São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006

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País avança, mas segue vulnerável

Turbulência mostra que, apesar de reservas terem crescido, deficiências como dívida alta ainda pesam

Real foi a 2ª moeda que mais se desvalorizou neste mês até a última quinta-feira; tensão afeta mais o Brasil que os demais emergentes

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A despeito dos progressos alardeados nos últimos anos, a nova onda de turbulência financeira global mostrou que o Brasil continua entre os líderes do ranking de países mais vulneráveis às oscilações da economia no resto do mundo.
Embora não estejam no horizonte visível terremotos como os que caracterizaram a segunda metade dos anos 90, o recente temor em relação aos rumos dos juros e da atividade econômica nos Estados Unidos provocou no país abalos superiores aos sofridos pela grande maioria das assim chamadas economias emergentes.
Um levantamento feito pela LCA Consultores mostra que, em um grupo de 21 países selecionados, o Brasil sofreu a segunda maior desvalorização de sua moeda neste mês, até a quinta-feira passada -só perdendo para a Turquia (ver quadro ao lado).
Dados do Banco Central consultados pela Folha apontam ainda a África do Sul, que não consta do trabalho da LCA, com uma desvalorização cambial semelhante à brasileira no mesmo período -nos dois países, a alta do dólar ficou perto dos 10%.
A companhia está longe de ser honrosa. Turquia e África do Sul convivem com déficits altos nas transações de bens e serviços com o exterior, o que as torna dependentes de capital externo para manter suas reservas em moeda forte.
Já o Brasil ostenta superávits nas contas externas desde 2003, exibidos pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva como uma das principais evidências de que foram superadas as fragilidades que custaram sucessivas crises financeiras nos anos FHC (1995-2002).
No risco-país, medido a partir da diferença entre os juros pagos por um emergente e as taxas dos papéis norte-americanos, o impacto sofrido pelo Brasil também esteve entre os mais altos do mundo. Na amostra elaborada pela LCA, só Colômbia, Turquia e Venezuela tiveram resultados piores.
"É preciso observar que, embora o país tenha melhorado, ainda é pior do que a maior parte dos outros", avalia Luís Suzigan, da LCA.
Em outras palavras, os demais emergentes também aproveitaram a conjuntura internacional favorável para fortalecer suas contas externas e preservaram a vantagem que tinham na comparação com a economia brasileira.

Ambiente favorável
Nos últimos três anos, uma combinação de taxas de juros historicamente baixas no mundo em desenvolvimento e alta dos preços de produtos básicos permitiu que os emergentes expandissem suas exportações, atraíssem grande volume de investimentos externos e acumulassem mais dólares em suas reservas oficiais.
De lá para cá, o governo Lula pôde quitar sua dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e elevar suas reservas cambiais disponíveis de US$ 17,7 bilhões para US$ 50,8 bilhões, e as cotações do dólar despencaram. A maioria dos demais países fez o mesmo -ou mais.
Para Suzigan, a própria queda do dólar em relação ao real ajuda a explicar por que o nervosismo foi maior no país. "O Brasil demorou mais que os outros países para conter a apreciação de sua moeda e, portanto, não chega a ser uma surpresa a desvalorização [deste mês] ter sido superior aqui."
Já para Roberto Padovani, da consultoria Tendências, não há uma explicação definitiva para o impacto maior da crise sobre o real. "É uma boa pergunta."
Arrisca, porém, três possíveis respostas. A primeira, clássica no mercado, é que os papéis brasileiros têm mais liquidez -são mais facilmente negociáveis- que os da maioria dos emergentes. Logo, quando há incerteza, são os primeiros a serem vendidos, o que significa saída de investidores e alta do dólar. Suzigan também cita a explicação.
A segunda, outro clássico: o Brasil avançou nas contas externas, mas permanece com indicadores ruins nas contas fiscais, em especial a dívida pública acima de 50% do PIB (Produto Interno Bruto).
Por fim, há o complicador que afetou mais fortemente o dólar na semana passada: a insegurança dos investidores estrangeiros que compraram títulos de longo prazo em moeda nacional, corrigidos pela inflação. Eles tentaram se desfazer dos papéis quando viram o mercado nervoso, mas descobriram que não havia compradores -fora o próprio governo, que acabou socorrendo-os- e partiram para o mercado de câmbio.

Tranqüilidade
Mais otimista, o economista-chefe do Banco Pátria, Luiz Fernando Lopes, atribui à última causa praticamente toda a discrepância entre a alta do dólar no país e nos demais emergentes. Lopes argumenta que a queda na Bolsa de Valores brasileira foi semelhante ou inferior da observada na maioria dos outros países.
Mesmo com dúvidas sobre a solidez dos indicadores que acalmaram o mercado na quinta-feira e na sexta-feira, ele aposta que a tranqüilidade permanecerá, a menos que surjam fatos novos.
"O mercado gostou, é o que interessa. Mas qualquer outra informação pode trazer o nervosismo de volta."


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