São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 2008

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ARTIGO

O giro que se alarga

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Os dados econômicos raramente inspiram pensamentos poéticos. Mas, enquanto contemplava os mais recentes números, percebi que corria por meus pensamentos um poema de William Butler Yeats: "Rodando e rodando no giro que se alarga/ O falcão já não ouve o falcoeiro;/ As coisas se desfazem, o centro já não sustém".
O giro que se alarga, no caso, seriam os canais de realimentação (adeus, poesia) que causaram a crise financeira e estão girando fora de controle em ritmo cada vez mais intenso. E o falcoeiro trapalhão, imagino, seria Henry Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA.
E o giro continua a se alargar de maneiras novas e assustadoras. Os economistas vinham imaginando já há algum tempo por que os fundos de hedge não estão sofrendo mais, em meio à carnificina financeira. Podem parar de imaginar: os investidores estão retirando dinheiro desses fundos, o que força os administradores a levantar capital por meio de vendas apressadas de ações e outros ativos. A coisa mais chocante, porém, é a maneira pela qual a crise está se espalhando aos mercados emergentes, como Rússia, Coréia do Sul e Brasil.
Esses países ocuparam posição central na última grande crise financeira mundial, no final dos anos 90 (que parecia muito séria então, mas não passava de um dia na praia, diante do que enfrentamos agora).
Eles responderam à experiência acumulando vastas reservas de dólares e euros, que supostamente os protegeriam em caso de quaisquer futuras emergências. E, não muito tempo atrás, todo mundo falava em "descolamento", a suposta capacidade das economias de mercado emergente de continuar crescendo mesmo que os Estados Unidos entrassem em recessão.
"O descolamento não é mito", garantia a revista "The Economist" aos seus leitores, em março. "De fato, ele pode vir a salvar a economia mundial." Isso foi em março. Agora, os mercados emergentes estão enfrentando sérios problemas.
De fato, afirma Stephen Jen, economista-chefe do Morgan Stanley para questões cambiais, a "aterrissagem dura" dos mercados emergentes ainda pode se tornar o "segundo epicentro" da crise mundial. (Os mercados financeiros norte-americanos foram o primeiro.) O que aconteceu? Nos anos 90, os governos dos mercados emergentes estavam vulneráveis porque tinham o hábito de tomar empréstimos no exterior; quando o influxo de dólares secou, eles foram levados à beira do precipício. Desde então, esses países tomaram empréstimos principalmente nos mercados internos, enquanto acumulavam reservas em dólares. Mas essa cautela foi destruída pelo desdém do setor privado em relação aos riscos.
Na Rússia, por exemplo, bancos e empresas correram a obter empréstimos no exterior, porque as taxas de juros que incidiam sobre o dólar eram muito inferiores à do rublo. Assim, embora o governo russo estivesse acumulando reservas cambiais, as empresas e os bancos russos estavam acumulando dívidas impressionantes em dólares. Agora as linhas de crédito foram cortadas e a situação das empresas é desesperadora.
Seria desnecessário dizer que os problemas atuais no sistema bancário, e mais novos problemas dos fundos de hedge e nos mercados emergentes, se reforçam mutuamente. Más notícias geram más notícias, e o ciclo de dor continua a se alargar.
Enquanto isso, as autoridades norte-americanas continuam a vacilar quanto a fazer o necessário para conter a crise.
Que Paulson tenha enfim concordado em canalizar capital para o sistema bancário em troca de controle parcial foi uma boa notícia. Mas, na semana passada, Joe Nocera, do "New York Times", apontou para um ponto fraco sério do plano de resgate a bancos do Tesouro: ele não oferece salvaguardas contra a possibilidade de que os bancos simplesmente mantenham o dinheiro parado.
E a impressão é a de que os bancos estão retendo o dinheiro.
Também há coisas bizarras acontecendo quanto ao mercado de hipotecas. Eu imaginava que o aspecto central da tomada de controle das agências de crédito hipotecário Freddie Mac e Fannie Mae pelo governo federal fosse remover os temores quanto à sua solvência e com isso reduzir os juros hipotecários. Mas importantes funcionários do governo fizeram questão de negar que as dívidas da Fannie e Freddie contem "com plena fé e garantia" do governo, e como resultado os mercados tratam os papéis das duas instituições como ativos de risco, elevando os juros.
O que está acontecendo, suspeito, é que a ideologia contrária à intervenção que domina o governo Bush continua impedindo ações efetivas. Quaisquer que sejam os motivos da fraqueza que continua a ser demonstrada em termos de políticas públicas, é evidente que a situação não está sob controle ou a caminho disso. As coisas continuam a se desfazer.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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