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São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2003

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CONTAS EXTERNAS

Segundo cenário do BC, governo poderia dispensar ajuda; para analistas, contar com Fundo seria mais seguro

FMI chega e país avalia renovação de acordo

NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Técnicos do FMI (Fundo Monetário Internacional) chegaram ontem ao país para fazer mais uma revisão do acordo do Brasil com o Fundo. A revisão deve ser aprovada sem problemas, mas o que mais preocupa o governo brasileiro agora é decidir o que fará em novembro, quando acaba o acordo com o FMI.
Cenário traçado por técnicos do Banco Central indica que o Brasil seria capaz de equilibrar suas contas externas em 2004 sem a ajuda do FMI, sendo possível, portanto, não prorrogar o atual acordo.
O problema é que nem sempre as projeções se confirmam. Basta um desempenho pior das exportações ou uma retração maior dos investimentos estrangeiros para que o governo seja obrigado a recorrer novamente ao Fundo.
Nesse contexto, a equipe econômica estuda a possibilidade de renovar o entendimento com o Fundo para proteger o país de eventuais crises e manter a confiança do mercado financeiro.
A equipe do FMI deve se encontrar com o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda). Na quinta passada, o ministro disse que a prorrogação do acordo ainda não estava definida.
Se a revisão for aprovada, o governo poderá sacar parcela de US$ 4,265 bilhões. É o que deve ocorrer, pois o principal parâmetro da revisão, o superávit primário [economia para pagamento de juros], está sendo cumprido com folga. O acordo previa um valor de R$ 31,4 bilhões para o primeiro semestre -só até março o país já estava R$ 5,5 bilhões acima disso.
As primeiras projeções do BC mostram que seriam necessários US$ 30 bilhões para que as contas externas pudessem fechar o ano de 2004 em equilíbrio. Desse valor, US$ 5 bilhões se referem ao esperado déficit em transações correntes (resultado da negociação de bens e serviços com outros países), e outros US$ 25 bilhões estão relacionados a vencimentos da dívida externa no ano que vem.
Para a hipótese de cobrir essa necessidade de financiamento sem o socorro do FMI, o BC estima em US$ 12,6 bilhões os investimentos estrangeiros no ano. Esse valor é o projetado pelo mercado, segundo levantamento que o próprio BC divulga com base em consultas feitas a 70 bancos e empresas de consultoria. Mas nem sempre a projeção dá certo. Neste ano, a estimativa de investimento estrangeiro do BC passou de US$ 16 bilhões, em janeiro, para US$ 10 bilhões, em junho.
Os US$ 17,4 bilhões restantes viriam de empréstimos que tanto o governo quanto o setor privado precisariam conseguir no exterior ao longo de 2004. O valor equivale a 69,6% das parcelas da dívida externa que vencem no ano que vem. No primeiro semestre deste ano, as empresas conseguiram rolar com folga a totalidade dos compromissos do período.
Entre outros fatores que ameaçam a projeção dos técnicos do BC está a perspectiva de que as exportações brasileiras caiam. Para 2004, já se espera um superávit na balança comercial (exportações acima das importações) menor que o deste ano: uma previsão de US$ 15,1 bilhões em 2004, contra um resultado esperado para este ano de US$ 17,3 bilhões.
Em conversas informais, a equipe econômica admite que seria mais confortável contar com a ajuda do FMI -mesmo que os números permitam o desligamento do programa do Fundo.
Ao longo do primeiro semestre deste ano, por exemplo, o Brasil precisou de US$ 11,2 bilhões para fechar as contas externas. No mesmo período, recebeu US$ 3,5 bilhões em investimentos e US$ 10,1 bilhões em empréstimos, totalizando US$ 13,6 bilhões.
Mesmo assim, o governo recorreu a um empréstimo de US$ 8,2 bilhões do FMI no início do ano. O valor se refere ao acordo fechado em 2002 e serviu para reforçar as reservas internacionais do país. Desse valor, já foram descontadas as parcelas que o Brasil precisou pagar à instituição por financiamentos concedidos ao país em anos anteriores.
O acordo atual é uma prorrogação do acertado em 1998, no final do primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, o Brasil tomou US$ 47 bilhões emprestados do FMI, que deverão ser pagos até 2007. Sobre esse valor, incidem juros de US$ 2,9 bilhões, dos quais US$ 1,65 bilhão já foi quitado.
O economista Paulo Nogueira Batista Jr., professor da FGV-SP, é um dos que defendem que o acordo não seja renovado. Para ele, uma eventual prorrogação pode prejudicar a posição do governo na negociação de vários temas importantes da sua agenda externa, principalmente em relação à formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Na sua opinião, os debates em torno dos entendimentos com o FMI ficam, equivocadamente, centrados na subordinação do país às teorias econômicas liberais defendidas pelo Fundo. "Esse aspecto é o menos importante", afirma Batista Jr.
O economista lembra que os empréstimos concedidos pela instituição são feitos com o dinheiro de seus acionistas, sendo os EUA o maior deles. "A continuidade do acordo abre uma porta para a pressão americana [nas negociações da Alca] vir do lado financeiro, por meio do FMI."
Embora diga que o Brasil deveria agir de forma mais independente em relação ao FMI, Batista Jr. afirma que o baixo nível das reservas internacionais líquidas, hoje em US$ 17,7 bilhões, é um obstáculo ao encerramento do acordo com a instituição.
Na sua avaliação, o governo errou ao não aproveitar a calmaria dos investidores para comprar dólares diretamente no mercado. Isso ajudaria o país a recompor suas reservas em moeda estrangeira e, ao mesmo tempo, evitaria que uma valorização excessiva do real pudesse colocar em risco o equilíbrio das contas externas.
Para o mercado, a continuidade do acordo é vista como positiva. O economista-chefe do Lloyds TSB, Odair Abate, diz acreditar ""que o Brasil já seja capaz de caminhar com as próprias pernas" de agora em diante, mas afirma que a continuidade do acordo seria uma maneira de o Brasil ter acesso a uma importante linha de crédito sem que custos adicionais fossem impostos ao país.


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