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MEMÓRIA
Insatisfação surgiu já em 2003, com a elevação das taxas de juros
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Não surgiu ontem a insatisfação, de parte a parte, entre o governo Lula e empresários. O pito
do presidente somente acrescenta
novo componente a uma relação
há algum tempo estremecida.
Durante a maior parte de 2003,
os empresários canalizaram sua
insatisfação para a política monetária. Logo em janeiro, a surpresa
de engolirem um aumento de taxas de juros na primeira reunião
do Copom (Comitê de Política
Monetária) de um governo petista. Nos meses seguintes, a grita era
de que o governo demorava demais para começar a baixar os juros (a primeira redução, de 26,5%
para 26%, ocorreu em junho, embora os empresários sustentassem que já havia condições para
iniciar o ciclo em abril), o que teria comprometido todo o ano.
Reclamaram dos rumos da reforma tributária, mas outra trombada ocorreria de fato em novembro, quando o governo baixou
medida provisória aumentando a
alíquota da Cofins de 3% para
7,6%, mas em contrapartida colocou fim à cumulatividade.
Pelos cálculos do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a mudança no tributo
fará com que a fatia do faturamento das empresas tributadas
pelo lucro real engolida pelo governo passe de 3% para 4,01%.
No mesmo período, a disputa se
transferia para outra seara: a dos
aumentos de preços, seja para recomposição de margens, seja, segundo os empresários, para repasses de aumento de custos. E a
se esboçarem as retaliações.
Ainda em novembro, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda
recomendou ao Ministério da
Justiça abertura de processo para
investigar a formação de cartel
por parte dos dez maiores produtores nacionais de cimento. No
início de dezembro, o governo recebeu pedido dos setores de autopeças, montadoras, fabricantes de
máquinas e eletroeletrônicos, para abrir o mercado interno às importações de aço -uma eventual
alternativa para impedir que as siderúrgicas aumentassem os preços entre 10% e 15%. Ouviram do
ministro Luiz Fernando Furlan
(Desenvolvimento) que o governo não iria interferir.
As montadoras apenas esperaram o término de uma trégua firmada com o governo, em troca de
manutenção de redução de IPI
(Imposto de Produtos Industrializados), para reajustarem na primeira semana de janeiro os preços dos veículos em média 5,5%.
Na semana passada foi a vez de a
Vale do Rio Doce, a maior exportadora de minério de ferro do
mundo, anunciar aumento de
18,62% em seus preços (cotados
em dólares) a fim de realinhá-los
com o mercado internacional.
Decisão que terá efeito em cascata
sobre os preços de toda as cadeias
produtivas que dependam de aço.
A contrariedade do governo
com os empresários tomou corpo
há dez dias, quando prévia da
sondagem da FGV indicou que
39% das empresas pretendem
reajustar preços no primeiro trimestre deste ano.
O governo retaliou usando o
instrumento mais temido pelos
empresários: os juros. Conforme
a Folha publicou, a decisão do BC
de manter inalterada a Selic na semana passada fora em represália
a essa intenção do setor privado
de promover aumentos. Pressão
que só se intensificará agora, uma
vez que a nova alíquota da Cofins
entra em vigor dia 1º de fevereiro.
O governo sabe que vive uma situação delicada. Exceto pelos setores ligados à exportação, de forma geral 2003 foi um ano péssimo
para a indústria -o que, em parte, justifica essa pretendida recomposição de margens.
O problema é que, por conta
dos aumentos dos preços administrados (tarifas), o governo já
tem uma inflação "contratada"
para este ano de 2%. Como a meta
definida pelo BC é de 5,5%, resta
pouquíssima margem de manobra -leia-se para aceitar aumentos de preços.
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