São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAC é "propaganda" sem efeito prático, diz Franco

Ex-presidente do BC afirma que programa tem importância "próxima de zero"

Para economista, plano não ataca a questão do gasto público e, por isso, não tem como destravar empresas e incentivar o investimento

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Gustavo Franco, economista da PUC-RJ e ex-presidente do Banco Central [1997-99], afirma que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal é praticamente irrelevante e que tem importância "muito próxima de zero" para o setor privado.
"A reação dos mercados foi consistente com essa avaliação. Ou seja: indiferença. Desde que [o plano] não piore a situação fiscal, tudo é meio uma mistura de sonhos e de compromissos políticos. É propaganda", diz. Leia trechos da entrevista.

 

FOLHA - O PAC tem um vetor político, de tentar colocar o crescimento na agenda. Mas, do ponto de vista técnico, o que há de relevante nele?
GUSTAVO FRANCO
- O pacote é uma variação em torno do velho tema do Plano Nacional de Desenvolvimento, coisa que se faz desde o Juscelino [Kubitschek, presidente entre 1956-61], passando pelos governos militares. Setinhas e projetos ocupam quase 70% do texto. São desejos, sonhos que todo governo tem o direito de ter. Nesse sentido, é um catálogo de boas intenções. Não deve ser malvisto. Se a coisa é factível, aí não vejo nada de novo.

FOLHA - Nenhuma inovação técnica ou orçamentária?
FRANCO
- Não. Tudo o que vi de fonte de financiamento são truques antigos e ruins. A idéia do PPI (Projeto Piloto de Investimento, que prevê um superávit primário menor para que o Estado possa investir mais) é a invenção de uma categoria de despesa que não conta quando você faz o cálculo do rombo das contas públicas. É uma enganação. Isso é contabilidade criativa, não tem nenhum cabimento. Trata-se de queimar o superávit primário em um cenário de "me engana que eu gosto". O plano também remove alguns limites para o contingenciamento de recursos da Caixa Econômica Federal em relação ao que é possível emprestar a entidades públicas como prefeituras, Estados e estatais. Eles estão removendo esse contingenciamento e criando um espaço de crescimento do crédito para essas entidades de uns R$ 6 bilhões. Isso é na veia. Vai direto no PIB, imediatamente. Mas isso é ruim do ponto de vista de política pública porque é seletivo, clientelista, distribuído com critério político. E o dinheiro não volta, porque é empréstimo para prefeitura, Cohab... É o mesmo mecanismo viciado de expansão creditícia, de expansão do gasto público.

FOLHA - Na desoneração tributária, não foi feito mais ou menos a mesma coisa ao se eleger setores? A única medida horizontal para todos foi a ampliação do prazo de recolhimento de PIS/Cofins (mais cinco dias) e do INSS (mais oito), não?
FRANCO
- Exatamente. E a palavra seletividade não pode caber em um plano que pretende ser macro. Pode até se questionar se seletividade faz sentido quando se está fazendo política industrial, e há alguns setores em que vale a pena incentivar. Mas, em política macro, seletividade não tem sentido.

FOLHA - Do ponto de vista fiscal, como o sr. avalia a correção do salário mínimo pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB e a correção da folha do funcionalismo pela inflação mais o teto de 1,5% ao ano?
FRANCO
- Se tem algo de infeliz no plano, são esses dois temas. Primeiro, porque a decisão será uma lei reversível, que pode ser revista. O segundo ponto é que isso tudo será um piso para novos aumentos. Se era para reduzir o gasto, o efeito é exatamente o contrário. O funcionalismo tem um crescimento vegetativo da folha, que tem a ver com anuênios, qüinqüênios e outras vantagens. Ao longo dos anos, mesmo sem reajuste pela inflação, a folha de salário do setor público per capita cresce mais do que a inflação.

FOLHA - Do ponto de vista do setor privado, de quem depende os investimentos para o país crescer, como o sr. vê o PAC?
FRANCO
- O pacote tinha que ser outro, porque, para o setor privado, ele tem importância muito próxima de zero. A reação dos mercados foi absolutamente consistente com isso. Ou seja: indiferença. Desde que não piore a situação fiscal, tudo é meio uma mistura de sonhos e de compromissos políticos. É propaganda. É o que todo governo gosta de fazer, fantasiando-se de Juscelino ou de [Ernesto] Geisel [presidente militar de 1974-79]. Até o governo FHC [1995-2002] fez algo parecido com o Avança Brasil. É inócuo e inofensivo. Não foi feito nada para o setor privado. Nada horizontal ou amplo que pudesse melhorar o ambiente de negócios, nada que afete decisões de investir. Para os investimentos no Brasil irem de 20% para 40% do PIB, igualando-se à China, é o setor privado que deve entrar. Vá perguntar aos empresários o que mudou na vida deles. Uma coisinha aqui ou ali, mas nada de fundamental. Portanto, não é um pacote do crescimento.

FOLHA - O pacote teria de ser muito mais agressivo na desoneração tributária, com a contrapartida no corte da despesa pública? É isso?
FRANCO
- É claro. E a gente está vendo a expansão do gasto. O outro modo de você ver isso é que o crescimento da despesa já fez diminuir o espaço para a redução da taxa de juros. É simples: o maior inimigo da redução do juro é o gasto público.

FOLHA - O aumento no gasto vem desde a Constituição de 1988, que criou uma série de despesas sociais e deu autonomia aos Poderes para gastar. Qual crítica direta o sr. faz ao governo Lula? Qual a sugestão?
FRANCO
- Tenho algumas sugestões. O caso do FGTS: descobrimos que temos R$ 20 bilhões lá de superávit e que isso pode ser gasto em habitação. Ou seja, mais gasto público. O fato é que tem R$ 20 bilhões lá, que podiam perfeitamente reduzir o FGTS cobrado das empresas. Seria uma medida de desoneração horizontal e reduziria a despesa exatamente no mesmo patamar. Poderíamos fazer a mesma coisa com o PIS. Se você cobra menos PIS, haverá menos dinheiro no BNDES. Mas esse dinheiro sequer é gasto, pois o banco não cumpre o orçamento inteiro. Seriam desonerações maravilhosas para as empresas.

FOLHA - Isso não é medida para um governo bem mais liberal? Lula não foi eleito para isso, foi?
FRANCO
- Um governo de orientação mais liberal faria exatamente isso. O governo que a gente tem faz o contrário. A intenção é aumentar, e não reduzir esses recolhimentos, e criar programas para gastar o dinheiro, programas públicos. Isso não funciona. Não desengata o Brasil do baixo crescimento. O que desengataria seria apostar no setor privado, no aumento do investimento.
Mas isso não está na alma do governo petista, que é o governo que a gente elegeu. Paciência. Então, ou bem ele aprende que o velho caminho não funciona, ou nós vamos ter mais quatro anos de crescimento bem pequenino.
Poderíamos estar construindo um novo modelo de crescimento, com a ênfase que é preciso ter no setor privado, pois é ele quem vai nos salvar. Mas o governo Lula está insistindo no modelo antigo. Talvez seja educativo para demonstrar o que funciona e o que não funciona. O governo Lula aprendeu, lá em 2002, antes de tomar posse, que uma porção de coisas em que eles acreditavam eram bobagens. Também aprendeu durante o primeiro mandato.
Acho que vai aprender com esse pacote. Posso imaginar a surpresa do presidente, da ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil] ao tentar fazer todo esse esforço e ver que a opinião pública e o mercado reagiram com indiferença absoluta. Eles devem estar pensando: "Caramba, isso aqui que nós pensamos tanto não teve efeito nenhum".


Texto Anterior: José Alexandre Scheinkman: Lula 2 x Lula 1
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.