|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
África sofre com alimentos mais caros
Elevação dos preços ameaça trazer mais pobreza, mas também se apresenta como oportunidade para a agricultura
O problema é que o risco é imediato e as possibilidades são de longo prazo, mas leva tempo ensinar agricultores a usar técnicas modernas
Philimon Bulawayo - 21.mar.08/Reuters
| Família compra verduras em mercado em Harare, Zimbábue, onde inflação é de 100.000% ao ano |
FÁBIO ZANINI
EM ZÂMBIA, NO ZIMBÁBUE E EM GANA
No Soweto Market, no centro
de Lusaka, capital de Zâmbia, a
resposta dos vendedores sobre
como está o movimento é quase sempre a mesma: "slow,
slow..." (devagar, devagar...).
Há um ano, Francis, 29, dono
de uma barraca no enorme e
precário mercado ao ar livre,
vendia três sacas de arroz de 50
kg por dia. Hoje, vende uma, às
vezes nenhuma.
O motivo, diz ele, é o aumento dos preços. Na África, a inflação dos alimentos, um fenômeno mundial, chegou com força,
ameaçando aumentar o já considerável contingente de pobres no continente mais pobre
do planeta.
Nas últimas semanas, quando a crise alimentar mundial
veio à tona, uma mesma avaliação foi feita do continente: há a
perspectiva sombria de aumento da pobreza e desnutrição,
que já levou a distúrbios em
países como Egito, Burkina
Fasso, Camarões e Costa do
Marfim, mas também uma janela de oportunidade para sua
agricultura.
O problema é que o risco é
imediato, e a tal janela, todos
concordam, é de longo prazo.
"Esta é uma oportunidade
para a África elevar a produtividade de sua agricultura. Países
em outras regiões estão chegando num ponto em que atingiram um platô. Se a África
aproveitar este momento como
uma chance e não como um impedimento, poderá ser o celeiro
do planeta", diz Purnima Kashyap, diretora do Programa
Mundial de Alimentação da
ONU (Organização das Nações
Unidas) em Zâmbia.
No entanto em lugares como
o Soweto Market, com suas
ruas sujas, pedintes e pobreza
generalizada, a promessa de
uma "revolução verde" africana
parece longínqua.
É fato que o continente tem
vastas terras aráveis não utilizadas, e que as que são cultivadas apresentam baixos índices
de produtividade, com um potencial enorme de produção.
Estima-se que ao menos 80%
da agricultura africana seja de
subsistência, com o uso de técnicas rudimentares.
"Ninguém explora"
No vizinho Zimbábue, em
que a questão agrícola tem,
além de tudo, cores políticas,
John Worswick, líder da associação de fazendeiros locais, estima que metade da área do
país esteja em terras "comuns",
que são do Estado e ninguém
explora. "São terras livres, cujo
uso não implicaria em desmatamento, nada. Mas nunca houve interesse em plantar nada
ali", diz ele.
Nos mercados africanos, os
preços têm aumentado semanalmente. Em Sunningdale,
periferia de Harare, capital do
Zimbábue, o tomate sempre foi
vendido por quilo nas barracas
de legumes. Agora, costuma-se
vender por unidade. "As pessoas não têm dinheiro para levar muita coisa", diz uma senhora, sentada em sua barraca
esperando fregueses.
Em Zâmbia, os preços dos
alimentos subiram 22% em
média no último ano, segundo
estimativa do Programa Mundial de Alimentação. Mas o milho, matéria-prima da nshima
-espécie de purê que é a base
da alimentação local-, subiu
33%. O nshima tradicionalmente é consumido no almoço
com peixe ou frango, mas muitos em Zâmbia só têm conseguido comer puro ou no máximo com algum vegetal, segundo vendedores do produto.
Na semana passada, a crise
alimentar acabou roubando a
cena no encontro da Unctad,
órgão da ONU que cuida do desenvolvimento, em Gana, no
oeste africano. O tema inicial,
os impactos da crise econômica
global, acabou ficando em segundo plano.
Um dos participantes do encontro, o vice-ministro do Planejamento de Moçambique,
Victor Bernardo, deu, em entrevista à Folha, um panorama
típico do dilema que os países
do continente enfrentam. Por
um lado, um enorme potencial
"adormecido". Por outro,
imensas dificuldades na hora
de explorá-lo.
"Queremos transformar
uma situação de certa desvantagem numa oportunidade para produzirmos mais. Temos
capacidades adormecidas em
nosso país, temos uma extensa
área arável em Moçambique e
não utilizamos", diz Bernardo.
O desafio é ensinar os agricultores a tirarem melhor proveito de suas terras, o que deve
levar muito tempo.
"A primeira assistência é ensinar as pessoas a utilizar técnicas mais adequadas de produção. Mas isso tem de estar
associado a um sistema de educação. Nós, por muito tempo,
deixamos de dar a devida assistência técnica e profissional
aos agricultores, de ensinar as
pessoas a tirar partido dos recursos que têm", declara.
Texto Anterior: Lula quer medidas de estímulo a alimentos Próximo Texto: Produção gera desigualdade no continente Índice
|