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ENTREVISTA
Para ministro, estabilidade está sendo testada e resiste "sem danos"
Economia vive tranqüilidade
"inesperada", afirma Furlan
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) disse à
Folha que a economia está demonstrando "uma tranqüilidade
inesperada por muitos" nesses
três meses de crise política, sinal
da "resistência" da estabilidade
econômica do país.
Otimista, ele acredita que o país
crescerá "acima de 4%" neste ano.
Para acelerar o ritmo, defende a
redução, em 2006, de impostos na
produção de bens populares e em
investimentos do setor elétrico.
Furlan, 59, tentou evitar comentários sobre a crise política, a qual
diz ser um "terreno que não domina". Diante da insistência, acabou afirmando que o "presidente
se surpreendeu muito" e que ele
"não tinha uma estrutura preparada para gerenciar uma crise
dessa amplitude".
Diz ainda discordar do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que é difícil acreditar que
Lula não sabia do que estava
acontecendo. Segundo o ministro, o presidente foi "pego desprevenido" e "houve, aparentemente, quebra de confiança". Leia a
seguir a entrevista.
Folha - O sr. dizia no início do ano
que o câmbio desvalorizado prejudicaria a exportação. Não foi o que
houve. A avaliação estava errada?
Luiz Fernando Furlan - Reconheço o esforço do Banco Central e
do Tesouro de comprar US$ 20
bilhões e dobrar as reservas do
Brasil. No momento em que o BC
se retirou do mercado, o câmbio
retomou sua trajetória [de queda]. As ferramentas de que o governo dispõe hoje não são suficientes para equilibrar uma forte
entrada de dólar pelos recordes
sucessivos da exportação e pela
confiança do investidor estrangeiro, que continua investindo.
Folha - Mas também por causa
das altas taxas de juros.
Furlan - Todas as metas que o BC
se propôs a atingir foram alcançadas e superadas. O que dá conforto é que há, agora, espaço para
queda do juro. Aí vamos ter uma
acomodação da taxa de câmbio.
Folha - Até lá, o sr. não teme uma
queda nas exportações?
Furlan - No saldo, sim. Na exportação, não. Nossa previsão é
uma redução no saldo de US$ 2
bilhões até o final do ano, de US$
40 bilhões para US$ 38 bilhões.
Não por causa das exportações,
mas das importações. Neste mês,
provavelmente vamos bater o recorde de importação, com a perspectiva de atingir US$ 7 bilhões.
Folha - O sr. é a favor do aumento
da meta de superávit primário,
além dos 4,25% do PIB?
Furlan - Eu não sou especialista
no assunto, mas o superávit primário produziu efeitos benéficos.
Estamos vivendo um momento
em que nossa estabilidade econômica está sendo testada, sem dano, com sucesso, com resistência.
Folha - Está sendo testada pela
crise política?
Furlan - Em condições normais,
você teria turbulências imensas
nos dados econômicos. Se você
olhar, nós estamos há dois, três
meses com uma tranqüilidade
inesperada por muitos. O que
mostra que os pilares estão firmemente plantados. O que acho razoável é pensarmos daqui para a
frente, não para trás.
Folha - O que o sr. ajustaria pensando para a frente?
Furlan - Acho que o presidente
Lula, com essa experiência de
2005, enxergará o sucesso e a segurança que está dando a economia. Em boa parte, o setor produtivo e o financeiro estão passando
ao largo das questões da política.
E isso é positivo. A partir desse
patrimônio adquirido, a duras penas, podemos olhar para metas
ainda mais arrojadas.
Folha - Quais, por exemplo?
Furlan - Desonerar mais fortemente a produção e o consumo
de bens populares. Com isso, estimulam-se o investimento e a demanda num segmento da população que não consome mais por
não ter renda. Não desconsideraria também essa proposta de desonerar o setor elétrico. Todos sabem que o Brasil precisa investir
na área para garantir nossa expansão daqui a cinco, seis anos.
Folha - Quanto o sr. acha que o
país vai crescer em 2005?
Furlan - Acima de 4%.
Folha - Não é muito otimismo? O
próprio Lula disse que o crescimento "não será uma Brastemp".
Furlan - Qual foi o único ministro que disse que iríamos bater
perto dos 5% em 2004 [o país
cresceu 4,9%]? Então, tem que ter
um otimista de plantão.
Folha - Mas é só otimismo?
Furlan - Não, é temperatura. Vamos ver os números. Eles são animadores. Nós vamos bater recorde de importação neste mês. É
importação de bens de capital,
matérias-primas e componentes,
sendo puxada por investimento.
Folha - Falando de mercado, o sr.
acha que ele é irracional ou só enxerga o que deseja? Afinal, quando
Rogério Buratti deu depoimento
ao Ministério Público envolvendo o
ministro Palocci, a reação foi ruim.
Na quinta, ele depôs na CPI, deu
mais detalhes e a reação foi positiva. O que aconteceu?
Furlan - A reação inicial foi por
força de uma declaração unilateral. A reação desta semana [passada], mais madura, foi pesando os
dois lados. Isso mostra a consistência dos argumentos de Palocci
e a credibilidade que ele tem.
Folha - Dois anos e oito meses
após assumir o ministério, o sr. não
se sente surpreendido por tudo o
que está acontecendo? Havia dúvidas sobre a economia e nenhuma
sobre como seria o governo na área
social e ética. Houve exatamente o
contrário. O sr. está decepcionado?
Furlan - Não. Os desafios do Brasil são grandes. Entre teoria e prática, precisa ter gerenciamento.
Não considero que o projeto de
governo de Lula seja malsucedido. Eu me acostumei a trabalhar
com fatos e dados, números e objetivos, e não com as emoções do
debate político. Se você olhar fatos, dados e números, o saldo é
positivo e será ainda maior.
Folha - Por que a impressão de
que Lula dificilmente se reelege?
Furlan - O país como um todo
tem uma grande deficiência de
comunicação. Eu tenho ido a 60
países. Há poucos dias fomos à
Nigéria. Quando disse a meu colega ministro que o Brasil exportava
150 aviões a jato, ele olhou pra
mim como se eu fosse um E.T.
Então, a nossa comunicação pra
fora e para dentro é frágil. Os brasileiros não sabem o que o Brasil
faz, a tecnologia que temos, os talentos que temos na ciência.
Folha - Por melhor que seja a comunicação, é difícil imaginar que
não estaríamos enfrentando uma
crise política diante de tudo que
veio à tona, com envolvimento do
PT com saques em dinheiro, mandatos de deputados, muitos do PT,
correndo risco. Por mais que fosse
competente a comunicação...
Furlan - Eu não tenho experiência político-partidária. O que posso dizer é que já fui coordenador
de comitê de auditoria de grandes
organizações. E o comitê de auditoria é onde você vê os podres de
uma organização, ao menos os
identificados. E você propõe soluções. Toda grande organização
tem diariamente problemas, o
que você precisa ter é um mecanismo que reduza ao mínimo as
más práticas e puna aqueles que
transgridem. Mas isso não vem
em prejuízo da organização. Aqui
está se cometendo um erro de
misturar possíveis transgressões
de pessoas com a organização, como um todo. Não estou falando
do PT, estou falando do governo.
Folha - Mas gente do governo está sendo apontada como envolvida, como o ex-ministro José Dirceu.
Furlan - Não tenho condições de
responder a essas perguntas, você
está entrando num terreno que
não domino, não tenho informações para responder isso.
Folha - O sr. acredita na reeleição
do presidente Lula?
Furlan - Eu não acho isso importante no momento. A prioridade
de Lula e a nossa é que possamos
levar adiante iniciativas que consolidem a presença num governo
que fez progresso, avanços na
questão social, que aprofundou o
crescimento. Essa é a missão. Eu
acho que neste ano vão acontecer
coisas boas, estão acontecendo.
Folha - O ex-presidente FHC disse
considerar muito difícil que o presidente Lula não soubesse do que estava acontecendo em seu partido,
com sistemas irregulares de financiamento. O sr. concorda com ele?
Furlan - Não concordo. Eu acho
que quem é presidente de uma organização, como eu fui, sabe que a
grande habilidade e a responsabilidade de um presidente é compor
uma equipe e, a partir dela, fazer
uma administração horizontal.
Um presidente de uma grande organização não pode ter mais do
que sete, oito subordinados diretos. O presidente FHC deve saber
disso. É a partir desses subordinados diretos que flui a gestão. Se há
alguma falha nesse nível, não necessariamente o presidente fica
sabendo, porque a falha foi a jusante. Isso é normal acontecer.
Folha - O sr. tem conversado Lula
sobre a crise? Como ele está?
Furlan - Eu acredito que o presidente se surpreendeu muito. Ele
não tinha uma estrutura preparada para gerenciar uma crise dessa
amplitude. Ele organizou um comitê de gerenciamento de crise, e
acho que, com isso, ele está tendo
uma consistência melhor das
ações que precisa tomar.
Folha - Ele pecou no início por falta dessa estrutura?
Furlan - O presidente foi pego
desprevenido. Como eu falei, numa grande organização você tem
cargos de confiança, e houve, aparentemente, quebra de confiança.
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