São Paulo, terça-feira, 28 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Fiesp, que bicho é esse?

BENJAMIN STEINBRUCH

Acabou a disputa eleitoral na Fiesp. A nova diretoria, empossada ontem, tem agora de se concentrar na tarefa de trabalhar pelo país. Não se trata de simples retórica: trabalhar pelo país é a função número um de uma entidade que congrega representantes de empresas responsáveis por 43% da produção industrial brasileira.
No caso da Fiesp, trabalhar pelo país significa atuar para aumentar a produção e, conseqüentemente, o emprego e a renda dos brasileiros. Vale, portanto, enumerar algumas tarefas que a nova Fiesp terá de cumprir para estimular a economia.
Não haverá crescimento continuado da produção enquanto prevalecer aquilo que o ex-ministro Delfim Netto chama de terrorismo monetário. Então, cabe à Fiesp propor fórmulas alternativas a essa política, que permitam exorcizar a idéia equivocada de que o Brasil não sobrevive com um juro real básico inferior a 10%, a chamada taxa de equilíbrio. A batalha contra esses juros altos e a preponderância do setor financeiro na economia tem de ser sistemática, vigorosa e persistente.
Não haverá investimentos suficientes para sustentar o crescimento enquanto prevalecer a conduta do CMN (Conselho Monetário Nacional) em relação à TJLP. Essa taxa, hoje fixada em 9,75%, serve de base para todas as operações de crédito de longo prazo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Ela é aplicada em mais de 400 mil contratos. Com a TJLP de 9,75%, os recursos do BNDES acabam custando entre 16% e 18% ao ano, incluindo a remuneração do banco de fomento e dos bancos repassadores. Então, a Fiesp tem a obrigação de jogar duro para forçar a redução dessa taxa. A própria diretoria do BNDES vem propondo o corte para 8%, e o CMN deve fixar amanhã a taxa para o último trimestre do ano.
Não haverá crescimento continuado se o Brasil não aumentar sua presença nos mercados internacionais, por meio de exportações, que hoje respondem por apenas 0,8% do comércio mundial. Taxa de câmbio ajustada é o alimento mais saudável para nutrir o exportador. A vigilância cambial é indispensável para que o governo não volte a adotar a valorização artificial da moeda para segurar a inflação. Sempre que usou essa fórmula, colheu o desastre.
Nesse campo, ninguém duvida também da importância dos acordos de livre comércio que estão sendo negociados pelo país com os Estados Unidos (Alca) e com a União Européia. Ficar fora deles condenaria o Brasil ao isolamento comercial. Porém é preciso negociá-los de forma a obter benefícios para o país, pela criação de empregos e pela oferta de bem-estar aos brasileiros. À Fiesp, então, cabe interferir de forma pró-ativa na discussão desses acordos, que dizem respeito a produção, postos de trabalho e fatias do mercado global.
Não haverá futuro para os empreendimentos brasileiros se o governo continuar cedendo à tentação de aumentar impostos, num ritmo que vai fazer a receita tributária federal deste ano superar em R$ 12 bilhões a previsão mais otimista. Então, a Fiesp tem a obrigação de buscar argumentos para convencer o governo de que a renúncia fiscal de hoje representa a arrecadação de amanhã, porque a desoneração faz crescer a produção, o que gera mais imposto.
Não se construirá no país um parque industrial vigoroso sem uma política industrial voltada para estimular setores estratégicos. Faliu a velha tese do Consenso de Washington, segundo a qual caberia ao governo apenas regular e vigiar o funcionamento da livre concorrência e deixar que as próprias forças do mercado forjassem o desenvolvimento industrial. O direcionamento do Estado foi fundamental para desenvolver no passado os atuais países ricos e continua fundamental hoje para sustentar o avanço dos emergentes asiáticos, ricos de amanhã. Nessa área, omissão da Fiesp é inaceitável.
Por último, mas não menos importante, não haverá desenvolvimento do país, por mais globalizado que o mundo esteja, sem formação e sobrevivência de grandes grupos nacionais internacionalizados. Encurraladas por falta de crédito de longo prazo, juros exorbitantes e impostos abusivos, as empresas nacionais vêm sendo entregues à sua própria sorte na competição com os grupos globais.
Dos retratos pendurados nas paredes da própria Fiesp/Ciesp pode-se tirar uma lição. Uma reportagem da última "Exame" mostrou a foto dos nove grandes empresários paulistas que fundaram a entidade, em 1928. Ao fazer um levantamento para saber que fim tiveram os grupos pertencentes a esses nove empresários, a revista chegou ao seguinte resultado: só três sobrevivem até hoje. E se passaram apenas 76 anos.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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