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Multa da AmBev foi pequena, diz Cade
Arthur Badin, presidente do órgão, diz que autuação foi de 2% do faturamento da empresa, quando poderia chegar a 30%
Badin diz que boa parte das multas não é paga; Fundo
de Direitos Difusos, que fica com esses recursos, recebe cerca de R$ 100 mil por ano
JULIO WIZIACK
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
A multa de R$ 352,7 milhões
aplicada pelo Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) à AmBev na semana
passada deixou os empresários
em polvorosa, especialmente
os que têm processos em andamento no conselho e na SDE
(Secretaria de Direito Econômico), que investiga os casos
antes do julgamento.
A Folha apurou que um grupo de empresários considera
que a atual gestão do Cade faz
"terrorismo" e dá sinais de que
o foco são grandes companhias.
Para Arthur Badin, presidente do Cade, a multa aplicada à
AmBev foi pequena, já que representa 2% do faturamento
da empresa, quando esse percentual pode chegar a até 30%.
Para os empresários, o caso
AmBev envia um recado às empresas: o de que é melhor propor um acordo ao Cade em vez
de ir até o final com o processo.
Badin nega que o Cade esteja
mais rigoroso. "Acontece que
há mais processos saindo da
SDE envolvendo grandes empresas", diz Badin, que sofreu
resistência de grandes empresas para ter sua nomeação
aprovada no Senado.
Ele reconhece que a possibilidade de acordos é vantajosa a
ambos os lados. "O Estado ganha porque não perdemos 20
anos com um processo. Também é bom para as empresas,
que não prolongam seu dano
de imagem toda vez que perdem na Justiça", afirma.
Para ele, ocorreram mudanças na SDE. Badin afirma que,
desde 2003, a secretaria tem
mais recursos técnicos para fazer investigações. "Em parceria
com a Polícia Federal e o Ministério Público, eles conseguem obter mandados de busca e apreensão, fazer diligências nas empresas, cruzar dados. Quando o processo chega
ao Cade, tem mais rigor. E isso
envolve todas as empresas, independentemente do porte."
Por isso, Badin diz que a multa contra a AmBev e a Telefônica [autuada em R$ 1,9 milhão]
refletem o momento de mudanças. Já a preocupação do
empresariado se explica pelo
projeto em andamento no
Congresso que prevê mais
avanços na conduta do Cade.
Caso seja aprovado, ele obrigará as empresas a comunicarem fusões e aquisições com
antecedência ao conselho. Isso
para evitar que, caso ameace a
livre concorrência, a operação
possa ser desfeita pelo Cade.
Hoje, quando sai uma decisão,
as fusões estão praticamente
definidas na prática, inviabilizando a reversão.
Outra conduta que irrita o
empresariado é o depósito do
valor da multa quando elas recorrem da decisão do Cade à
Justiça comum. Até 2004, essa
não era uma obrigação. "Conseguimos jurisprudência no
STF", diz Badin.
No setor financeiro, o Cade
trava uma disputa com a AGU
(Advocacia Geral da União) defendendo sua competência na
decisão de casos envolvendo
bancos e demais instituições. O
caso parou no STJ (Superior
Tribunal de Justiça).
Além disso, o conselho -e as
demais agências reguladoras-
corre o risco de sofrer interferência do governo na Justiça
porque toda vez que suas decisões forem contestadas, serão
defendidas por advogados da
AGU, e não pelos das agências.
Leia a seguir trechos da entrevista com Arthur Badin.
FOLHA - Empresários temem que a
multa concedida à AmBev seja a primeira de multas milionárias que o
Cade deve aplicar às empresas.
ARTHUR BADIN - Não devem ficar
com medo, pois não houve mudança no Cade em relação ao rigor na aplicação da lei. No caso
da AmBev, embora o valor nominal tenha sido alto [R$ 352,6
milhões], em termos relativos
foi uma multa próxima do mínimo. A multa varia de 1% a
30% do faturamento bruto da
empresa. A multa da AmBev foi
de 2% do faturamento. Algumas empresas foram condenadas a pagar multas entre 20% e
25% do faturamento. O Cade
não está mais duro. Quem não
deve não teme. O Cade é um tribunal administrativo, não é
nem pró-condenação nem pró-absolvição. Quem pode ser
mais ou menos agressiva é a
SDE na instrução.
FOLHA - Mas a multa da AmBev foi
a maior da história do Cade.
BADIN - O que o julgamento
mostrou é que existe uma nova
leva de casos chegando da SDE
com investigações concluídas
que revelam mudança de foco a
partir de 2003, quando a SDE
passou a usar instrumentos de
produção de provas até então
inéditos, como busca e apreensão de documentos, acordos de
leniência e inspeção.
FOLHA - As empresas pagam as
multas dadas pelo Cade?
BADIN - Quando existe uma
multa por infração à ordem
econômica, 82% dos casos vão
para a Justiça. Quando a multa
é por intempestividade na
apresentação da concentração,
que a empresa demorou para
apresentar, geralmente entre
65% a 70% dos casos a multa é
paga de uma vez.
FOLHA - Para onde vai o dinheiro
dessas multas?
BADIN - Para o Fundo de Direitos Difusos, vinculado ao Ministério da Justiça, que financia projetos de recuperação do
meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio histórico.
Esse fundo recebe os recursos
oriundos de ações civis públicas propostas pela Justiça Federal no país todo. Para ter uma
ideia, vale lembrar que os valores recolhidos por esse fundo
no Brasil todo são ao redor de
R$ 100 mil por ano.
FOLHA - Como o Cade agia antes
de 2003?
BADIN - Até 2003 o que o Cade
investigou e condenou? A Unimed e a associação de médicos
por causa de tabelas de honorários. Cerca de 78% dos casos
condenados pelo Cade de 1994
a 2002 estavam relacionados a
médicos. Por quê? Como eles
são muitos, se organizam por
meio ostensivo de comunicação, que é a tabela de preços de
honorários. A investigação,
nesse caso, era mais fácil, era só
tirar cópia da tabela. A partir de
2003, as investigações começaram a pegar grandes empresas,
o mercado da construção civil.
O cartel dos vergalhões, por
exemplo, envolveu a Belgo Mineira, a Gerdau e a Barra Mansa. Esse caso já foi julgado e as
empresas foram condenadas.
FOLHA - Seria melhor que as empresas fizessem acordo antes do julgamento pelo Cade?
BADIN - A possibilidade de
acordos existe desde 94 e, no
caso de cartel, desde 2007. O
acordo é um dos mais poderosos instrumentos de efetivação
da política de repressão às infrações à ordem econômica. É
bom para a instituição pública
porque antecipa o resultado.
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