São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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ANÁLISE

Bancos distribuem riscos e fogem da crise, mas novos calotes ameaçam instituições

DO "FINANCIAL TIMES"

D epois da festa vem a ressaca. Os efeitos colaterais da bolha especulativa no mercado de ações são Bolsas de Valores em queda profunda e um número crescente de falências e concordatas. Mas um dos grupos de convidados da festa parece estar curiosamente imune à ressaca da manhã seguinte: os bancos.
Alguns sofreram abalos em sua reputação depois de cinicamente "empurrarem" maus investimentos para os seus clientes. Outros incorreram na ira das autoridades regulatórias e dos legisladores por conspirarem com seus clientes corporativos para encobrir desempenhos medíocres -ou mesmo a insolvência. Mas nenhum banco significativo, na Europa ou nos Estados Unidos, foi derrubado pelas consequências dos empréstimos irresponsáveis feitos durante o boom.
De fato, alguns deles estão reportando lucros recorde, entre os quais o Citigroup, o gigante dos serviços financeiros norte-americano que teve de engolir grandes prejuízos com a Argentina e com seus empréstimos à empresa de energia Enron. Embora as provisões para maus empréstimos estejam subindo, elas continuam bem abaixo dos níveis históricos para o atual ponto do ciclo econômico. No entanto, embora não haja ainda sinal da crise bancária que tradicionalmente se segue a esse tipo de acontecimento, é cedo demais para que se possa confiar em que ela será evitada.

Blindagem
Certamente um dos fatores comuns às muitas crises bancárias do passado está ausente: um colapso no mercado imobiliário, a despeito das bolhas no preço das residências em diversos países. Muito mudou desde as crises bancárias dos anos 80 e começo dos anos 90. Os bancos têm melhor capitalização e se diversificaram para a administração de cartões de crédito, fundos mútuos e outras atividades. Os empréstimos para empresas se tornaram menos importantes em suas carteiras.
Os bancos também fizeram muito para transferir os riscos dos empréstimos a outras instituições financeiras. Um empréstimo a um cliente corporativo pode ser fatiado e vendido a investidores por meio do mercado de empréstimos consorciados, de maneira semelhante a um título. Ou pode ser securitizado, de modo que os investidores podem adquirir títulos a ele relacionados e compartilhar da receita produzida pelo que quer que seja que lastreia os papéis. Ou o banco pode reduzir o risco de seus empréstimos pagando para que os investidores o aceitem por meio de derivativos.

Distribuição do risco
Assumir riscos como esse provou-se atraente para as seguradoras, fundos de "hedge" e outros investidores, tais como fundos de pensão. Para alguns, eles oferecem retornos mais elevados do que as alternativas, quando as taxas de juros estão caindo. Para outros, em especial as seguradoras, o risco de crédito parece uma linha de negócios similar à venda de cobertura contra inundações, incêndios ou acidentes.
São desdobramentos bem vindos. Distribuir o risco pelo sistema financeiro reduz o impacto de grandes quebras como as da Enron e da WorldCom. No entanto, embora os bancos se livrem de boa parte do risco, existe o perigo de que outros tipos de instituição assumam risco demais.
Isso talvez não seja intencional e aconteça como conseqüência da ignorância ou da inexperiência na compra de novos tipos de investimento. No ano passado, a American Express revelou que realizara prejuízos com derivativos, porque não compreendera os riscos de maneira correta.

Tiro no escuro?
O excesso de exposição pode resultar, igualmente, de tentativas de reforçar o retorno sobre os investimentos. As companhias de seguros de vida adquiriram créditos bancários para compensar a queda dos retornos de outros tipos de investimento em um ambiente de baixos juros. Elas talvez descubram em breve que retornos mais elevados refletem maiores riscos.
Existe o perigo de que as instituições façam apostas em determinados modelos de risco que se provam incorretos. A corretora de investimentos Long-Term Capital Management quase quebrou em 1998, depois da moratória russa, que solapou suas carteiras de títulos. Erros semelhantes poderiam emergir caso outras empresas tenham assumido créditos bancários em volume exagerado, presumindo que a bolha extraordinária dos anos 90 continuaria por ainda mais tempo.
Esses perigos são difíceis de prever, porque os riscos são muito difusos. De qualquer maneira, as consequências de moratórias e falências em grandes corporações podem ser prejudiciais para os investidores mas raramente representam uma ameaça para o sistema financeiro.
No entanto, os bancos não têm como se isolar completamente da insolvência corporativa. Em muitos casos, os elementos de maior risco nos empréstimos não têm como ser vendidos a outras instituições e precisam ser retidos nos balanços dos bancos. Os bancos que foram pioneiros nos mercados de derivativos e os que tentam entrar nesses mercados provavelmente estarão expostos a esse tipo de risco.

Ameaça no ar
Mesmo que um banco tenha vendido o risco a outra instituição, é possível que ele volte e atinja o banco de diversas maneiras. As autoridades regulatórias estão preocupadas, por exemplo, com a possibilidade de que as seguradoras compreendam de maneira diferente os riscos que assumiram com os derivativos. Enquanto os bancos pagam em dia e integralmente, as seguradoras em geral discutem. Também podem contestar o contrato se ele cobre determinados eventos que levam um banco a exigir pagamento.
Até agora, esses problemas estiveram em geral ausentes do mercado. Cerca de 800 contratos de derivativos no valor de US$ 8 bilhões foram cumpridos suavemente depois do colapso da Enron, em dezembro do ano passado. Mas um número maior de quebras corporativas de grande porte poderia desgastar as organizações, até agora capazes de enfrentar os prejuízos, até o ponto da quebra. Com o nível de inadimplência dos títulos corporativos norte-americanos já em marca recorde, a pressão é alta o bastante.


Tradução de Paulo Migliacci


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