|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
A soma de alguns medos
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
A ASSUSTADORA oscilação dos mercados na
quinta-feira não foi um
pânico completo. A taxa de juros sobre o bônus de dez anos
do Tesouro norte-americano
-que serve como indicador
muito melhor do que os preços
das ações quanto ao que os investidores acreditam deva
acontecer na economia- caiu
acentuadamente, mas, ainda
assim, encerrou o dia acima da
marca que detinha na metade
de maio e bem acima de marcas
obtidas nos primeiros meses do
ano.
Isso nos informa que os investidores ainda consideram
improvável uma recessão, que
forçaria o Federal Reserve
(Fed, o banco central dos Estados Unidos) a reduzir as taxas
de juros.
Assim, o que tivemos não foi
a soma de todos os medos. Mas
podemos dizer que foi a soma
de alguns medos: três, em especial.
O primeiro é o medo dos créditos ruins. Em março, depois
de outro mergulho do mercado,
eu propus uma fantasia sobre a
maneira pela qual um colapso
financeiro mundial poderia
ocorrer. As pessoas lembrariam subitamente que coisas
ruins ocasionalmente acontecem, os ágios por risco -o retorno adicional que as pessoas
exigem para investir em papéis
sem garantias governamentais- disparariam e o crédito
desapareceria.
Bem, algumas dessas coisas
aconteceram na quinta-feira.
"O ágio por risco sobre os papéis corporativos teve a maior
alta em cinco anos", informou a
agência de notícias Bloomberg,
"e as vendas de títulos de dívida
despencaram, porque os investidores passaram a rejeitar todos os títulos exceto os mais seguros." Mark Zandi, do site
Economy.com, da agência de
classificação de crédito
Moody's, afirmou que, caso
mais um grande fundo de hedge tropece, "isso pode gerar
uma crise de confiança e um
choque mundial".
Eu já havia previsto o que
transcorreu. Mas o mais notável é perceber até que ponto as
atuais angústias do mercado giram em torno de duas coisas
que eu imaginava fossem óbvias já há muito tempo: a magnitude da queda no setor de habitação norte-americano e a
persistência dos preços elevados do petróleo.
Escrevi muito sobre habitação nos dois últimos anos, e por
isso vou me limitar a repetir o
básico. Por volta de 2002 e
2003, as baixas taxas de juros
fizeram com que adquirir casas
parecesse um excelente negócio. Mas, à medida que mais e
mais gente investia em moradias, os preços subiam, e as pessoas começaram a presumir
que eles continuariam subindo.
Dessa forma, o boom alimentou a si mesmo. Os devedores
começaram a assinar empréstimos que eles não tinham condições reais de pagar, e os emprestadores começaram a relaxar as normas quanto à concessão de crédito.
A bolha tinha de estourar,
um dia, e, quando isso aconteceu, ela nos deixou preços completamente irreais e um grande
estoque excedente de imóveis
não vendidos. Isso, por sua vez,
causou queda na construção de
imóveis residenciais e forte
inadimplência no setor de crédito hipotecário. E a experiência dos ciclos anteriores de expansão e contração no mercado
de habitação nos informa que
alguns anos devem passar antes que as coisas voltem ao normal.
Petróleo
Escrevi menos sobre os preços do petróleo, e por isso gostaria de enfatizar dois pontos
sobre a situação do setor. Primeiro, estamos agora em meio
ao terceiro ano de preços muito
elevados para o petróleo, tendo
por base os patamares históricos. Mesmo levada em conta a
inflação, os preços atuais são
tão altos quanto os que vigoravam no começo dos anos 1980,
depois da Revolução Islâmica
iraniana. Segundo, ao contrário
de passadas crises de energia, a
alta de preços aconteceu mesmo que não existisse nenhuma
grande perturbação no suprimento mundial de petróleo.
Fica bastante evidente o que
está acontecendo: uma colisão
entre o desenvolvimento econômico e a geologia.
Os teóricos do "pico do petróleo" podem ou não estar certos em sua afirmação de que a
produção mundial de petróleo
já atingiu o ponto mais alto que
poderá manter -quem quer
que saiba de fato o que está
acontecendo nos campos de
petróleo da Arábia Saudita, por
favor entre em contato-, mas
descobrir novos depósitos de
petróleo é muito mais difícil.
Enquanto isso, as economias
emergentes, especialmente na
Ásia, vêm queimando mais petróleo à medida que enriquecem. Com a demanda em disparada e o crescimento lento do
suprimento, preços altos são o
resultado inevitável.
Assim, por que as pessoas parecem tão chocadas diante de
mais alguns números desfavoráveis sobre a habitação e o petróleo? Minha impressão é que
eu não havia compreendido
plenamente até que ponto a rejeição à realidade nos domina.
Ao longo dos dois últimos
anos, surgiu uma peculiar convicção entre os analistas econômicos -especialmente, por algum motivo, entre os que se inclinam à direita no espectro político- de que a bolha na habitação era um mito, e a bolha
verdadeira era a dos preços do
petróleo.
Cada novo recorde de alta
nos preços do petróleo era recebido com declarações de que
tudo não passava de especulação como as previsões de Steve
Forbes, em 2005, de que o petróleo estava atravessando uma
"imensa bolha" e em prazo de
um ano seu preço cairia aos
US$ 35 a US$ 40 por barril. E,
no que tange aos imóveis, ainda
em janeiro deste ano a coluna
Buzzcharts, da "National Review", declarava que estávamos
passando por uma desaceleração "não-explosiva" no setor da
habitação.
Eu não achava que muita
gente tivesse acreditado nesse
tipo de previsão, mas o súbito
faniquito do mercado quanto à
habitação e ao petróleo parece
sugerir que eu estava errado.
De qualquer forma, a realidade agora está se fazendo sentir.
E há mais uma coisa que vale
mencionar: a expansão econômica que começou em 2001,
embora tenha sido excelente
para os lucros das empresas,
ainda não produziu quaisquer
ganhos significativos para os
trabalhadores norte-americanos comuns. E a impressão que
tenho agora é que jamais o fará.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Petróleo: Barril tem 2º maior valor de fechamento da história em NY Próximo Texto: Petrobras poderá pagar até R$ 2,5 bi a mais em royalty Índice
|