São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Liberalização não traz eficiência a mercados

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A economia não vive sem alguma ideologia, mas é curioso como a pesquisa econômica mais avançada continua colocando em xeque alguns dos princípios mais difundidos e supostamente inquestionáveis da "boa doutrina". As virtudes da liberalização dos mercados continuam sendo as principais vítimas nesse processo de crítica e autocrítica.
Leia-se, por exemplo, o insuspeito "Journal of Multinational Financial Management" (volume 9, edição de novembro de 1999, publicado pela editora Elsevier). Há nessa edição um estudo, bastante sofisticado tecnicamente, que levanta sérias dúvidas quanto aos efeitos da liberalização financeira nos mercados de ações que ficaram conhecidos como "emergentes" (ou seja, de países menos desenvolvidos).
O texto é "Financial liberalization and stock market efficiency: an empirical examination of nine emerging market countries" ("Liberalização Financeira e Eficiência do Mercado Acionário: exame empírico de nove mercados emergentes"), escrito pelos professores Hiroyuki Kawakatsu e Matthew R. Morey, do departamento de economia da Universidade da Califórnia em Irvine e do Smith College de Massachusetts.
Segundo a hipótese dos mercados eficientes em finanças, na medida em que ocorrer a liberalização e houver maior acesso do público aos mercados de ações, as cotações passarão a refletir uma disponibilidade maior de informação.
Ou seja, a teoria prevê que o aumento na oferta de informação levará a um aumento na eficiência do processo de formação de preços no mercado de ações.
Kawakatsu e Morey realizaram uma bateria de testes econométricos usando dados de nove países em dois períodos de liberalização financeira. Os nove países pesquisados foram Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Índia, Coréia do Sul, México, Tailândia e Venezuela. O período analisado vai de 1976 a 1997.
O resultado: apesar de a teoria sugerir o contrário, descobriram que a liberalização não aumentou a eficiência dos mercados emergentes. Aliás, a maioria dos testes econométricos indicou que esses mercados já eram bastante eficientes antes da liberalização.
Os testes não confirmam a hipótese de que a abertura ao capital estrangeiro aumentou a eficiência dos mercados. Isso não significa que esses economistas são contra a liberalização. Reformas desse tipo são em geral acompanhadas por outras mudanças. Portanto, nada garante que os mercados reajam a medidas na área de investimento ou comércio.
Ocorre que "não ser contra" ou "não confirmar a hipótese" significa deixar os defensores da liberalização sob suspeita. Principalmente quando se constata que, depois da liberalização, outras características acabaram se impondo, tais como a valorização excessiva e insustentável das cotações (os fenômenos conhecidos como "bolhas especulativas").
Talvez, sem a liberalização, o resultado fosse até pior (do ponto de vista dos investidores e do financiamento às empresas).
Depende do critério usado na medida dos resultados e mesmo na definição do que é mais importante no funcionamento de um mercado, questão que nada tem de trivial.
Abrir espaço para esse tipo de questionamento já é suficiente para tomar distância com relação à defesa cega nas virtudes da liberalização dos mercados para os fluxos de investimento globais.
Distância, diga-se, que é ainda mais relevante num momento em que o debate econômico internacional se volta para os meios de reduzir a mobilidade dos capitais especulativos.


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