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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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Governo admite "fato consumado"

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A medida provisória editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para evitar que uma parcela da safra de soja fosse para o lixo, com reflexos até nas contas externas do país, dificilmente conterá o cultivo de sementes transgênicas no país, como sugere uma primeira leitura.
Reservadamente, integrantes do próprio governo Lula reconhecem como um "um fato consumado" o cultivo e a comercialização de soja transgênica, que representaria algo entre 5% e 30% da produção nacional do grão.
Os números são estimativas. Como o plantio está proibido por uma liminar concedida pela Justiça em 1999 a pedido de duas organizações não-governamentais (o Idec e o Greenpeace), a expansão das culturas de soja transgênica aconteceu, em grande parte, de forma clandestina.
Só no Rio Grande do Sul os produtores assumiram recentemente e de forma aberta o cultivo, que domina a região nos últimos anos, inclusive entre pequenos produtores e até em assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Esse foi, aliás, um dos aspectos levados em conta na decisão do governo Lula. Na primeira reunião que cuidou do assunto no Palácio do Planalto, em 6 de março, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, maior opositora dos transgênicos no governo, chegou a defender a punição imediata dos produtores de transgênicos. "É como dor de dente, tem de sofrer", argumentou. O ministro José Dirceu (Casa Civil) ponderou em seguida: "Mas é gente nossa".
O não-escoamento da safra -a primeira em que se admite a presença de transgênicos- quebraria muitos agricultores.
O mapeamento de todas as culturas de soja transgênica no país é tarefa difícil a esta altura. Mas, segundo depoimentos de produtores de soja e de produtores de sementes convencionais, elas estão presentes na região Centro-Oeste e em Estados como Piauí e Bahia. "O setor de sementes convencionais já está sendo afetado", afirma o presidente da Abrasen (Associação Brasileira de Sementes), que trabalha apenas com as sementes convencionais, João Lenine Sousa. No Rio Grande do Sul, a preferência é por sementes transgência; em outros Estados, a venda de sementes convencionais não acompanhou a expansão das lavouras, avalia.
A comercialização das culturas transgênicas também tem ocorrido sem maiores problemas nos últimos anos, atesta o presidente da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), Carlo Lovatelli. "Para todos os efeitos, a indústria nunca se preocupou. Há uma conivência generalizada, a soja transgênica é um fato e não dá para parar esse processo", disse.
Na véspera de assinar a medida provisória, o presidente Lula falou da dificuldade de o governo agir no caso dos transgênicos. "A posição mais fácil é proibir a venda, mas falar é fácil, fazer é difícil: tem muita soja misturada e nós sabemos o que isso implica. Se não mudar a lei, vamos fazer cumprir a lei que existe", afirmou. Lula reagia a uma intervenção de opositores da soja transgênica em reunião a portas fechadas do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar).
O Congresso já se movimenta para mudar a legislação. "Paliativos não dão certo, o produtor vai para o contrabando e planta", diz o relator de projeto na Comissão de Agricultura para o qual se busca votação em regime de urgência, deputado Confúcio Moura (PMDB-RO).


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