São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

O xarope Obama e a doença do Citi


EUA tomam medida paliativa e devem estatizar o capital do banco, mas sem tomar a direção direta da instituição


CASO O governo americano compre todas as ações ordinárias do Citigroup que se propôs a adquirir, a parte do Tio Sam no capital do bancão será maior que a participação do governo brasileiro no capital social da Petrobras. Estatizou? Pode-se fazer um malabarismo contábil e diferenciar capital do tipo "x" do tipo "y" e, enfim, quase ninguém nos EUA quer que o governo seja dono de empresas ou bancos. Mas, senhoras e senhores, o governo americano estatizou o Citi.
Segundo pelo menos algum tipo de medida de capital, o banco deve estar oficialmente quebrado ou o estaria em breve. De resto, o governo obrigou o banco a trocar a direção (por gente de fora do Citi), embora diga que não vai nomear ninguém. É o que Ben Bernanke chama de "parceria público-privada".
O governo americano não botou mais dinheiro no Citi. Vai usar parte do tutu que colocou no banco no final de 2008, US$ 45 bilhões, em parte investidos em ações preferenciais do Citi. Trata-se de um troço enrolado. O Tesouro americano vai é converter parte daquelas ações preferenciais ("preferred shares") em ações ordinárias. Vai converter até US$ 25 bilhões: para cada dólar que grandes acionistas privados converterem, o Tesouro dos EUA faz o mesmo. E daí, o que muda?
Ações preferenciais pagam um rendimento fixo ou contratado, entre outras diferenças. Parecem um pouco, pois, com um título de dívida. Como o Tio Sam e outros acionistas, como Cingapura e o príncipe saudita Al Walid, vão converter preferenciais em ordinárias, o banco vai, pois, deixar de pagar algum rendimento. De resto, vão pagar pelas ações ordinárias um preço superior ao que elas valiam ontem na Bolsa -deve ter algum subsídio aí.
Qual o refresco (afora dividendos e rendimentos que talvez nem fossem pagos, pois o banco está no bico do corvo)? Para funcionar, um banco tem de ter uma quantidade mínima de capital (o seu "dinheiro próprio", grosso modo), medida como uma fração dos seus ativos. Trata-se de uma fatia estimada como suficiente para cobrir perdas com ativos (como empréstimos a terceiros e outros investimentos) e permitir que, ainda assim, o banco seja capaz de pagar seus passivos. Uma das medidas de capital mínimo necessário leva em conta apenas ações ordinárias. O que o governo dos EUA quer fazer é, pois, deixar o banco com um nível adequado de capital. Se converter os US$ 25 bilhões em ações ordinárias, Tio Sam terá 36% do capital do banco, ou por aí (hoje, tem 8%). Quem tinha ações ordinárias do Citi verá sua propriedade diminuir, em termos relativos (vão ter uma fatia menor do banco).
Isso não resolve o caso das centenas de bilhões em ativos (investimentos) podres do Citi. Se alguém está com tuberculose, pode tomar um remédio para febre para se sentir melhor e ir ao médico. Mas o bacilo da tuberculose continua infectando. O Citi continua com tuberculose. Obama lhe deu um xarope.
Pode aumentar a confiança de que o banco não vai quebrar de fato? Pode ser, mas alguém acreditava que o governo iria deixar o banco quebrar? O comentário geral na mídia e na blogosfera especializada nos EUA é que estão apenas empurrando o problema com a barriga.

vinit@uol.com.br


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