São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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OMC anuncia retomada da Rodada Doha

Países manifestam compromisso com volta de negociações e conclusão no menor prazo possível, após seis meses de paralisação

EUA tentarão prorrogar no Congresso mecanismo que facilita aprovação de acordos comerciais; Brasil se diz "pronto para negociar"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

A Organização Mundial do Comércio anunciou ontem a retomada das negociações da Rodada Doha, formalmente suspensas em julho, após cinco anos e meio de esforços inúteis para fechar o mais abrangente pacote de liberalização comercial da história.
Agora, todos os 22 países mais a União Européia que participaram ontem de reunião miniministerial em Davos manifestaram "forte compromisso" não só com a retomada do processo mas também com sua conclusão no menor prazo possível, conforme Mandisi Mpahlwa, ministro sul-africano de Comércio.
De parte dos Estados Unidos, o compromisso veio embrulhado no anúncio de que, na semana que vem, o presidente George Walker Bush enviará ao Congresso pedido de prorrogação da TPA (Trade Promotion Authority), o mecanismo pelo qual a Casa autoriza o Executivo a negociar acordos comerciais que o Parlamento depois aprova ou rejeita em bloco, mas não pode emendar.
A TPA vence em 1º de julho. Sem ela, os parceiros dos EUA temem avançar em acordos, dado o risco de o Congresso mutilar o que foi acertado.
"Não vale a pena negociar duas vezes o mesmo acordo [com o Executivo e, depois, com o Congresso]", diz o ministro brasileiro Celso Amorim.
O chanceler aproveitou para anunciar que o Brasil está "pronto para negociar". Brincou: "Se Pascal Lamy nos fechar a todos em uma sala e pedir números em todas as áreas de negociação, nós estaremos prontos para oferecê-los". Lamy é o diretor-geral da OMC e condutor das negociações.
Significa que o Brasil se dispõe a melhorar as propostas de liberalização nas sensíveis áreas de bens industriais e serviços. É a contrapartida que EUA e UE pedem para apresentar propostas mais suculentas de redução do protecionismo que oferecem a seus produtores agrícolas.
Segundo Amorim, a UE "tornou mais clara e mais pública a proposta de corte de tarifas de importação agrícola, que, na média, aproxima-se do que quer o G20", o grupo de países em desenvolvimento, liderado por Brasil e Índia, que luta pela abertura agrícola dos ricos.
O G20 pedira que a Europa reduzisse suas tarifas em 54%, quando os europeus estavam oferecendo 39%.
Mas o ministro indiano de Comércio, Kamal Nath, deu outro tipo de informação: "Há muita determinação [no sentido de concluir a Rodada], mas sem números", disse, em intervalo da miniministerial, realizada à margem do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça.

Chocolate e vaca
Determinação tamanha que a ministra suíça de Assuntos Econômicos, Doris Leuthard, a anfitriã, presenteou todos com um chocolate feito de palha, dizendo que era uma espécie de talismã para predispor os ministros a fecharem um acordo.
Outra ministra, que a Folha não conseguiu identificar, reagiu assim: "Palha, meu Deus? Sinto-me uma vaca".
Tréplica de Celso Amorim: "Então, você deve se sentir muito bem porque as vacas na Europa são muitíssimo bem tratadas" (alusão aos pesados subsídios que fazem com que as vacas européias "ganhem" mais que muito trabalhador).
A brincadeira mostra, no detalhe, que o ambiente na negociação mudou desde a suspensão, em julho, quando havia azedume generalizado e troca de acusações sobre quem era o responsável pelo impasse.
Mudou tanto que Amorim agora acha que há "boas chances" de haver um acordo.
Reforça Clodoaldo Hugueney, o embaixador do Brasil em Genebra, a sede da OMC: "Não há mais espaço para reiniciar negociações sem avançar".
De todo modo, as partes foram suficientemente cautelosas para não estabelecer datas nem para recomeçar as reuniões em Genebra nem para a conclusão delas.
"Ninguém mais acredita em prazos", diz Hugueney.
Tem razão: as negociações da Rodada Doha desrespeitaram todas as datas fixadas na capital do Qatar quando ela foi lançada, em 2001. Inclusive a principal delas, a de concluir a negociação em janeiro de 2005.
De todo modo, flutua no ar a sensação de que o novo prazo, informal, é "mais ou menos o meio do ano", diz Hugueney. É uma alusão à data de vencimento da TPA (1º de julho).
Agora que Bush vai pedir a extensão da TPA, o meio do ano pode deixar de ser uma data mais ou menos fatal.
Quais as chances de o presidente obter de um Congresso, agora de maioria democrata, a extensão do instrumento que facilita a negociação? Não há, obviamente, resposta definitiva. Mas Roberto Azevedo, chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, depois de uma incursão por Washington, para, entre outras coisas, sondar os congressistas, disse que sentiu que eles têm consciência de que há limites para pendurar exigências adicionais no TPA, tais como vincular acordos comerciais a direitos sociais e/ou ambientais.
Seria matar de vez a chance de um acordo que continua sendo muito complicado.


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