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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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MUITO ALÉM DO ORÇAMENTO

Com ajuda de bancos, municípios obtêm empréstimos em nome de seus próprios empregados

Prefeitura usa funcionário para se endividar


ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Operações de crédito oferecidas por bancos abriram uma brecha para que municípios e ao menos um Estado driblem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A Folha apurou que é crescente o número de administrações públicas que, para financiarem seus caixas, simulam empréstimos a seus funcionários por meio de convênios com bancos.
Fazem ou fizeram isso o governo de Mato Grosso do Sul, os municípios de Cuiabá -capital de Mato Grosso-, Laguna e Itapema, ambos em Santa Catarina.
Utilizados como intermediários nessas operações, alguns desses funcionários foram especialmente prejudicados: tiveram seus nomes incluídos no SPC (Sistema de Proteção ao Crédito) porque os empréstimos acabaram não sendo pagos por seus empregadores.
Os esquemas montados por prefeituras e governos estaduais começaram a ser adotados com mais frequência depois de 2000, quando foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabeleceu limites para o endividamento dos governos.
Proibidos de contrair empréstimos para pagamento de salários, governos têm encontrado nessas operações uma saída para se endividar, driblando a legislação.
Quando não têm caixa para pagar salários, muitas vezes já atrasados, as administrações "oferecem" duas opções a seus empregados: ficam sem salários ou aceitam contrair empréstimos bancários em seus próprios nomes.
Informalmente, os funcionários recebem a promessa de que os empréstimos e os juros serão pagos mais tarde pelas prefeituras ou pelos governos. O financiamento é firmado por meio de CDCs (Créditos Diretos ao Consumidor).
"Se o real devedor é o governo, a operação feita em nome do funcionário caracteriza uma simulação de negócio jurídico. Além de representar um drible na LRF, isso fere os princípios da legalidade e da moralidade previstos no artigo 37 da Constituição Federal", diz Marcos Antônio da Nóbrega, advogado especializado em direito administrativo público.

Como pagar
As operações são elaboradas em detalhes. Depois de emprestar o dinheiro, os bancos recebem as prestações de duas formas distintas. Alguns contratos prevêem o débito automático, feito diretamente pelo banco na conta do funcionário público. O governo, nesses casos, deposita mais tarde um valor "extra" na conta do empregado, equivalente às prestações dos empréstimos.
Quando o método funciona tal como planejado, o governo acaba honrando as despesas contraídas em nome de seus empregados -incluindo juros e a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
Na prática, no entanto, isso nem sempre ocorre. Nos municípios de Laguna e de Itapema, funcionários públicos acabaram inscritos nas listas negras de devedores depois que as prefeituras deixaram de pagar ao banco as prestações.
Esses dois casos mostram que, embora prefeituras e governos estaduais assumam verbalmente a responsabilidade pela quitação dos empréstimos, todo o risco da operação é do empregado que, além de ficar com seu limite de financiamento quase sempre estourado, pode terminar inadimplente caso o governo não cumpra sua parte no acordo.
Em outros casos, os próprios funcionários têm sido obrigados a arcar com os custos da CPMF.
É o que ocorreu em Cuiabá, numa operação firmada em 2002 que gerou obrigação tributária em nome dos empregados.
Para evitar o pagamento da CPMF por seus funcionários, outras administrações, como a do Estado de Mato Grosso do Sul, comprometeram-se com o banco que concedeu o financiamento a "descontar" as prestações diretamente da folha de pagamento.
Por meio dessa estratégia, o Estado devolve o empréstimo diretamente ao banco. Com isso, escapa da cobrança do tributo por uma razão legal: a Constituição proíbe o governo federal, Estados e municípios de cobrarem tributos uns dos outros.

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