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ALGODÃO
Produtores brasileiros custearam despesa com o processo que contestou os subsídios dados pelo governo americano
Rifa financia vitória do Brasil contra EUA
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
O Brasil ganhou uma disputa
fundamental com os Estados Unidos em torno dos subsídios ao algodão em grande medida graças a
uma rifa dos produtores para custear as despesas com o processo,
tocado, ironicamente, com a ajuda de dois especialistas do país
derrotado.
A rifa revela como o setor privado, em especial o agronegócio, está se envolvendo crescentemente
em complicadas gestões internacionais que, exatamente pela
complexidade, podem sair caras
demais para os cofres públicos,
cronicamente depauperados.
Revela também que o Brasil tem
carência de especialistas na área,
não em qualidade, mas em quantidade. Roberto Azevedo, o responsável por contenciosos no Itamaraty, é reconhecido na Organização Mundial do Comércio
(OMC) como um especialista de
"classe mundial". Mas o número
de casos está crescendo e são necessários mais especialistas.
Por isso, o governo brasileiro
contratou o advogado Scott Andersen e o economista Daniel
Summer, ex-funcionário do governo norte-americano e hoje
professor da Universidade da Califórnia em Davis.
Segundo a Folha ouviu de funcionários da própria OMC, os estudos e testemunhos orais de
Summer foram importantíssimos
para comprovar as posições do
Brasil. E foi Andersen quem escreveu quase todas as peças de
apresentação do caso.
Reeleição sob risco
O resultado desse empenho foi
uma vitória de tão tremendo impacto que a mídia norte-americana chegou ontem a especular com
a hipótese de que, por causa dela,
o presidente George W. Bush poderá perder a reeleição.
A lógica do raciocínio é a seguinte: a campanha Bush conta
com financiamento dos produtores norte-americanos de algodão,
que, irritados, poderão fechar
seus cofres.
Seria até lógico: graças aos subsídios agora vetados pela OMC,
25 mil plantadores dos Estados
Unidos conseguiram dominar
40% do mercado mundial.
Mas é uma lógica precipitada: o
que se conheceu segunda-feira foi
apenas o relatório preliminar. O
final sairá no dia 18 de junho. Não
deve mudar muita coisa, mas o
governo norte-americano já
anunciou que vai apelar. Se de fato o fizer, o processo todo poderá
ficar definitivamente concluído
dentro de apenas 18 ou 24 meses,
bem depois, portanto, da eleição
de novembro nos EUA.
De todo modo, a decisão, ainda
que preliminar, já está tendo importantes efeitos.
Primeiro deles, fortaleceu o ânimo dos países em desenvolvimento produtores agrícolas de
atacar legalmente outros subsídios (e subsídios não faltam no
mundo rico, a ponto de somarem
cerca de US$ 300 bilhões por ano).
Açúcar pode ser o próximo
Já está em andamento, aliás, outro processo, também movido pelo Brasil (e Austrália) contra os
subsídios ao açúcar concedido
pela União Européia.
O embaixador da Argentina na
OMC, Alfredo Chiaradia, já antecipou que seu país pode entrar
com uma reclamação similar na
área de lácteos.
Na edição de ontem, o jornal
norte-americano "The New York
Times" citava fontes comerciais
não especificadas para as quais
"muitos produtos dos EUA e da
União Européia, incluindo soja,
trigo e arroz, assim como carne e
lácteos, podem ser alvo de ataques na OMC".
É óbvio que a decisão, como a
Folha já havia mostrado ontem,
terá igualmente impacto sobre as
negociações da chamada Rodada
Doha, lançada em 2001 na capital
do Qatar, mas paralisada desde
então principalmente por divergências entre países ricos e países
em desenvolvimento sobre subsídios agrícolas.
Menos óbvio é o tipo de impacto. É possível que o Congresso
norte-americano, em que sempre
houve desconfianças sobre o fato
de a OMC poder adotar regras
que contradizem a legislação norte-americana, fique ainda mais
desconfiado e isolacionista.
Pode, no entanto, ocorrer o
contrário, se prevalecer a pragmática visão exposta ao "NYT" de
ontem por um ex-subsecretário
de Agricultura, Dale Hathaway.
"Se formos forçados a retirar esses subsídios de qualquer forma, é
melhor fazer os outros adotarem
idêntica posição [nas negociações
da Rodada Doha]", disse Hathaway.
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