São Paulo, terça-feira, 28 de agosto de 2007

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sociais & cia

Dependência encurta vida de ação social

Especialistas dizem que, para evitar morte prematura, projeto deve buscar independência em relação à empresa financiadora

Paternalismo na relação da empresa com ação social e concentração do projeto num executivo só podem ser fatais à sustentabilidade

Rafael Andrade/Folha Imagem
Jovens treinam no Projeto Olímpico Mangueira, no Rio de Janeiro, que trocou de patrocinador e hoje é apoiado pela Petrobras


ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nem sempre os projetos de responsabilidade socioambiental no mundo corporativo são, para usar um termo largamente empregado no meio, sustentáveis. Ainda que não existam estatísticas confiáveis sobre o assunto, especialistas são unânimes em afirmar que a morte prematura de projetos de responsabilidade tocados pela iniciativa privada, em parceria ou não com governos, figura como um problema importante para o setor.
Os motivos são vários. Mudanças de gestão nas empresas, dificuldades orçamentárias, divergências de orientação com políticas públicas e com as entidades patrocinadas figuram entre os principais. O crescimento exponencial de projetos e entidades nos últimos anos, com centenas de empresas participantes e milhões de pessoas direta ou indiretamente envolvidas, também colabora.
Para o presidente do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), Marcos Kisil, boa parte desse problema guarda relação com o que ele considera uma visão paternalista por parte das empresas nos seus investimentos socioambientais. O que acaba criando, em sua opinião, uma relação estrita de dependência entre as empresas e os projetos que elas apóiam. E tornando, assim, a sustentabilidade dos últimos condicionada à dos primeiros.
"O paternalismo, do qual a dependência é a outra face, infelizmente ainda aparece como uma tendência muito forte no investimento social brasileiro. Há uma grande dificuldade para mudar essa visão, mas é necessário. Afinal, os projetos precisam andar com as próprias pernas, esse é um princípio básico do investimento social", ilustra Kisil.
A gerente-geral de sustentabilidade da Philips para a América Latina, Flavia Moraes, concorda. "Os projetos não só têm de amadurecer e ganhar independência no médio e longo prazos como também serem replicáveis. As empresas também precisam ser responsáveis para não criar relações de dependência que acabem, no futuro, prejudicando os próprios projetos e as comunidades envolvidas", diz ela.

Mudanças de gestão
A onda de fusões e aquisições do mundo corporativo, que implica muitas vezes mudanças de gestão e reestruturações complexas nas empresas, também aparece como um fator relevante nesse debate. O caso recente do Instituto Telemig Celular é um exemplo.
Seu projeto social de maior relevância, que estimulava a formação de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e de Conselhos Tutelares em Minas Gerais, foi descontinuado, uma decisão tomada na esteira de uma mudança da diretoria, em outubro. A empresa alega que já se havia "fechado um ciclo" na criação dos conselhos e que a paralisação do projeto não guarda nenhuma relação com a mudança de gestão. Mas pessoas que acompanharam o projeto acham que ele foi encerrado de forma abrupta.
Nos casos em que é impossível continuar apoiando um projeto, o recomendável, dizem os especialistas, é que as empresas procurem outros interessados para assumir a sua gestão. Foi o que fez a subsidiária da Xerox no Brasil. Mesmo em dificuldades financeiras, a empresa continuou apoiando um projeto desportivo no Morro da Mangueira, no Rio, até encontrar um parceiro para assumir a sua gestão. O Projeto Olímpico Mangueira, que existia há 19 anos, foi assumido pela Petrobras e ampliado.
Há também exemplos, destaca o secretário-geral do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), Fernando Rossetti, em que a simples troca de cadeiras em uma empresa ou em uma fundação a ela ligada representa riscos para a continuidade dos projetos. É o que ele chama de "amnésia sistêmica": "Basicamente, o fato de a memória da empresa na área socioambiental não ter sido devidamente institucionalizada, ficando, por conta disso, personalizada na figura de um ou outro executivo", aponta Rossetti. "Esse executivo, ao sair da empresa, leva junto com ele essa memória. Existem casos de empresas em que, após uma troca de comando, ninguém sabia nem sequer o motivo de determinado investimento social."

Problemas com as ONGs
E há inúmeros casos em que o problema não envolve as empresas, mas sim as entidades que elas apóiam ou financiam para a realização dos projetos. As descobertas recentes sobre desvios milionários de dinheiro público envolvendo ONGs, por exemplo, ainda estão frescas na memória de quem trabalha no terceiro setor. Os resultados, muitas vezes, são uma dor de cabeça institucional para as empresas. E um fim prematuro dos projetos.
"Esse é um grande desafio para o setor hoje e que está levando, por exemplo, a um esforço maior no sentido de cadastrar as entidades, de fazer uma gestão dessa informação, como é o caso da base comum de informações sobre ONGs que a Serasa está criando", relata o secretário-geral do Gife. "Além disso, as empresas precisam buscar informações sobre as entidades, e as redes de relacionamento no setor são importantes nesse sentido", afirma.
Possíveis divergências entre as linhas de atuação do investimento social das empresas e as políticas públicas para determinadas áreas, com destaque para a educação e a saúde, igualmente figuram como um risco importante para a sustentabilidade. Um projeto educacional que não tenha convergência com as políticas públicas pode, por exemplo, criar uma "ilha" na região ou comunidade em que foi aplicado. Reforçando uma relação de dependência dos projetos em relação às empresas que, novamente, não é saudável.
"O ideal é que trabalhem sempre convergindo, não divergindo", conclui Flávia Moraes, da Philips.


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