São Paulo, terça-feira, 28 de julho de 2009

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Multa da AmBev foi pequena, diz Cade

Arthur Badin, presidente do órgão, diz que autuação foi de 2% do faturamento da empresa, quando poderia chegar a 30%

Badin diz que boa parte das multas não é paga; Fundo de Direitos Difusos, que fica com esses recursos, recebe cerca de R$ 100 mil por ano

JULIO WIZIACK
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A multa de R$ 352,7 milhões aplicada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) à AmBev na semana passada deixou os empresários em polvorosa, especialmente os que têm processos em andamento no conselho e na SDE (Secretaria de Direito Econômico), que investiga os casos antes do julgamento.
A Folha apurou que um grupo de empresários considera que a atual gestão do Cade faz "terrorismo" e dá sinais de que o foco são grandes companhias.
Para Arthur Badin, presidente do Cade, a multa aplicada à AmBev foi pequena, já que representa 2% do faturamento da empresa, quando esse percentual pode chegar a até 30%.
Para os empresários, o caso AmBev envia um recado às empresas: o de que é melhor propor um acordo ao Cade em vez de ir até o final com o processo.
Badin nega que o Cade esteja mais rigoroso. "Acontece que há mais processos saindo da SDE envolvendo grandes empresas", diz Badin, que sofreu resistência de grandes empresas para ter sua nomeação aprovada no Senado.
Ele reconhece que a possibilidade de acordos é vantajosa a ambos os lados. "O Estado ganha porque não perdemos 20 anos com um processo. Também é bom para as empresas, que não prolongam seu dano de imagem toda vez que perdem na Justiça", afirma.
Para ele, ocorreram mudanças na SDE. Badin afirma que, desde 2003, a secretaria tem mais recursos técnicos para fazer investigações. "Em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público, eles conseguem obter mandados de busca e apreensão, fazer diligências nas empresas, cruzar dados. Quando o processo chega ao Cade, tem mais rigor. E isso envolve todas as empresas, independentemente do porte."
Por isso, Badin diz que a multa contra a AmBev e a Telefônica [autuada em R$ 1,9 milhão] refletem o momento de mudanças. Já a preocupação do empresariado se explica pelo projeto em andamento no Congresso que prevê mais avanços na conduta do Cade.
Caso seja aprovado, ele obrigará as empresas a comunicarem fusões e aquisições com antecedência ao conselho. Isso para evitar que, caso ameace a livre concorrência, a operação possa ser desfeita pelo Cade.
Hoje, quando sai uma decisão, as fusões estão praticamente definidas na prática, inviabilizando a reversão.
Outra conduta que irrita o empresariado é o depósito do valor da multa quando elas recorrem da decisão do Cade à Justiça comum. Até 2004, essa não era uma obrigação. "Conseguimos jurisprudência no STF", diz Badin.
No setor financeiro, o Cade trava uma disputa com a AGU (Advocacia Geral da União) defendendo sua competência na decisão de casos envolvendo bancos e demais instituições. O caso parou no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Além disso, o conselho -e as demais agências reguladoras- corre o risco de sofrer interferência do governo na Justiça porque toda vez que suas decisões forem contestadas, serão defendidas por advogados da AGU, e não pelos das agências.
Leia a seguir trechos da entrevista com Arthur Badin.

 

FOLHA - Empresários temem que a multa concedida à AmBev seja a primeira de multas milionárias que o Cade deve aplicar às empresas.
ARTHUR BADIN -
Não devem ficar com medo, pois não houve mudança no Cade em relação ao rigor na aplicação da lei. No caso da AmBev, embora o valor nominal tenha sido alto [R$ 352,6 milhões], em termos relativos foi uma multa próxima do mínimo. A multa varia de 1% a 30% do faturamento bruto da empresa. A multa da AmBev foi de 2% do faturamento. Algumas empresas foram condenadas a pagar multas entre 20% e 25% do faturamento. O Cade não está mais duro. Quem não deve não teme. O Cade é um tribunal administrativo, não é nem pró-condenação nem pró-absolvição. Quem pode ser mais ou menos agressiva é a SDE na instrução.

FOLHA - Mas a multa da AmBev foi a maior da história do Cade.
BADIN -
O que o julgamento mostrou é que existe uma nova leva de casos chegando da SDE com investigações concluídas que revelam mudança de foco a partir de 2003, quando a SDE passou a usar instrumentos de produção de provas até então inéditos, como busca e apreensão de documentos, acordos de leniência e inspeção.

FOLHA - As empresas pagam as multas dadas pelo Cade?
BADIN -
Quando existe uma multa por infração à ordem econômica, 82% dos casos vão para a Justiça. Quando a multa é por intempestividade na apresentação da concentração, que a empresa demorou para apresentar, geralmente entre 65% a 70% dos casos a multa é paga de uma vez.

FOLHA - Para onde vai o dinheiro dessas multas?
BADIN -
Para o Fundo de Direitos Difusos, vinculado ao Ministério da Justiça, que financia projetos de recuperação do meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio histórico. Esse fundo recebe os recursos oriundos de ações civis públicas propostas pela Justiça Federal no país todo. Para ter uma ideia, vale lembrar que os valores recolhidos por esse fundo no Brasil todo são ao redor de R$ 100 mil por ano.

FOLHA - Como o Cade agia antes de 2003?
BADIN -
Até 2003 o que o Cade investigou e condenou? A Unimed e a associação de médicos por causa de tabelas de honorários. Cerca de 78% dos casos condenados pelo Cade de 1994 a 2002 estavam relacionados a médicos. Por quê? Como eles são muitos, se organizam por meio ostensivo de comunicação, que é a tabela de preços de honorários. A investigação, nesse caso, era mais fácil, era só tirar cópia da tabela. A partir de 2003, as investigações começaram a pegar grandes empresas, o mercado da construção civil. O cartel dos vergalhões, por exemplo, envolveu a Belgo Mineira, a Gerdau e a Barra Mansa. Esse caso já foi julgado e as empresas foram condenadas.

FOLHA - Seria melhor que as empresas fizessem acordo antes do julgamento pelo Cade?
BADIN -
A possibilidade de acordos existe desde 94 e, no caso de cartel, desde 2007. O acordo é um dos mais poderosos instrumentos de efetivação da política de repressão às infrações à ordem econômica. É bom para a instituição pública porque antecipa o resultado.


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