São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

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LUÍS NASSIF

O país tartaruga

As declarações de Luiz Fernando Furlan na Índia, em que criticou os juros no Brasil, é típica de qualquer brasileiro que, hoje em dia, visite a China, a própria Índia, a Rússia, a Coréia do Sul, e que olhou a diferença. Por aqui, continuamos um país auto-referenciado, que vive olhando o próprio umbigo e se valendo exclusivamente dos recursos da retórica para a elegia da mediocrização.
Na Índia e na China, bens de consumo durável são vendidos a perder de vista com taxas de juros anuais de um dígito. Aqui se criou a anorexia monetária, um medo pânico do crescimento, como se fosse virtuosa uma política econômica que, de tão desequilibrada, não pode conviver com a expansão.
A retórica é que este ano será menor do que o ano passado; ou que o Brasil de hoje é melhor do que o Brasil de dez anos atrás. A análise tem que ser comparativa. Quando se observa o boom na China, Índia e países que ousaram pensar grande, o panorama é contristador.
O Banco Central perdeu o tino. Política monetária é meio para atingir o fim maior, que é o desenvolvimento. Aqui, conseguiu desenvolver uma anorexia monetária. Qualquer sinal de respeito da economia é tratado como doença, que tem que ser tratada com um "soco na barriga" -como declarou ontem ao "Estado de S. Paulo" um valente diretor do BC, em "off", naturalmente.
No ano passado, um desses jovens operadores de mercado, inexperiente, em carta a um colunista do "Valor", explicitou claramente o que os mais experientes sabem, mas não dizem. Disse que o orçamento é dos políticos, o Banco Central é do mercado. Se os políticos quiserem recursos, dinheiro para obras, que tratem de administrar seu território. Ao BC cabe atender ao mercado, porque ele é seu cliente. Não sei se as palavras foram exatamente essas, o sentido, sim. Aqui se passou a aceitar a loucura como normal.
Em 1994, com a enorme liquidez internacional e as multinacionais realinhando seus centros de produção, o país poderia ter entrado em círculo virtuoso de crescimento. Houve um choque de demanda, com a inclusão de milhões de pessoas no mercado. A resposta das empresas foi clara: o início de um ciclo de investimentos que teria mudado o patamar econômico do país, não tivesse sido abortado pelos erros do câmbio e dos juros.
O país está no dilema Tostines. Não pode baixar os juros porque não tem investimento na expansão da produção. E não tem investimento porque não baixa os juros. E não existem coragem institucional nem confiança técnica do BC para ousar reduzir os juros. Assim, entra-se em 2004 com a carga tributária abatendo o último setor que gerava empregos -o de serviços-, a dívida interna aumentando e tendo que agüentar a retórica do presidente do BC de que Brasil, China e Índia vão mudar a história do mundo.

Eletrobrás
Com a saída de Alexandre Silveira da diretoria financeira da Eletrobrás, as ações caíram 11%. O que poderia ocorrer se a empresa entrasse nas barganhas políticas, como está sendo anunciado? Faria melhor o governo Lula em ser menos ortodoxo na política econômica e mais ortodoxo na política de alianças.

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