São Paulo, domingo, 28 de fevereiro de 2010

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Crise financeira divide gregos entre culpa e insegurança

Temor sobre o futuro e responsabilidade pelos gastos do governo são sentimentos disseminados na população

Lojista afirma que crise tornou os consumidores mais seletivos, fazendo mais pesquisas na hora de adquirir um produto

ArisMessinis - 24.fev.10/France Presse
Confronto entre a população e polícia de choque durante manifestação no centro de Atenas

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A ATENAS

Maria lamenta a loja vazia em plena hora do rush. Vassilis suspira e diz que, depois que paga o aluguel, não sobra mais nada. Athanasios jura que a reunião que um de seus empregadores marcou para o dia seguinte só pode ser para propor alguma redução de salário e jornada, se não para demiti-lo.
As cenas são diferentes, os personagens não se conhecem. Mas todos emendam resignadamente, quase num muxoxo, que não são pobres. São, pois, a classe média ateniense. A que mais teme as mudanças iminentes e o arrocho proposto.
Com a crise da dívida, há dois sentimentos disseminados em Atenas. Um é a insegurança, sobretudo dos que têm a vida confortável e se beneficiaram da bonança vinda da adesão ao euro, que aumentou seu poder de compra em um país acostumado a ser o primo pobre.
"Imagine se você tem uma moeda fraca e lhe dizem que, de repente, ela vai valer tanto quanto uma forte", diz Giorgos Glynos, da Fundação Helênica, um "think tank" de Atenas focado em União Europeia. "Foi o que ocorreu com a dracma", diz, comparando com os anos de hiperinflação no Brasil, quando guardar dólar era investimento. "Aqui, eram marcos. O euro foi uma conquista."
A facilidade de crédito também aumentou. Os juros caíram. "Em um período muito curto, os juros foram de 18% para 6%, às vezes 3%", diz Glynos. "Só que o governo, em vez de aproveitar o momento e elevar os impostos, deixou." Agora, a Grécia paga o preço de não ter sido mais responsável fiscalmente quando podia.
Os gregos têm essa percepção. Por isso, o outro sentimento comum é uma culpa envergonhada pela consciência de que o país cresceu nos primeiros anos da moeda comum como se não houvesse amanhã. A conta haveria de chegar.
Nenhum grego, nas diversas entrevistas feitas pela Folha durante a semana passada em Atenas, deixou de dizer que a crise era resultado de excesso de displicência ou de erros domésticos. Nem no governo nem nas ruas se nega a necessidade de mudar e pôr ordem na casa. "Eu sei que vão mexer no meu bolso", diz Athanasios (que pediu para não ter o sobrenome revelado). "Os ricos de verdade podem tirar o dinheiro do país. Os pobres não têm como pagar. Paciência."
Maria Kavvadia, cuja loja de roupas infantis está fincada em Kolonaki, os Jardins/Leblon da capital grega, diagnostica que a incerteza tornou o consumidor arredio. "Os preços são os mesmos, mas os salários caíram, e as pessoas estão mais seletivas na hora de comprar. Começaram a pesquisar mais, coisa que não faziam antes."
O medo trava os gregos em momentos mais definitivos. Maria diz ter perdido a conta dos amigos que, na faixa dos 30, 40 anos, ainda moram com os pais. "Muita gente está sem emprego ou vivendo de bicos."
Os dados oficiais colocam o desemprego em 10%, a média europeia. Mas o GSEE, principal sindicato do país, diz que suas estimativas apontam para 15% (uma das raízes da crise grega foi a maquiagem de estatísticas pelo governo anterior, o que deixou tanto a população quanto os sócios de UE inseguros sobre números de Atenas).
Tudo isso fez mal, muito mal, para a autoestima grega.
"Em 2004, estavam dizendo que este país era ótimo, conseguiu fazer a Olimpíada, era só euforia", diz o escritor e economista Nikos Papandreou, irmão do premiê e espécie de consultor informal do governo. "Hoje o que dizem? Saiam, vocês não merecem o euro. Estamos cheios de vocês."


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