São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

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PAÍS DO MENSALÃO

Lista com 10.021 nomes suspeitos de enviar dinheiro ao exterior via doleiros inclui empresas e personalidades

PF e Receita fazem maior ação contra remessas

Ivonaldo Alexandre - 19.ago.05/"Gazeta do Povo"
O doleiro Toninho da Barcelona, após interrogatório em Curitiba


FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A Receita Federal enviou à Justiça listas contendo 10.021 nomes de pessoas físicas, empresas e bancos que poderão ser autuados por causa de movimentações financeiras de US$ 1,53 bilhão (R$ 3,67 bilhões) feitas por meio de doleiros entre 2000 e 2002.
As listas completas, obtidas pela Folha, incluem algumas das maiores empresas do país, empresários e brasileiros famosos do mundo político, da moda e esportivo. As relações são as primeiras de uma série que a Receita quer elaborar para punir crimes fiscais.
A compilação de nomes e os valores correspondentes movimentados foi montada pela Receita Federal a partir do cruzamento de dados apurados pela Polícia Federal do Paraná.
O trabalho é resultado da maior operação de investigação, identificação e eventual punição de crimes contra o sistema financeiro e a ordem tributária já realizada no Brasil e representa uma mudança de patamar nesse tipo de ação.
Os donos do dinheiro fizeram as movimentações por meio de uma rede de quase 200 doleiros em pelo menos cinco instituições financeiras nos Estados Unidos -Lespan, MTB, Beacon Hill, Merchants e Safra.
Os doleiros funcionavam como uma câmara de compensação bancária, ao transferir entre eles dinheiro no Brasil ou no exterior para cobrir depósitos ou saques pedidos por seus clientes.
No ano passado, quase 70 desses doleiros foram presos em várias ações da Polícia Federal, trazendo à tona a contabilidade das movimentações que realizavam em nome dos brasileiros.
A partir dos dados enviados pela PF, o fisco listou todas as movimentações e seus respectivos titulares suspeitos de apresentar inconsistências tributárias.
Depois da checagem, a lista da Receita foi enviada ao Ministério Público e à PF, que agora pretende instaurar inquéritos policiais para apurar o cometimento de crimes contra o sistema financeiro e a ordem tributária.

Ponta do iceberg
Segundo a Folha apurou, várias das pessoas e empresas que constam da lista já foram autuadas pela Receita. O próprio Ministério Público já pediu ao fisco um balanço parcial de quanto já foi arrecadado em multas.
A lista com os nomes teve origem no inquérito 1.026/03 da PF do Paraná e é apenas a ponta de um iceberg de movimentações ilegais estimadas em US$ 150 bilhões pela polícia. Grande parte do dinheiro seria fruto de sonegação fiscal e do caixa dois de empresas e pessoas físicas.
Só no ano passado, segundo estimativas do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), o caixa dois das empresas brasileiras alcançou a cifra de US$ 1,028 trilhão.
Há milhares de outros nomes nos registros da PF, com movimentações feitas entre 1998 e 1999, mas que não chegaram a ser cruzados com os dados da Receita -já que crimes tributários decaem em um prazo de cinco anos.
Embora a Receita ainda não tenha feito o cruzamento desses nomes, a PF pretende ir em frente com as investigações e ouvir mais doleiros sobre suas atividades.
Há alguns dias, por exemplo, policiais federais em Curitiba interrogaram com esse propósito o doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona.
A investigação da PF que chegou aos nomes dos donos do dinheiro -depois cruzados com os dados da Receita Federal- contou com a colaboração da promotoria distrital da cidade de Nova York, que chegou a receber uma equipe de policiais federais brasileiros em novembro passado.
A promotoria de Nova York quebrou o sigilo das contas na investigação e compartilhou as informações com as autoridades brasileiras.

Interesse dos EUA
Essa colaboração tem evoluído rapidamente nos últimos meses, principalmente por causa do interesse dos norte-americanos em identificar remessas ilegais de dinheiro que possam estar sendo usadas para financiar atividades terroristas. Na lista da Receita, há dezenas de movimentações realizadas a partir de Foz do Iguaçu por pessoas com sobrenome de ascendência árabe.
Para o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Luiz Flávio Borges D'Urso, operações conjuntas entre a PF e a Receita representam um avanço.
"Estamos vivendo uma escalada de mecanismos por meio dos quais o Estado pode fiscalizar o que é da sua competência", diz.


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