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PAC é "propaganda" sem efeito prático, diz Franco
Ex-presidente do
BC afirma que
programa tem
importância
"próxima de zero"
Para economista, plano não
ataca a questão do gasto
público e, por isso, não tem
como destravar empresas e
incentivar o investimento
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Gustavo Franco, economista
da PUC-RJ e ex-presidente do
Banco Central [1997-99], afirma que o PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) do
governo federal é praticamente
irrelevante e que tem importância "muito próxima de zero"
para o setor privado.
"A reação dos mercados foi
consistente com essa avaliação.
Ou seja: indiferença. Desde que
[o plano] não piore a situação
fiscal, tudo é meio uma mistura
de sonhos e de compromissos
políticos. É propaganda", diz.
Leia trechos da entrevista.
FOLHA - O PAC tem um vetor político, de tentar colocar o crescimento
na agenda. Mas, do ponto de vista
técnico, o que há de relevante nele?
GUSTAVO FRANCO - O pacote é
uma variação em torno do velho tema do Plano Nacional de
Desenvolvimento, coisa que se
faz desde o Juscelino [Kubitschek, presidente entre 1956-61], passando pelos governos
militares. Setinhas e projetos
ocupam quase 70% do texto.
São desejos, sonhos que todo
governo tem o direito de ter.
Nesse sentido, é um catálogo de
boas intenções. Não deve ser
malvisto. Se a coisa é factível, aí
não vejo nada de novo.
FOLHA - Nenhuma inovação técnica ou orçamentária?
FRANCO - Não. Tudo o que vi de
fonte de financiamento são truques antigos e ruins. A idéia do
PPI (Projeto Piloto de Investimento, que prevê um superávit
primário menor para que o Estado possa investir mais) é a invenção de uma categoria de
despesa que não conta quando
você faz o cálculo do rombo das
contas públicas. É uma enganação. Isso é contabilidade criativa, não tem nenhum cabimento. Trata-se de queimar o superávit primário em um cenário
de "me engana que eu gosto".
O plano também remove alguns limites para o contingenciamento de recursos da Caixa
Econômica Federal em relação
ao que é possível emprestar a
entidades públicas como prefeituras, Estados e estatais.
Eles estão removendo esse
contingenciamento e criando
um espaço de crescimento do
crédito para essas entidades de
uns R$ 6 bilhões.
Isso é na veia. Vai direto no
PIB, imediatamente. Mas isso é
ruim do ponto de vista de política pública porque é seletivo,
clientelista, distribuído com
critério político. E o dinheiro
não volta, porque é empréstimo para prefeitura, Cohab... É o
mesmo mecanismo viciado de
expansão creditícia, de expansão do gasto público.
FOLHA - Na desoneração tributária, não foi feito mais ou menos a
mesma coisa ao se eleger setores? A
única medida horizontal para todos
foi a ampliação do prazo de recolhimento de PIS/Cofins (mais cinco
dias) e do INSS (mais oito), não?
FRANCO - Exatamente. E a palavra seletividade não pode caber em um plano que pretende
ser macro. Pode até se questionar se seletividade faz sentido
quando se está fazendo política
industrial, e há alguns setores
em que vale a pena incentivar.
Mas, em política macro, seletividade não tem sentido.
FOLHA - Do ponto de vista fiscal,
como o sr. avalia a correção do salário mínimo pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB e a correção da folha do funcionalismo pela inflação mais o teto de 1,5% ao
ano?
FRANCO - Se tem algo de infeliz
no plano, são esses dois temas.
Primeiro, porque a decisão será
uma lei reversível, que pode ser
revista. O segundo ponto é que
isso tudo será um piso para novos aumentos. Se era para reduzir o gasto, o efeito é exatamente o contrário. O funcionalismo tem um crescimento vegetativo da folha, que tem a ver
com anuênios, qüinqüênios e
outras vantagens. Ao longo dos
anos, mesmo sem reajuste pela
inflação, a folha de salário do
setor público per capita cresce
mais do que a inflação.
FOLHA - Do ponto de vista do setor
privado, de quem depende os investimentos para o país crescer, como o
sr. vê o PAC?
FRANCO - O pacote tinha que
ser outro, porque, para o setor
privado, ele tem importância
muito próxima de zero. A reação dos mercados foi absolutamente consistente com isso.
Ou seja: indiferença. Desde que
não piore a situação fiscal, tudo
é meio uma mistura de sonhos
e de compromissos políticos. É
propaganda. É o que todo governo gosta de fazer, fantasiando-se de Juscelino ou de [Ernesto] Geisel [presidente militar de 1974-79]. Até o governo
FHC [1995-2002] fez algo parecido com o Avança Brasil. É
inócuo e inofensivo.
Não foi feito nada para o setor privado. Nada horizontal ou
amplo que pudesse melhorar o
ambiente de negócios, nada
que afete decisões de investir.
Para os investimentos no Brasil
irem de 20% para 40% do PIB,
igualando-se à China, é o setor
privado que deve entrar. Vá
perguntar aos empresários o
que mudou na vida deles. Uma
coisinha aqui ou ali, mas nada
de fundamental. Portanto, não
é um pacote do crescimento.
FOLHA - O pacote teria de ser muito mais agressivo na desoneração
tributária, com a contrapartida no
corte da despesa pública? É isso?
FRANCO - É claro. E a gente está
vendo a expansão do gasto. O
outro modo de você ver isso é
que o crescimento da despesa
já fez diminuir o espaço para a
redução da taxa de juros. É simples: o maior inimigo da redução do juro é o gasto público.
FOLHA - O aumento no gasto vem
desde a Constituição de 1988, que
criou uma série de despesas sociais e
deu autonomia aos Poderes para
gastar. Qual crítica direta o sr. faz ao
governo Lula? Qual a sugestão?
FRANCO - Tenho algumas sugestões. O caso do FGTS: descobrimos que temos R$ 20 bilhões lá de superávit e que isso
pode ser gasto em habitação.
Ou seja, mais gasto público.
O fato é que tem R$ 20 bilhões lá, que podiam perfeitamente reduzir o FGTS cobrado
das empresas. Seria uma medida de desoneração horizontal e
reduziria a despesa exatamente
no mesmo patamar. Poderíamos fazer a mesma coisa com o
PIS. Se você cobra menos PIS,
haverá menos dinheiro no
BNDES. Mas esse dinheiro sequer é gasto, pois o banco não
cumpre o orçamento inteiro.
Seriam desonerações maravilhosas para as empresas.
FOLHA - Isso não é medida para um
governo bem mais liberal? Lula não
foi eleito para isso, foi?
FRANCO - Um governo de
orientação mais liberal faria
exatamente isso. O governo
que a gente tem faz o contrário.
A intenção é aumentar, e não
reduzir esses recolhimentos, e
criar programas para gastar o
dinheiro, programas públicos.
Isso não funciona. Não desengata o Brasil do baixo crescimento. O que desengataria seria apostar no setor privado, no
aumento do investimento.
Mas isso não está na alma do
governo petista, que é o governo que a gente elegeu. Paciência. Então, ou bem ele aprende
que o velho caminho não funciona, ou nós vamos ter mais
quatro anos de crescimento
bem pequenino.
Poderíamos estar construindo um novo modelo de crescimento, com a ênfase que é preciso ter no setor privado, pois é
ele quem vai nos salvar. Mas o
governo Lula está insistindo no
modelo antigo. Talvez seja educativo para demonstrar o que
funciona e o que não funciona.
O governo Lula aprendeu, lá
em 2002, antes de tomar posse,
que uma porção de coisas em
que eles acreditavam eram bobagens. Também aprendeu durante o primeiro mandato.
Acho que vai aprender com
esse pacote. Posso imaginar a
surpresa do presidente, da ministra Dilma [Rousseff, da Casa
Civil] ao tentar fazer todo esse
esforço e ver que a opinião pública e o mercado reagiram com
indiferença absoluta. Eles devem estar pensando: "Caramba, isso aqui que nós pensamos
tanto não teve efeito nenhum".
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