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OMC anuncia retomada da Rodada Doha
Países manifestam compromisso com volta de negociações e conclusão no menor prazo possível, após seis meses de paralisação
EUA tentarão prorrogar
no Congresso mecanismo que facilita aprovação de acordos comerciais; Brasil
se diz "pronto para negociar"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
A Organização Mundial do
Comércio anunciou ontem a
retomada das negociações da
Rodada Doha, formalmente
suspensas em julho, após cinco
anos e meio de esforços inúteis
para fechar o mais abrangente
pacote de liberalização comercial da história.
Agora, todos os 22 países
mais a União Européia que participaram ontem de reunião
miniministerial em Davos manifestaram "forte compromisso" não só com a retomada do
processo mas também com sua
conclusão no menor prazo possível, conforme Mandisi
Mpahlwa, ministro sul-africano de Comércio.
De parte dos Estados Unidos,
o compromisso veio embrulhado no anúncio de que, na semana que vem, o presidente George Walker Bush enviará ao
Congresso pedido de prorrogação da TPA (Trade Promotion
Authority), o mecanismo pelo
qual a Casa autoriza o Executivo a negociar acordos comerciais que o Parlamento depois
aprova ou rejeita em bloco, mas
não pode emendar.
A TPA vence em 1º de julho.
Sem ela, os parceiros dos EUA
temem avançar em acordos,
dado o risco de o Congresso
mutilar o que foi acertado.
"Não vale a pena negociar
duas vezes o mesmo acordo
[com o Executivo e, depois,
com o Congresso]", diz o ministro brasileiro Celso Amorim.
O chanceler aproveitou para
anunciar que o Brasil está
"pronto para negociar". Brincou: "Se Pascal Lamy nos fechar a todos em uma sala e pedir números em todas as áreas
de negociação, nós estaremos
prontos para oferecê-los".
Lamy é o diretor-geral da OMC
e condutor das negociações.
Significa que o Brasil se dispõe a melhorar as propostas de
liberalização nas sensíveis
áreas de bens industriais e serviços. É a contrapartida que
EUA e UE pedem para apresentar propostas mais suculentas
de redução do protecionismo
que oferecem a seus produtores agrícolas.
Segundo Amorim, a UE "tornou mais clara e mais pública a
proposta de corte de tarifas de
importação agrícola, que, na
média, aproxima-se do que
quer o G20", o grupo de países
em desenvolvimento, liderado
por Brasil e Índia, que luta pela
abertura agrícola dos ricos.
O G20 pedira que a Europa
reduzisse suas tarifas em 54%,
quando os europeus estavam
oferecendo 39%.
Mas o ministro indiano de
Comércio, Kamal Nath, deu
outro tipo de informação: "Há
muita determinação [no sentido de concluir a Rodada], mas
sem números", disse, em intervalo da miniministerial, realizada à margem do encontro
anual do Fórum Econômico
Mundial, em Davos, Suíça.
Chocolate e vaca
Determinação tamanha que
a ministra suíça de Assuntos
Econômicos, Doris Leuthard, a
anfitriã, presenteou todos com
um chocolate feito de palha, dizendo que era uma espécie de
talismã para predispor os ministros a fecharem um acordo.
Outra ministra, que a Folha
não conseguiu identificar, reagiu assim: "Palha, meu Deus?
Sinto-me uma vaca".
Tréplica de Celso Amorim:
"Então, você deve se sentir
muito bem porque as vacas na
Europa são muitíssimo bem
tratadas" (alusão aos pesados
subsídios que fazem com que
as vacas européias "ganhem"
mais que muito trabalhador).
A brincadeira mostra, no detalhe, que o ambiente na negociação mudou desde a suspensão, em julho, quando havia
azedume generalizado e troca
de acusações sobre quem era o
responsável pelo impasse.
Mudou tanto que Amorim
agora acha que há "boas chances" de haver um acordo.
Reforça Clodoaldo Hugueney, o embaixador do Brasil em
Genebra, a sede da OMC: "Não
há mais espaço para reiniciar
negociações sem avançar".
De todo modo, as partes foram suficientemente cautelosas para não estabelecer datas
nem para recomeçar as reuniões em Genebra nem para a
conclusão delas.
"Ninguém mais acredita em
prazos", diz Hugueney.
Tem razão: as negociações da
Rodada Doha desrespeitaram
todas as datas fixadas na capital do Qatar quando ela foi lançada, em 2001. Inclusive a
principal delas, a de concluir a
negociação em janeiro de 2005.
De todo modo, flutua no ar a
sensação de que o novo prazo,
informal, é "mais ou menos o
meio do ano", diz Hugueney. É
uma alusão à data de vencimento da TPA (1º de julho).
Agora que Bush vai pedir a
extensão da TPA, o meio do
ano pode deixar de ser uma data mais ou menos fatal.
Quais as chances de o presidente obter de um Congresso,
agora de maioria democrata, a
extensão do instrumento que
facilita a negociação? Não há,
obviamente, resposta definitiva. Mas Roberto Azevedo, chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, depois de uma
incursão por Washington, para, entre outras coisas, sondar
os congressistas, disse que sentiu que eles têm consciência de
que há limites para pendurar
exigências adicionais no TPA,
tais como vincular acordos comerciais a direitos sociais e/ou
ambientais.
Seria matar de vez a chance
de um acordo que continua
sendo muito complicado.
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