (cotados em dólares) a fim de realinhá-los com o mercado internacional. Decisão que terá efeito em cascata sobre os preços de toda as cadeias produtivas que dependam de aço.
A contrariedade do governo com os empresários tomou corpo há dez dias, quando prévia da sondagem da FGV indicou que 39% das empresas pretendem reajustar preços no primeiro trimestre deste ano.
O governo retaliou usando o instrumento mais temido pelos empresários: os juros. Conforme a Folha publicou, a decisão do BC de manter inalterada a Selic na semana passada fora em represália a essa intenção do setor privado de promover aumentos. Pressão que só se intensificará agora, uma vez que a nova alíquota da Cofins entra em vigor dia 1º de fevereiro.
O governo sabe que vive uma situação delicada. Exceto pelos setores ligados à exportação, de forma geral 2003 foi um ano péssimo para a indústria -o que, em parte, justifica essa pretendida recomposição de margens.
O problema é que, por conta dos aumentos dos preços administrados (tarifas), o governo já tem uma inflação "contratada" para este ano de 2%. Como a meta definida pelo BC é de 5,5%, resta pouquíssima margem de manobra -leia-se para aceitar aumentos de preços.


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