São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2004

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ANO PERDIDO

PIB tem a primeira queda desde 92


Economia brasileira encolhe 0,2% no primeiro ano do governo Lula; resultado per capita caiu 1,5%

Consumo das famílias registrou recuo recorde de 3,3%; construção civil puxou retração industrial



CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO

A economia brasileira encolheu 0,2% no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o pior desempenho desde 1992 (quando a queda havia sido de 0,54%), ano conturbado pelo processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
O consumo das famílias, que indica como variou o padrão de vida da população, caiu 3,3% -a maior baixa desde que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) começou a pesquisar esse dado, em 1990. "O consumo é, basicamente, determinado por duas variáveis, que são a massa salarial e a disponibilidade de crédito. A massa salarial reduziu, e o crédito teve taxas [de juros] elevadas, o que se refletiu na queda do consumo das famílias", disse Roberto Olinto, gerente de Contas Nacionais do IBGE.
Com a queda do PIB (Produto Interno Bruto), vale dizer, da riqueza total produzida pelo país, e com o aumento de 1,3% da população estimado pelo IBGE, houve uma queda de 1,5% no PIB per capita, que é a divisão da riqueza total pelo número de habitantes.
Em tese, cada brasileiro ficou 1,5% mais pobre. Essa redução média será medida em reais no final de março, quando o IBGE divulgar o PIB em valor, permitindo o cálculo da renda per capita. Em dez anos (de 1994 a 2003), o PIB per capita cresceu, em média, 1% ao ano. No período, a média de crescimento do PIB foi de 2,4%.

Óticas
O IBGE calcula o PIB sob duas óticas: na ótica da demanda, o consumo das famílias tem peso de 58% e foi decisivo para a queda global de 2003, ao lado dos investimentos (peso de 19,8%), que caíram 6,6%, a maior taxa desde 1999. As exportações de bens e serviços, crescendo 14,2%, evitaram que o impacto fosse maior.
Sob a ótica da produção, que mede o comportamento dos setores econômicos, a indústria (peso de 38,3%) apresentou queda de 1%, os serviços (peso de 59,2%) tiveram recuo de 0,1%, e a agropecuária (peso de 8,7%) cresceu 5%, salvando por mais um ano o desempenho econômico do ponto de vista da produção.
Para o IBGE, foi a retração industrial que frustrou as expectativas de um ano melhor. "A expectativa era de um crescimento maior no quarto trimestre [subiu 1,5% sobre o terceiro e caiu 0,1% em relação ao quarto trimestre de 2002]. Esperava-se um crescimento maior da indústria, o que não aconteceu", disse Olinto.
O volume de impostos sobre a produção e o consumo caiu 1,7%, refletindo, segundo o IBGE, a retração da produção e do consumo de bens importantes, como automóveis, bebidas e produtos farmacêuticos e de perfumaria.
O volume de impostos não pode ser confundido com a arrecadação, que depende de fatores como variação de alíquota e cobrança de tributos atrasados.

Construção
Tanto do ponto de vista da demanda como do da produção, o mau desempenho da construção civil foi decisivo para a retração da economia. A construção, que pesa 21% na produção industrial, caiu 8,6%, a maior taxa da série atual do IBGE, sendo a única variável negativa entre as quatro que formam o conjunto da indústria. A indústria de transformação, por exemplo, cresceu 0,7%.
Na ótica da demanda, o estrago da construção aparece nos investimentos. Embora as compras de máquinas e equipamentos tenham caído 1,6%, foram os investimentos em construção civil, com recuo de 10,4%, que empurraram os investimentos totais para uma queda de 6,6%. Aqui, segundo Olinto, também tem papel importante a retração da renda e do crédito.

Paranóia
"É preciso que o governo deixe de ser tão paranóico com a inflação", disse o economista Fernando Pinto Ferreira, diretor da Global Invest, consultoria que já em novembro do ano passado previu que o PIB de 2003 cairia 0,2%.
Segundo Ferreira, o Brasil vem há dez anos crescendo abaixo da média mundial por causa, basicamente, de uma política monetária (juros) equivocada. "Contra fatos não há argumentos", afirmou.
Ele disse ainda que, devido à "timidez" do Banco Central com a taxa de juros, a consultoria já reduziu sua previsão de crescimento neste ano de 4,1% para 3,7% e vai revê-la de novo para menos.
Para o economista Paulo Levy, diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), "o resultado em si não surpreende", apesar de o instituto (órgão do Ministério do Planejamento) ter previsto inicialmente um crescimento de 0,2% em 2003.
Segundo Levy, os números do último trimestre de 2003 apontam "perspectivas favoráveis" para 2004, apesar de eventuais choques de origem inflacionária ou política (caso Waldomiro Diniz).
Mas os dados semestrais do IBGE não são favoráveis às perspectivas de recuperação. Segundo o órgão, no primeiro semestre do ano passado o PIB cresceu 0,4% em relação ao mesmo período de 2002. Já no segundo, quando o presidente Lula disse que o país estaria vivendo o "espetáculo do crescimento", houve queda de 0,8%, sempre comparando com o mesmo período do ano anterior. O IBGE não calcula o PIB semestral em relação ao semestre imediatamente anterior.


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