São Paulo, sábado, 28 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

A soma de alguns medos

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

A ASSUSTADORA oscilação dos mercados na quinta-feira não foi um pânico completo. A taxa de juros sobre o bônus de dez anos do Tesouro norte-americano -que serve como indicador muito melhor do que os preços das ações quanto ao que os investidores acreditam deva acontecer na economia- caiu acentuadamente, mas, ainda assim, encerrou o dia acima da marca que detinha na metade de maio e bem acima de marcas obtidas nos primeiros meses do ano.
Isso nos informa que os investidores ainda consideram improvável uma recessão, que forçaria o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a reduzir as taxas de juros.
Assim, o que tivemos não foi a soma de todos os medos. Mas podemos dizer que foi a soma de alguns medos: três, em especial.
O primeiro é o medo dos créditos ruins. Em março, depois de outro mergulho do mercado, eu propus uma fantasia sobre a maneira pela qual um colapso financeiro mundial poderia ocorrer. As pessoas lembrariam subitamente que coisas ruins ocasionalmente acontecem, os ágios por risco -o retorno adicional que as pessoas exigem para investir em papéis sem garantias governamentais- disparariam e o crédito desapareceria.
Bem, algumas dessas coisas aconteceram na quinta-feira. "O ágio por risco sobre os papéis corporativos teve a maior alta em cinco anos", informou a agência de notícias Bloomberg, "e as vendas de títulos de dívida despencaram, porque os investidores passaram a rejeitar todos os títulos exceto os mais seguros." Mark Zandi, do site Economy.com, da agência de classificação de crédito Moody's, afirmou que, caso mais um grande fundo de hedge tropece, "isso pode gerar uma crise de confiança e um choque mundial".
Eu já havia previsto o que transcorreu. Mas o mais notável é perceber até que ponto as atuais angústias do mercado giram em torno de duas coisas que eu imaginava fossem óbvias já há muito tempo: a magnitude da queda no setor de habitação norte-americano e a persistência dos preços elevados do petróleo.
Escrevi muito sobre habitação nos dois últimos anos, e por isso vou me limitar a repetir o básico. Por volta de 2002 e 2003, as baixas taxas de juros fizeram com que adquirir casas parecesse um excelente negócio. Mas, à medida que mais e mais gente investia em moradias, os preços subiam, e as pessoas começaram a presumir que eles continuariam subindo. Dessa forma, o boom alimentou a si mesmo. Os devedores começaram a assinar empréstimos que eles não tinham condições reais de pagar, e os emprestadores começaram a relaxar as normas quanto à concessão de crédito.
A bolha tinha de estourar, um dia, e, quando isso aconteceu, ela nos deixou preços completamente irreais e um grande estoque excedente de imóveis não vendidos. Isso, por sua vez, causou queda na construção de imóveis residenciais e forte inadimplência no setor de crédito hipotecário. E a experiência dos ciclos anteriores de expansão e contração no mercado de habitação nos informa que alguns anos devem passar antes que as coisas voltem ao normal.

Petróleo
Escrevi menos sobre os preços do petróleo, e por isso gostaria de enfatizar dois pontos sobre a situação do setor. Primeiro, estamos agora em meio ao terceiro ano de preços muito elevados para o petróleo, tendo por base os patamares históricos. Mesmo levada em conta a inflação, os preços atuais são tão altos quanto os que vigoravam no começo dos anos 1980, depois da Revolução Islâmica iraniana. Segundo, ao contrário de passadas crises de energia, a alta de preços aconteceu mesmo que não existisse nenhuma grande perturbação no suprimento mundial de petróleo.
Fica bastante evidente o que está acontecendo: uma colisão entre o desenvolvimento econômico e a geologia.
Os teóricos do "pico do petróleo" podem ou não estar certos em sua afirmação de que a produção mundial de petróleo já atingiu o ponto mais alto que poderá manter -quem quer que saiba de fato o que está acontecendo nos campos de petróleo da Arábia Saudita, por favor entre em contato-, mas descobrir novos depósitos de petróleo é muito mais difícil. Enquanto isso, as economias emergentes, especialmente na Ásia, vêm queimando mais petróleo à medida que enriquecem. Com a demanda em disparada e o crescimento lento do suprimento, preços altos são o resultado inevitável.
Assim, por que as pessoas parecem tão chocadas diante de mais alguns números desfavoráveis sobre a habitação e o petróleo? Minha impressão é que eu não havia compreendido plenamente até que ponto a rejeição à realidade nos domina.
Ao longo dos dois últimos anos, surgiu uma peculiar convicção entre os analistas econômicos -especialmente, por algum motivo, entre os que se inclinam à direita no espectro político- de que a bolha na habitação era um mito, e a bolha verdadeira era a dos preços do petróleo.
Cada novo recorde de alta nos preços do petróleo era recebido com declarações de que tudo não passava de especulação como as previsões de Steve Forbes, em 2005, de que o petróleo estava atravessando uma "imensa bolha" e em prazo de um ano seu preço cairia aos US$ 35 a US$ 40 por barril. E, no que tange aos imóveis, ainda em janeiro deste ano a coluna Buzzcharts, da "National Review", declarava que estávamos passando por uma desaceleração "não-explosiva" no setor da habitação.
Eu não achava que muita gente tivesse acreditado nesse tipo de previsão, mas o súbito faniquito do mercado quanto à habitação e ao petróleo parece sugerir que eu estava errado.
De qualquer forma, a realidade agora está se fazendo sentir. E há mais uma coisa que vale mencionar: a expansão econômica que começou em 2001, embora tenha sido excelente para os lucros das empresas, ainda não produziu quaisquer ganhos significativos para os trabalhadores norte-americanos comuns. E a impressão que tenho agora é que jamais o fará.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Petróleo: Barril tem 2º maior valor de fechamento da história em NY
Próximo Texto: Petrobras poderá pagar até R$ 2,5 bi a mais em royalty
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.