São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um país de muitas empresas

ANTONIO BARROS DE CASTRO

O IBGE acaba de lançar um conjunto de informações relativas às empresas brasileiras em 2000. As informações ali contidas não se prestam à análise de conjuntura, como acertadamente adverte uma matéria publicada a esse respeito pela Folha de ontem. Mas ajudam a ver de novos ângulos como estão se modificando a estrutura e o funcionamento dessa economia e sociedade.
Merece destaque, antes de mais nada, o número de pessoas que possuem empresas ou são sócias de alguma. De fato, mais de 5,5 milhões de pessoas se encontram nessa condição. Esse número, acrescido dos parentes, mostra que uma considerável parcela da população se encontra direta ou indiretamente envolvida em um tipo de atividade (e forma de vida) que requer a incessante tomada de decisões econômicas -nada triviais, dada a usual turbulência do ambiente.
O fenômeno que acaba de ser assinalado chama ainda mais a atenção se levarmos em conta que o número de empresas (o estudo se refere apenas às formalmente registradas) vem aumentando rapidamente. Numa economia que cresce a uma média pouco acima de 2% ao ano, a quantidade de empresas aumentou 6,2% ao ano de 1998 a 2000. Aliás, o que o estudo mostra é que a taxa de natalidade é 1,5 vez maior do que a taxa de mortalidade das empresas.
O surgimento e o desaparecimento de empresas ocorrem com muito mais frequência nas categorias das micro e pequenas empresas, como seria de se esperar. E esse fato pode significar tanto a reiterada descoberta de novas oportunidades como a corrida para o (incerto) refúgio da empresa. De qualquer forma, a economia e a sociedade que poderão daí resultar serão muito diferentes do que nos habituamos a conceber como Brasil.
Que uma elevada proporção de empresas desapareça pouco após ser fundada não me parece surpreendente. Creio ser assim por toda parte. Afinal, em seu primeiro ano de vida a empresa nem sequer chegou a definir as rotinas que virão a pautar a sua conduta cotidiana -e já se defronta, plenamente, com os seus erros de avaliação. Para além disso, os especialistas seguramente saberão apontar por que e como, no contexto atual, a sobrevivência na fase inicial tornou-se ainda mais difícil.
O que me parece verdadeiramente intrigante é a enorme superioridade dos nascimentos. Existem aqui, seguramente, fatores demográficos. Por exemplo: as pessoas passaram a viver mais e, não raro, têm ânimo para empreender na terceira idade. Por outro lado, o aumento da escolaridade verificado nos últimos anos ajuda a enfrentar as dificuldades inerentes para estabelecer um negócio. Mas há, sem dúvida, que destacar certos fatores econômicos.
Primeiramente, a reestruturação das empresas verificada desde o início dos anos 90 lançou no desemprego muita mão-de-obra treinada e, inclusive, pela primeira vez, muito "colarinho branco". As empresas, de sua parte, buscando o enxugamento, passaram a comprar no mercado muito do que antes produziam, gerando, com isso, ao mesmo tempo, desemprego e oportunidades de empreendimento. O extremo barateamento de máquinas usadas e instalações tornadas sem uso pode aqui ser apontado como mais um fator de acesso a novos negócios. Outros, seguramente, poderiam ser arrolados. Limito-me, porém, a acrescentar que parece próprio da revolução industrial presentemente em curso a maior flexibilidade das técnicas, a maior versatilidade dos produtos, a mais fácil descentralização das atividades e, por todas essas razões, a existência de mais poros ou espaços para empreender.
No caso do Brasil, bem como em algumas outras economias, contudo, essas possibilidades são severamente tolhidas pela instabilidade endêmica e o recorrente estado de pré-pânico.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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