São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

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ENTREVISTA

Para ministro, estabilidade está sendo testada e resiste "sem danos"

Economia vive tranqüilidade "inesperada", afirma Furlan

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) disse à Folha que a economia está demonstrando "uma tranqüilidade inesperada por muitos" nesses três meses de crise política, sinal da "resistência" da estabilidade econômica do país.
Otimista, ele acredita que o país crescerá "acima de 4%" neste ano. Para acelerar o ritmo, defende a redução, em 2006, de impostos na produção de bens populares e em investimentos do setor elétrico.
Furlan, 59, tentou evitar comentários sobre a crise política, a qual diz ser um "terreno que não domina". Diante da insistência, acabou afirmando que o "presidente se surpreendeu muito" e que ele "não tinha uma estrutura preparada para gerenciar uma crise dessa amplitude".
Diz ainda discordar do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que é difícil acreditar que Lula não sabia do que estava acontecendo. Segundo o ministro, o presidente foi "pego desprevenido" e "houve, aparentemente, quebra de confiança". Leia a seguir a entrevista.

Folha - O sr. dizia no início do ano que o câmbio desvalorizado prejudicaria a exportação. Não foi o que houve. A avaliação estava errada?
Luiz Fernando Furlan -
Reconheço o esforço do Banco Central e do Tesouro de comprar US$ 20 bilhões e dobrar as reservas do Brasil. No momento em que o BC se retirou do mercado, o câmbio retomou sua trajetória [de queda]. As ferramentas de que o governo dispõe hoje não são suficientes para equilibrar uma forte entrada de dólar pelos recordes sucessivos da exportação e pela confiança do investidor estrangeiro, que continua investindo.

Folha - Mas também por causa das altas taxas de juros.
Furlan -
Todas as metas que o BC se propôs a atingir foram alcançadas e superadas. O que dá conforto é que há, agora, espaço para queda do juro. Aí vamos ter uma acomodação da taxa de câmbio.

Folha - Até lá, o sr. não teme uma queda nas exportações?
Furlan -
No saldo, sim. Na exportação, não. Nossa previsão é uma redução no saldo de US$ 2 bilhões até o final do ano, de US$ 40 bilhões para US$ 38 bilhões. Não por causa das exportações, mas das importações. Neste mês, provavelmente vamos bater o recorde de importação, com a perspectiva de atingir US$ 7 bilhões.

Folha - O sr. é a favor do aumento da meta de superávit primário, além dos 4,25% do PIB?
Furlan -
Eu não sou especialista no assunto, mas o superávit primário produziu efeitos benéficos. Estamos vivendo um momento em que nossa estabilidade econômica está sendo testada, sem dano, com sucesso, com resistência.

Folha - Está sendo testada pela crise política?
Furlan -
Em condições normais, você teria turbulências imensas nos dados econômicos. Se você olhar, nós estamos há dois, três meses com uma tranqüilidade inesperada por muitos. O que mostra que os pilares estão firmemente plantados. O que acho razoável é pensarmos daqui para a frente, não para trás.

Folha - O que o sr. ajustaria pensando para a frente?
Furlan -
Acho que o presidente Lula, com essa experiência de 2005, enxergará o sucesso e a segurança que está dando a economia. Em boa parte, o setor produtivo e o financeiro estão passando ao largo das questões da política. E isso é positivo. A partir desse patrimônio adquirido, a duras penas, podemos olhar para metas ainda mais arrojadas.

Folha - Quais, por exemplo?
Furlan -
Desonerar mais fortemente a produção e o consumo de bens populares. Com isso, estimulam-se o investimento e a demanda num segmento da população que não consome mais por não ter renda. Não desconsideraria também essa proposta de desonerar o setor elétrico. Todos sabem que o Brasil precisa investir na área para garantir nossa expansão daqui a cinco, seis anos.

Folha - Quanto o sr. acha que o país vai crescer em 2005?
Furlan -
Acima de 4%.

Folha - Não é muito otimismo? O próprio Lula disse que o crescimento "não será uma Brastemp".
Furlan -
Qual foi o único ministro que disse que iríamos bater perto dos 5% em 2004 [o país cresceu 4,9%]? Então, tem que ter um otimista de plantão.

Folha - Mas é só otimismo?
Furlan -
Não, é temperatura. Vamos ver os números. Eles são animadores. Nós vamos bater recorde de importação neste mês. É importação de bens de capital, matérias-primas e componentes, sendo puxada por investimento.

Folha - Falando de mercado, o sr. acha que ele é irracional ou só enxerga o que deseja? Afinal, quando Rogério Buratti deu depoimento ao Ministério Público envolvendo o ministro Palocci, a reação foi ruim. Na quinta, ele depôs na CPI, deu mais detalhes e a reação foi positiva. O que aconteceu?
Furlan -
A reação inicial foi por força de uma declaração unilateral. A reação desta semana [passada], mais madura, foi pesando os dois lados. Isso mostra a consistência dos argumentos de Palocci e a credibilidade que ele tem.

Folha - Dois anos e oito meses após assumir o ministério, o sr. não se sente surpreendido por tudo o que está acontecendo? Havia dúvidas sobre a economia e nenhuma sobre como seria o governo na área social e ética. Houve exatamente o contrário. O sr. está decepcionado?
Furlan -
Não. Os desafios do Brasil são grandes. Entre teoria e prática, precisa ter gerenciamento. Não considero que o projeto de governo de Lula seja malsucedido. Eu me acostumei a trabalhar com fatos e dados, números e objetivos, e não com as emoções do debate político. Se você olhar fatos, dados e números, o saldo é positivo e será ainda maior.

Folha - Por que a impressão de que Lula dificilmente se reelege?
Furlan -
O país como um todo tem uma grande deficiência de comunicação. Eu tenho ido a 60 países. Há poucos dias fomos à Nigéria. Quando disse a meu colega ministro que o Brasil exportava 150 aviões a jato, ele olhou pra mim como se eu fosse um E.T. Então, a nossa comunicação pra fora e para dentro é frágil. Os brasileiros não sabem o que o Brasil faz, a tecnologia que temos, os talentos que temos na ciência.

Folha - Por melhor que seja a comunicação, é difícil imaginar que não estaríamos enfrentando uma crise política diante de tudo que veio à tona, com envolvimento do PT com saques em dinheiro, mandatos de deputados, muitos do PT, correndo risco. Por mais que fosse competente a comunicação...
Furlan -
Eu não tenho experiência político-partidária. O que posso dizer é que já fui coordenador de comitê de auditoria de grandes organizações. E o comitê de auditoria é onde você vê os podres de uma organização, ao menos os identificados. E você propõe soluções. Toda grande organização tem diariamente problemas, o que você precisa ter é um mecanismo que reduza ao mínimo as más práticas e puna aqueles que transgridem. Mas isso não vem em prejuízo da organização. Aqui está se cometendo um erro de misturar possíveis transgressões de pessoas com a organização, como um todo. Não estou falando do PT, estou falando do governo.

Folha - Mas gente do governo está sendo apontada como envolvida, como o ex-ministro José Dirceu.
Furlan -
Não tenho condições de responder a essas perguntas, você está entrando num terreno que não domino, não tenho informações para responder isso.

Folha - O sr. acredita na reeleição do presidente Lula?
Furlan -
Eu não acho isso importante no momento. A prioridade de Lula e a nossa é que possamos levar adiante iniciativas que consolidem a presença num governo que fez progresso, avanços na questão social, que aprofundou o crescimento. Essa é a missão. Eu acho que neste ano vão acontecer coisas boas, estão acontecendo.

Folha - O ex-presidente FHC disse considerar muito difícil que o presidente Lula não soubesse do que estava acontecendo em seu partido, com sistemas irregulares de financiamento. O sr. concorda com ele?
Furlan -
Não concordo. Eu acho que quem é presidente de uma organização, como eu fui, sabe que a grande habilidade e a responsabilidade de um presidente é compor uma equipe e, a partir dela, fazer uma administração horizontal. Um presidente de uma grande organização não pode ter mais do que sete, oito subordinados diretos. O presidente FHC deve saber disso. É a partir desses subordinados diretos que flui a gestão. Se há alguma falha nesse nível, não necessariamente o presidente fica sabendo, porque a falha foi a jusante. Isso é normal acontecer.

Folha - O sr. tem conversado Lula sobre a crise? Como ele está?
Furlan -
Eu acredito que o presidente se surpreendeu muito. Ele não tinha uma estrutura preparada para gerenciar uma crise dessa amplitude. Ele organizou um comitê de gerenciamento de crise, e acho que, com isso, ele está tendo uma consistência melhor das ações que precisa tomar.

Folha - Ele pecou no início por falta dessa estrutura?
Furlan -
O presidente foi pego desprevenido. Como eu falei, numa grande organização você tem cargos de confiança, e houve, aparentemente, quebra de confiança.


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