São Paulo, quinta, 28 de maio de 1998

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ARTIGO
A crise sai das sombras com força total

ALOYSIO BIONDI

As Bolsas despencam. Pior ainda: o dólar e as taxas de juros sobem rapidamente nos mercados futuros, revelando o temor de uma desvalorização do real. Tudo, como em outubro, quando o país foi sacudido por um terremoto no mercado financeiro e perdeu de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões em poucos dias. "Culpa da Rússia" ou "efeitos do avanço de Lula nas pesquisas", apressam-se a dizer as análises simplistas e mentirosas que infestam o Brasil nos últimos quatro anos. Qual a verdade?
Antes dos abalos na Rússia, e antes mesmo das pesquisas eleitorais, os dólares, isto é, os banqueiros e aplicadores internacionais, já vinham abandonando o Brasil. Na primeira semana deste mês, a Bolsa de Valores de São Paulo já acusava a fuga de algo como US$ 100 milhões. E no chamado "mercado flutuante", espécie de mercado negro autorizado pelo Banco Central, a mesma sangria era observada desde o começo do mês, acumulando-se a fuga de US$ 2,5 bilhões nas três primeiras semanas deste mês. A crise está de volta? Não.
A crise da economia brasileira nunca foi sequer contornada: estava apenas escondida por uma "cortina de fumaça". Construída por análises e declarações otimistas despejadas sobre a opinião pública desde o pacote de outubro/novembro. "O Brasil reconquistou a confiança mundial porque está fazendo a lição de casa" (arghhhh), era uma das frases favoritas dos deslumbrados acólitos do governo FHC. Dizia-se que, com o "pacote", o Brasil conseguiria eliminar dois fatores de intranquilidade para os banqueiros e aplicadores internacionais: o "rombo" do Tesouro (ou do setor público), que seria controlado, e o "rombo" nas contas externas, de operações com o exterior (importações, exportações, juros, remessa etc.). Falso.
A cortina de fumaça
Na prática, aconteceu o que os críticos (pouquíssimos) previam:
"Rombo" do Tesouro - Em vez de cair, cresceu, puxado pelos juros exorbitantes que o governo passou a pagar (e pela queda de arrecadação nos Estados, como São Paulo, provocada pela recessão).
Rombo em dólares - O jogo de ganhar juros sem iguais no mundo atraiu uma enxurrada de dólares especulativos. Mas a balança comercial continuou a apresentar rombos (importações superiores às exportações) por causa do escancaramento do mercado (e não por causa do dólar barato). Da mesma forma que as remessas continuaram a explodir por causa da desnacionalização e das "privatizações".
Recessão - Para coroar, e como também era previsível, a recessão e a queda nas vendas provocaram o adiamento ou redução de investimentos de multinacionais que haviam se instalado ou comprado empresas no país. Menos dólares, portanto. O "pacote" de outubro/novembro foi um novo ato suicida da equipe FHC: a médio prazo, agravará os problemas em lugar de solucioná-los.
Sem controle
Dia a dia, mês a mês, antes do "efeito Rússia" ou das pesquisas eleitorais, o Brasil continuou a acumular dados negativos. Agora, o FMI deseja um novo "pacote" para, dentro da sua cartilha, "colocar os problemas sob controle". Nova "lição de casa" (arghhhh). O que isso significa?
Para os economistas-banqueiros da equipe FHC, os mesmos caminhos errados de sempre: aumento de impostos ou corte nas despesas da União e Estados -como forma não apenas de tentar "cobrir o rombo" mas também de "esfriar" ainda mais a economia, a pretexto de reduzir as importações. Em outras palavras, mais recessão, mais desemprego, mais queda do poder aquisitivo, mais recessão. Recessão que, no final das contas, como visto, derruba a arrecadação e reduz o ingresso de dólares por causa da queda nos investimentos -e nos lucros das empresas, que atrairiam investidores para as Bolsas. Como desfecho, uma grande crise.
O governo FHC aprisionou a economia brasileira em uma armadilha. Em lugar de esperar passivamente por um novo "pacote" recessivo, cabe à sociedade, e ao Congresso em particular, um debate aprofundado da desastrosa política econômica dos últimos anos. Enquanto os problemas reais não forem atacados, a crise continuará a avançar, rumo ao incontrolável. Entre esses problemas, o escancaramento às importações. E as aberrações das privatizações.


Aloysio Biondi, 61, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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