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LUÍS NASSIF
Um mestre do mimetismo
Durante três anos e alguns meses, Antonio Palocci viveu um papel que nada
tinha a ver com sua história: o
de ministro da Fazenda. E foi
um ator fantástico, transmitindo tranqüilidade e segurança,
mesmo quando não conseguia
transmitir sabedoria. Tornou-se
um expoente do mimetismo cabeça-de-planilha, incorporando
rapidamente todos os clichês e
lugares-comuns que sustentam
esse discurso.
Ajudou a dar sobrevida e sustentação a uma política implacável de concentração de renda,
de aumento do endividamento
público e de gestão de despesa
na boca do caixa. Com sua falta
de preparo, conseguiu prejudicar até a ortodoxia racional do
Tesouro, atropelada pelo primarismo obcecado do Banco
Central.
Mas, durante algum tempo,
viveu o papel de Vitório De Sicca, no clássico "De Crápula a
Herói". Sua turma da vida toda
eram os Poletto, os Buratti, e outros clássicos da malandragem
política do interior. No entanto,
por três anos e meio foi tratado
como uma figura reverencial. E,
a bem da verdade, interpretou
magnificamente seu papel, respeitando o cargo.
Na sua gestão, foram contingenciados fundos destinados à
pesquisa e inovação, à inclusão
digital, à saúde, à infra-estrutura, tornando a execução orçamentária um barco à deriva,
sem nenhuma forma de planejamento, nem sequer das verbas
descontigenciadas.
Mais que isso: quando permitiu a apreciação do câmbio, a
partir de abril de 2003, jogou fora a grande oportunidade que a
história concedeu a Lula. Mas
era saudado como o avalista da
solvência das contas públicas, o
homem que conseguia esse milagre de proporcionar a maior
remuneração do mundo aos
rentistas e segurar a explosão da
dívida com seus superávits
meia-boca, mesmo sem conseguir avançar um milímetro na
gestão racional das despesas públicas.
Enquanto ministro do Planejamento e, depois, presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Guido Mantega exercitou
um contraponto tímido às posições planilheiras de Palocci e
seu grupo, muito em razão de
seu temperamento retraído.
É possível que, com ele e sua
equipe, haja uma maior coordenação de esforços entre a Receita, BC e Tesouro. Não muito
mais do que isso. O mercado já
havia precificado a queda de
Palocci, pensando na substituição por alguém ortodoxo, como
Murilo Portugal. A entrada de
Mantega produzirá a atorda
com que o mercado reage a indefinições. Para baixar a poeira,
a única saída será manter a ortodoxia. De um lado, para não
produzir marolas nas eleições.
De outro, porque não haverá
tempo hábil, nesse governo Lula, para mudanças mais substanciais na política econômica
-que exigem segurança técnica e, especialmente, garantia de
continuidade.
Quando Lula ressuscitou nas
pesquisas, Palocci morreu, porque passou a ser visto como o último obstáculo para a derrocada do presidente. E, aí, sua face
ribeiro-pretana se impôs sobre a
figura reverencial artificialmente criada.
Espera-se apenas que a saída
de Palocci, um mestre não na
economia, mas na arte política
do entendimento, não leve o governo Lula a uma posição de enfrentamento com os adversários.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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