São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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Sonegação é o de menos em contas na Suíça

Ex-executivo acusa sistema financeiro do país de abrigar dinheiro de atividades ilegais graves, como tráfico e corrupção

"Tenho vergonha dos bancos suíços", afirma Rudolf Elmer, que por décadas administrou contas secretas de estrangeiros

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

A sonegação de impostos é apenas "a ponta do iceberg" das contas secretas na Suíça. Na maioria dos casos, essas contas abrigam dinheiro de atividades ilegais mais graves, que vão do desvio de verbas públicas até o tráfico de drogas e armas.
Quem diz isso conhece a engrenagem. O suíço Rudolf Elmer, 53, trabalhou mais de 30 anos no sistema financeiro, muitos deles administrando contas secretas de estrangeiros. A briga de Elmer contra a mais poderosa indústria de seu país começou após nove anos a serviço do banco Julius Bär nas ilhas Cayman, notório paraíso fiscal no Caribe.
Em 2002, documentos sigilosos chegaram às autoridades fiscais dos EUA, e o banco com sede em Zurique obrigou os funcionários a passar pelo detector de mentiras. Alegando problemas de saúde, Elmer não foi até o fim do teste, despertando suspeitas, e foi demitido.
De volta à Suíça, Elmer diz que passou a sofrer ameaças do Julius Bär, e decidiu contra-atacar: mandou e-mails anônimos a clientes do banco, prometendo divulgar suas identidades. Em 2005 ficou preso por 30 dias, por violação da lei de sigilo. Sonegação fiscal não é crime na Suíça, mas quebrar o sigilo bancário é, e dá cadeia.
A direção do Julius Bär nega todas as acusações e diz que Elmer roubou dados do banco com "intenções criminosas".
No fim de 2007, a Justiça de Zurique rejeitou o processo movido por Elmer, mas confirmou algumas denúncias, como as ameaças e perseguições. Hoje ele vive nas ilhas Maurício, de onde administra o site que criou para denunciar práticas antiéticas de bancos suíços (swisswhistleblower.com).
Por telefone, ele explicou por que declarou guerra ao sistema financeiro de seu país: "Tenho vergonha dos bancos suíços".  

FOLHA - Apesar do risco, por que os bancos suíços continuam a fazer esse tipo de operação?
RUDOLF ELMER
- Os administradores de fortunas sofrem enorme pressão. Ou trazem fundos, ou são demitidos. Além disso, a Suíça, um país de 7 milhões de habitantes, tem cerca de 3.000 administradores de fortunas independentes. Eles viajam pelo mundo atrás de clientes.

FOLHA - A pressão internacional pode levar a mudanças no sistema?
ELMER
- Acho difícil. A Suíça tem um centro financeiro tão poderoso que a pressão sobre os políticos é ainda maior. O ministro das Finanças já disse à UE [União Européia] que a Suíça jamais vai abrir mão do sigilo bancário. Há uma queda de braço nos últimos anos com a UE, que quer mais cooperação.

FOLHA - O sr. administrou contas de brasileiros?
ELMER
- Tive três clientes brasileiros quando trabalhei em Cayman, todos com contas acima de US$ 100 milhões. Eram operações suspeitas, com o uso de várias empresas e fundos. A América do Sul é um dos alvos preferencias dos bancos suíços, e o Brasil em particular, pois há grande número de indivíduos com grande poder financeiro.

FOLHA - O sr. pode dizer quem eram esses brasileiros?
ELMER
- Por segurança, prefiro não dizer. Que eu saiba, não eram políticos.

FOLHA - Por que o sr. decidiu declarar guerra contra os bancos suíços?
ELMER
- Trabalhar no sistema financeiro mudou a imagem que eu tinha -um país com reputação de fazer as coisas certas, fundador da Cruz Vermelha. Tenho vergonha dos bancos suíços. É ingênuo achar que a evasão fiscal é um crime menor. Em geral, é a ponta do iceberg. Por trás, há crimes graves, como tráfico de drogas e armas.


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