São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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Economista defende âncora fiscal

DA REDAÇÃO

Leia abaixo a entrevista do economista Olivier Blanchard concedida à Folha por e-mail. (GG)

Folha - Por que o sr. decidiu estudar a crise brasileira de 2002?
Olivier Blanchard -
No começo de 2003, Francesco Giavazzi [professor de economia da Universidade Bocconi, em Milão], Charles Wyplosz [Universidade de Genebra] e eu recebemos um pedido do Banco Mundial, sob consulta do Banco Central e do Ministério da Fazenda, para que avaliássemos as opções macroeconômicas para o Brasil.

Folha - Quais foram essas opções?
Blanchard -
Não posso responder, mas posso dizer que acreditávamos que o problema estivesse no lado fiscal e que um compromisso com o controle da dinâmica da dívida fizesse inverter a situação. O governo chegou à mesma conclusão por seus próprios meios -e fez um trabalho impressionante.

Folha - A compreensão daquele período pode evitar os efeitos de uma nova situação de seca de crédito externo? Como?
Blanchard -
Paralisações repentinas [no fluxo de crédito] vão ocorrer novamente. Um país pode se proteger disso por meio de linhas de crédito e de empréstimos de contingência. Para o Brasil, reduzir a exposição da dívida ao dólar seria uma boa idéia.

Folha - Em seu artigo, o sr. sugere que a taxa de juros (ou a política monetária) tem um efeito limitado no controle da inflação no Brasil. O sr. poderia explicar por quê?
Blanchard -
Estou impressionado com os elevados níveis das taxas de juros reais. Não me refiro apenas à Selic [taxa básica da economia], mas às taxas para os tomadores privados, que pagam muito mais que a Selic. Suspeito que, nesses níveis, a demanda dos tomadores seja bastante inelástica. Por isso não sei até que ponto um aumento nos juros afete o empréstimo privado. Mas a política monetária pode ter um efeito poderoso no câmbio e, pelo câmbio, na inflação.

Folha - As taxas de juros reais ainda estão em um nível bastante elevado no Brasil. Como o Banco Central pode reduzi-las sem provocar uma fuga de capitais?
Blanchard -
Não acredito que uma redução na taxa leve a uma grande fuga de capitais. A taxa já caiu substancialmente. Espero que o BC continue a reduzi-la. Não havendo novos choques, acredito que o BC possa, deva e vá fazer isso sem grandes riscos.

Folha - Em 2002 e 2003, o BC assumiu uma política mais flexível quanto à meta de inflação. Agora o BC tem como alvo o centro da meta, que é 5,5%. A referência é o índice cheio, e não o núcleo de inflação. O sr. não acredita que esse seja um sistema muito rígido para uma economia volátil como a brasileira?
Blanchard -
O BC demonstrou que, na presença de grandes choques, está disposto a tolerar um certo aumento na taxa de inflação. Suspeito que, se houver novos choques, ele vá ter a mesma flexibilidade.

Folha - Alguns economistas dizem que a meta de inflação brasileira é baixa demais. Outros argumentam que o país deveria usar o núcleo do índice. Um outro grupo diz que seria melhor adotar uma média móvel em vez de tomar como base o ano civil. Com base na experiência internacional, existe um sistema melhor? Ou a presença de um sistema de metas de inflação é completamente irrelevante?
Blanchard -
Preocupo-me com metas de inflação muito baixas, de 1% ou 2%, que trazem o risco de levar a uma deflação, da qual é difícil sair. Mas, na minha opinião, uma taxa entre 5% e 6% é razoável. O mais importante é o compromisso com a manutenção da taxa no médio prazo para ancorar as expectativas.

Folha - A despeito do superávit primário, a dívida pública brasileira está crescendo. O motivo são os juros elevados, e a economia não cresce. Por outro lado, existe a questão política. Há uma forte oposição a novos cortes nos gastos e uma reivindicação por mais investimentos públicos. Como o país pode sair dessa armadilha?
Blanchard -
No momento, o país não está numa armadilha, e é razoável acreditar que a taxa de juros vá continuar a cair, o crescimento vá aumentar e a dinâmica da dívida vá permanecer sob controle. Mas, assim como em 2002, a dinâmica da dívida poderá ficar ruim rapidamente. Nesse caso, será essencial fazer o que o governo brasileiro fez do final de 2002 para cá: indicar que vai gerar um grande superávit fiscal se necessário. De novo, a não ser que ocorram novos choques, acredito e espero que isso não seja necessário.

Folha - Para concluir, quais seriam as "lições do Brasil"?
Blanchard -
Quando o problema está em uma perigosa dinâmica fiscal, aperto monetário pode apenas tornar as coisas piores. Somente a mudança na política fiscal pode controlar a situação.


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