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ARTIGO
O giro que se alarga
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
Os dados econômicos raramente inspiram pensamentos
poéticos. Mas, enquanto contemplava os mais recentes números, percebi que corria por
meus pensamentos um poema
de William Butler Yeats: "Rodando e rodando no giro que se
alarga/ O falcão já não ouve o
falcoeiro;/ As coisas se desfazem, o centro já não sustém".
O giro que se alarga, no caso,
seriam os canais de realimentação (adeus, poesia) que causaram a crise financeira e estão
girando fora de controle em ritmo cada vez mais intenso. E o
falcoeiro trapalhão, imagino,
seria Henry Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA.
E o giro continua a se alargar
de maneiras novas e assustadoras. Os economistas vinham
imaginando já há algum tempo
por que os fundos de hedge não
estão sofrendo mais, em meio à
carnificina financeira. Podem
parar de imaginar: os investidores estão retirando dinheiro
desses fundos, o que força os
administradores a levantar capital por meio de vendas apressadas de ações e outros ativos.
A coisa mais chocante, porém, é a maneira pela qual a crise está se espalhando aos mercados emergentes, como Rússia, Coréia do Sul e Brasil.
Esses países ocuparam posição central na última grande
crise financeira mundial, no final dos anos 90 (que parecia
muito séria então, mas não passava de um dia na praia, diante
do que enfrentamos agora).
Eles responderam à experiência acumulando vastas reservas
de dólares e euros, que supostamente os protegeriam em caso
de quaisquer futuras emergências. E, não muito tempo atrás,
todo mundo falava em "descolamento", a suposta capacidade
das economias de mercado
emergente de continuar crescendo mesmo que os Estados
Unidos entrassem em recessão.
"O descolamento não é mito",
garantia a revista "The Economist" aos seus leitores, em
março. "De fato, ele pode vir a
salvar a economia mundial."
Isso foi em março. Agora, os
mercados emergentes estão
enfrentando sérios problemas.
De fato, afirma Stephen Jen,
economista-chefe do Morgan
Stanley para questões cambiais, a "aterrissagem dura" dos
mercados emergentes ainda
pode se tornar o "segundo epicentro" da crise mundial. (Os
mercados financeiros norte-americanos foram o primeiro.)
O que aconteceu? Nos anos
90, os governos dos mercados
emergentes estavam vulneráveis porque tinham o hábito de
tomar empréstimos no exterior; quando o influxo de dólares secou, eles foram levados à
beira do precipício. Desde então, esses países tomaram empréstimos principalmente nos
mercados internos, enquanto
acumulavam reservas em dólares. Mas essa cautela foi destruída pelo desdém do setor
privado em relação aos riscos.
Na Rússia, por exemplo, bancos e empresas correram a obter empréstimos no exterior,
porque as taxas de juros que incidiam sobre o dólar eram muito inferiores à do rublo. Assim,
embora o governo russo estivesse acumulando reservas
cambiais, as empresas e os bancos russos estavam acumulando dívidas impressionantes em
dólares. Agora as linhas de crédito foram cortadas e a situação
das empresas é desesperadora.
Seria desnecessário dizer que
os problemas atuais no sistema
bancário, e mais novos problemas dos fundos de hedge e nos
mercados emergentes, se reforçam mutuamente. Más notícias
geram más notícias, e o ciclo de
dor continua a se alargar.
Enquanto isso, as autoridades norte-americanas continuam a vacilar quanto a fazer o
necessário para conter a crise.
Que Paulson tenha enfim
concordado em canalizar capital para o sistema bancário em
troca de controle parcial foi
uma boa notícia. Mas, na semana passada, Joe Nocera, do
"New York Times", apontou
para um ponto fraco sério do
plano de resgate a bancos do
Tesouro: ele não oferece salvaguardas contra a possibilidade
de que os bancos simplesmente
mantenham o dinheiro parado.
E a impressão é a de que os bancos estão retendo o dinheiro.
Também há coisas bizarras
acontecendo quanto ao mercado de hipotecas. Eu imaginava
que o aspecto central da tomada de controle das agências de
crédito hipotecário Freddie
Mac e Fannie Mae pelo governo federal fosse remover os temores quanto à sua solvência e
com isso reduzir os juros hipotecários. Mas importantes funcionários do governo fizeram
questão de negar que as dívidas
da Fannie e Freddie contem
"com plena fé e garantia" do governo, e como resultado os
mercados tratam os papéis das
duas instituições como ativos
de risco, elevando os juros.
O que está acontecendo, suspeito, é que a ideologia contrária à intervenção que domina o
governo Bush continua impedindo ações efetivas.
Quaisquer que sejam os motivos da fraqueza que continua
a ser demonstrada em termos
de políticas públicas, é evidente
que a situação não está sob controle ou a caminho disso. As
coisas continuam a se desfazer.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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