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ARTIGO
A crise sai das sombras com força total
ALOYSIO BIONDI
As Bolsas despencam. Pior ainda: o dólar e as taxas de juros
sobem rapidamente nos mercados futuros, revelando o temor de
uma desvalorização do real. Tudo, como em outubro, quando o
país foi sacudido por um terremoto no mercado financeiro e
perdeu de US$ 10 bilhões a US$
15 bilhões em poucos dias. "Culpa
da Rússia" ou "efeitos do avanço
de Lula nas pesquisas", apressam-se a dizer as análises simplistas e mentirosas que infestam
o Brasil nos últimos quatro anos.
Qual a verdade?
Antes dos abalos na Rússia, e
antes mesmo das pesquisas eleitorais, os dólares, isto é, os banqueiros e aplicadores internacionais, já vinham abandonando o
Brasil. Na primeira semana deste
mês, a Bolsa de Valores de São
Paulo já acusava a fuga de algo
como US$ 100 milhões. E no chamado "mercado flutuante", espécie de mercado negro autorizado
pelo Banco Central, a mesma
sangria era observada desde o começo do mês, acumulando-se a
fuga de US$ 2,5 bilhões nas três
primeiras semanas deste mês. A
crise está de volta? Não.
A crise da economia brasileira
nunca foi sequer contornada: estava apenas escondida por uma
"cortina de fumaça". Construída
por análises e declarações otimistas despejadas sobre a opinião
pública desde o pacote de outubro/novembro. "O Brasil reconquistou a confiança mundial
porque está fazendo a lição de
casa" (arghhhh), era uma das
frases favoritas dos deslumbrados
acólitos do governo FHC. Dizia-se que, com o "pacote", o Brasil conseguiria eliminar dois fatores de intranquilidade para os
banqueiros e aplicadores internacionais: o "rombo" do Tesouro
(ou do setor público), que seria
controlado, e o "rombo" nas contas externas, de operações com o
exterior (importações, exportações, juros, remessa etc.). Falso.
A cortina de fumaça
Na prática, aconteceu o que os
críticos (pouquíssimos) previam:
"Rombo" do Tesouro - Em
vez de cair, cresceu, puxado pelos
juros exorbitantes que o governo
passou a pagar (e pela queda de
arrecadação nos Estados, como
São Paulo, provocada pela recessão).
Rombo em dólares - O jogo
de ganhar juros sem iguais no
mundo atraiu uma enxurrada de
dólares especulativos. Mas a balança comercial continuou a
apresentar rombos (importações
superiores às exportações) por
causa do escancaramento do
mercado (e não por causa do dólar barato). Da mesma forma
que as remessas continuaram a
explodir por causa da desnacionalização e das "privatizações".
Recessão - Para coroar, e como também era previsível, a recessão e a queda nas vendas provocaram o adiamento ou redução de investimentos de multinacionais que haviam se instalado
ou comprado empresas no país.
Menos dólares, portanto. O "pacote" de outubro/novembro foi
um novo ato suicida da equipe
FHC: a médio prazo, agravará os
problemas em lugar de solucioná-los.
Sem controle
Dia a dia, mês a mês, antes do
"efeito Rússia" ou das pesquisas
eleitorais, o Brasil continuou a
acumular dados negativos. Agora, o FMI deseja um novo "pacote" para, dentro da sua cartilha,
"colocar os problemas sob controle". Nova "lição de casa"
(arghhhh). O que isso significa?
Para os economistas-banqueiros da equipe FHC, os mesmos
caminhos errados de sempre: aumento de impostos ou corte nas
despesas da União e Estados
-como forma não apenas de
tentar "cobrir o rombo" mas
também de "esfriar" ainda mais
a economia, a pretexto de reduzir as importações. Em outras
palavras, mais recessão, mais desemprego, mais queda do poder
aquisitivo, mais recessão. Recessão que, no final das contas, como visto, derruba a arrecadação
e reduz o ingresso de dólares por
causa da queda nos investimentos -e nos lucros das empresas,
que atrairiam investidores para
as Bolsas. Como desfecho, uma
grande crise.
O governo FHC aprisionou a
economia brasileira em uma armadilha. Em lugar de esperar
passivamente por um novo "pacote" recessivo, cabe à sociedade,
e ao Congresso em particular, um
debate aprofundado da desastrosa política econômica dos últimos anos. Enquanto os problemas reais não forem atacados, a
crise continuará a avançar, rumo
ao incontrolável. Entre esses problemas, o escancaramento às importações. E as aberrações das
privatizações.
Aloysio Biondi, 61, é jornalista econômico. Foi
editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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