São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

2006 não será nenhum passeio

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Aos funcionários públicos

Quero falar um pouco sobre as eleições municipais e o que elas podem sinalizar para as eleições de 2006. Começo com um episódio acontecido há mais de dez anos, mas nem por isso menos relevante para o momento atual. Em uma mesa de debates, eram dois os principais expositores. De um lado, um conhecido físico nacionalista, um senhor de certa idade, mas vigoroso nas idéias e na forma de expressá-las. De outro, um também conhecido economista e político paulista, do PT, tão arrojado e enfático quanto o seu companheiro de mesa. O físico defendeu suas idéias nacionalistas com clareza e sem concessões, como é do seu feitio. O economista petista aproveitou para fazer a sua média com as teses da moda (já é antigo o processo de conversão de diversas lideranças desse partido) e atacou duramente o nacionalismo do seu interlocutor, lançando mão de adjetivos como "ultrapassado" e equivalentes. Entusiasmado com a própria "modernidade", o petista arriscou uma piada: "Essas idéias são da geração Dalva de Oliveira".
Para quê? O nosso físico subiu nas tamancas, tomou o microfone e descascou o bambu no economista. Desmontou os argumentos cosmopolitas do paulista e finalizou: "Antes pertencer à geração Dalva de Oliveira do que à geração Roberta Close!". O auditório veio abaixo, e o economista petista saiu com o rabo entre as pernas (com perdão da expressão).
Volto aos dias atuais. Pode-se dizer que os partidos que integram a base do governo federal, inclusive o PT, tiveram bons resultados em muitas cidades importantes. Em Belo Horizonte, por exemplo, o prefeito Fernando Pimentel, do PT, reelegeu-se com folga no primeiro turno. Trata-se, aliás, de figura promissora, que ainda poderá desempenhar papel importante na política nacional. Outros exemplos: as vitórias dos prefeitos petistas Marcelo Déda e João Paulo, ambos reeleitos com folga, já no primeiro turno, em Aracaju e Recife, respectivamente.
Porém um outro aspecto do resultado das eleições merece ser destacado: o fracasso do PT em várias grandes cidades do Estado de São Paulo. Em Ribeirão Preto, o candidato do companheiro Palocci não chegou nem ao segundo turno. Em Campinas, o candidato petista também ficou fora do segundo turno. Em São Bernardo do Campo, cidade do presidente da República, Vicentinho, figura de proa do PT, também foi fragorosamente derrotado. E aqui, na capital, a derrota da companheira Marta parece provável, apesar dos esforços em seu favor do governo federal, que considerava São Paulo como um campo emblemático de disputa com a oposição.
Razões estritamente locais certamente pesaram nesses resultados. Mas é significativo que vários integrantes da cúpula do PT tenham sofrido derrotas eleitorais acachapantes em São Paulo. Não se deve perder de vista que o PT paulista é a fração hegemônica do PT nacional. Boa parte da cúpula do governo e do partido é daqui de São Paulo.
É no PT paulista que se destaca a "geração Roberta Close", talvez pela proximidade geográfica com o poder econômico e financeiro, com todos os seus meios de sedução e tentação. Há muitas exceções importantes, mas a verdade é que várias lideranças paulistas do PT já fizeram o seu "aggiornamento" há bastante tempo. Quem conhece um pouco a trajetória desses políticos não se surpreendeu totalmente com o que aconteceu no governo Lula até agora.
Assim, o susto proporcionado pelas eleições municipais é bem-vindo. Do ponto de vista nacional, o PT e os demais partidos que dão sustentação ao governo Lula estão em dívida com o seu eleitorado. A maioria dos eleitores não estava, e nem podia estar, a par da grande influência exercida pelo "modelo Roberta Close". Mesmo os que tinham alguma noção disso ficaram surpresos com a extraordinária, para não dizer escandalosa, dissonância entre os compromissos de campanha e a atuação em Brasília.
Como se sabe, os petistas praticamente não cumpriram o que prometeram. Ainda bem, pois algumas promessas e propostas tradicionais do PT, especialmente na área econômica, eram bastante primitivas. Mas nem tudo era bobagem, longe disso. E, de qualquer maneira, não há governo que possa se consolidar e fazer respeitar se não mantém um mínimo de coerência entre o seu comportamento na oposição e no poder.
Vamos dar os funcionários públicos como exemplo, já que hoje é seu dia. Esse era um setor maciçamente petista, que encarava a perspectiva de um governo Lula com otimismo e até entusiasmo. Assim, a decepção foi enorme, e não preciso nem lembrar por quê. Ora, que sentido faz agredir frontalmente um setor da sociedade que dava sustentação ao PT havia tantos anos? O pior é que não há governo que possa funcionar sem o concurso do corpo de servidores permanentes do Estado. Se o governo Lula tivesse tido um mínimo de sabedoria, teria atendido algumas de suas reivindicações e evitado truculências na reforma previdenciária. Teria agradado menos aos volúveis mercados financeiros, mas contaria hoje com o apoio e o trabalho dedicado dos seus servidores em todos os níveis. As suas condições práticas de funcionamento seriam certamente muito melhores.
Os resultados das eleições em São Paulo, berço e centro de gravidade do PT, constituem um prenúncio do que poderão ser as eleições de 2006. A "geração Roberta Close" vai ter que rebolar.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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