São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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China não sabe de que lado ficar, diz analista

País oscila entre o alinhamento aos países emergentes e as aspirações das nações ricas, afirma o especialista chinês Yang Yao

Segundo ele, agressividade da China em direção ao Ocidente deve-se a orgulho do regime e a marketing para conquistar público interno

RAUL JUSTE LORES
EDITOR DE DINHEIRO

A China é como um "adolescente" que não sabe se fica do lado dos países ricos ou dos que estão em desenvolvimento, e seu sistema econômico não criou "nada de novo" - combinando bem doutrinas "clássicas" neoliberais e desenvolvimentismo.
Mas o país precisa de mais democracia "já", para que seus cidadãos decidam como gastar melhor os bilhões de recursos. As polêmicas ideias do economista e geógrafo Yang Yao, 47, foram publicadas em ensaio na revista americana "Foreign Affairs" e geraram muita discussão na China, especialmente pelo fato de virem de um intelectual da elite chinesa.
Diretor do Centro de Pesquisa Econômica para a China e vice-reitor do Colégio Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim, ele ainda diz que o crescimento chinês está ameaçado por obstáculos criados por poderosos grupos de interesse "como os que paralisam os Estados Unidos de hoje" e acha que a agressividade com o Ocidente vai aumentar.
"Há uma disputa no partido entre quem é mais duro com o Ocidente e, em tempos de sucessão política, esse é o marketing que conta", afirma. Ele recebeu a Folha em sua casa em Pequim.

 


TRANSIÇÃO POLÍTICA
A China vive um momento de transição política, enquanto se costuram os postos para a sucessão de Hu Jintao e Wen Jiabao. Por conta da nova confiança e orgulho no regime, as diversas facções estão disputando para ver quem é mais duro com o Ocidente, quem grita mais. Assim como Obama, quando aumenta tarifas a produtos chineses ou vende armas para Taiwan, ele está de olho em uma audiência interna, muito da agressividade chinesa responde ao marketing político chinês, ao interior do Partido Comunista.


PODER DOS LOBBIES
A China cresceu por 30 anos por conta de um governo desinteressado, onde o crescimento econômico estava acima dos interesses de qualquer lobby. A escolha de onde seriam criadas as zonas francas, que indústrias promover, que estudos incentivar, dependiam de lógica, mais que de grupos de pressão. Mas essa China está ficando para trás. As grandes estatais e os governos provinciais estão virando grandes corporações, com interesses próprios e com poder de lobby no governo.


MODELO CHINÊS
A China não inventou nada de novo. Seu sucesso é a soma de dois modelos, as doutrinas de mercado clássicas, com abertura comercial, de investimentos, controle das contas públicas e da inflação, privatizações e retirada do intervencionismo estatal com o lado mais desenvolvimentista, de grandes obras públicas.

À BEIRA DA CRISE
O governo chinês sempre vive à beira de uma crise. Nos últimos 30 anos, o governo está sempre preocupado em não repetir os erros dos 30 anos de comunismo. E isso é bom, quando um governo está preocupado, ele precisa de energia, de respostas rápidas. Se você dorme, vira a Europa, acomoda-se.
Veja a paralisia do governo americano. Obama é sólido, mas a agenda lá é sequestrada pelos interesses dos lobbies, e a decisão da Suprema Corte que dá mais poder aos lobbies é uma tragédia.

ADOLESCENTE GRANDE
Em Copenhague, na cúpula do clima, a China não sabia se ficava com os desenvolvidos ou com os países em desenvolvimento. Ela compartilha problemas com os últimos, mas se sente grande demais para ficar com eles. É como um adolescente grandalhão, que não sabe se comportar entre os adultos.
Nossos líderes não são muito internacionais ou viajados e precisamos aprender mais de diplomacia. O ministro que brigou em Copenhague estava bravo porque não queria fazer o crachá. Sem diplomacia, seremos cada vez mais vistos como arrogantes.

MAIS DEMOCRACIA
A China precisa de mais democracia. Uma democracia ocidental com muitos partidos pode demorar décadas e se adotada agora traria o caos. Mas há valores universais. Se os chineses fossem mais ouvidos, certamente se investiria mais em educação, saúde e previdência.

ESTADO GRANDE
Sem o pacote de estímulo, o PIB chinês teria crescido 4% no ano passado. Os 8,7% foram impressionantes. O pacote americano foi até maior que o chinês, mas o problema é que lá os bancos estão tão pessimistas quando à recuperação que não querem dar crédito a ninguém. Aqui a poupança do povo é emprestada pelos bancos estatais quando o governo decide.
Mas o atual governo acredita em Estado grande e não em uma expansão do setor público na economia. Eles até querem uma China mais igualitária, mas não tem conseguido controlar a ganância dos governos locais. Há 8.000 novas estatais na China nos últimos seis anos, de bancos de investimentos a imobiliárias e empreiteiras.

PEQUIM E SÃO PAULO
O governo aqui não ajuda a redistribuir. Tirando o "dibao", o seguro desemprego urbano, que é oferecido a 40 milhões de pessoas, não há outras transferências. E o Estado está muito rico. Há investimento em excesso, gastos em excesso. A renda per capita do Brasil é o dobro da chinesa, mas quando estive em São Paulo e Rio, elas pareceram muito mais pobres que Pequim ou Xangai. Nossas cidades são cheias de prédios modernos, jardins, porque o governo pode esbanjar. Em um país superlotado como a China, nossas cidades são espaçosas. No Brasil, onde não falta terra, as cidades estão amontoadas com favelas espremidas.

INSTABILIDADE
Há dois fatores de instabilidade que não param de crescer. O desemprego entre recém-formados, que sentem que o governo tem a obrigação de lhes fornecer empregos. E o despejo de moradores no interior para dar espaço a grandes projetos imobiliários. 30% da receita dos governos locais vem da venda de terras e isso não vai mudar a curto prazo. Ainda que as pessoas tenham o direito aos 70 anos de leasing, a Constituição diz que toda terra pertence ao Estado.

SEM FAVELAS
A propriedade de imóvel é alta em Pequim, onde 60% tem casa própria ou direito de leasing por 70 anos. Uma das vantagens do planejamento maoísta foi a construção em massa de habitação popular.
O desafio agora é dar moradia às novas gerações. Um erro nos países em desenvolvimento é que o mercado só constrói apartamentos que a classe média pode pagar. Se você é um migrante rural, estudante ou está no primeiro emprego, você só pode alugar. O governo precisa construir apartamentos para locação. Mas acho que não teremos favelas. Aqui todo mundo tem terra no interior, então, se a vida é muito dura na cidade, as pessoas voltam para o seu canto.

PELO SOCIAL
Apenas 40% da população urbana tem algum plano de saúde, na zona rural é quase inexistente. Até o ano passado, as crianças da zona rural precisavam pagar os 9 anos de educação obrigatória. Agora o governo nacional quer investir mais em um sistema de treinamento vocacional e de colégios técnicos.
O governo de Hu e Wen quer fazer mais pelo social, mas é difícil desviar verbas de bancos e grandes obras que são o que engordam os governos locais.

MENOS CENSURA
O governo tolera críticas individuais. Há gente que faz até críticas mais diretas e é tolerada. Além disso, pouca gente na China, mesmo no governo, é contrária à democracia. Nos meus textos, minha defesa da democracia é mais explícita.


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