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QUEBRA DE SIGILO
Novo decreto assinado ontem desobriga os bancos de enviar ao fisco as movimentações de seus clientes
FHC recua e tira "superpoderes" da Receita
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Fernando Henrique Cardoso alterou ontem o decreto que facilitava o acesso da
Receita Federal a dados bancários
protegidos por sigilo e desobrigou
os bancos de informarem ao órgão as movimentações mensais
superiores a R$ 5.000, no caso de
pessoas físicas, e a R$ 10 mil, no
caso de empresas.
O decreto foi editado há um mês
para regulamentar uma lei complementar (a de nš 105) que vigora
desde janeiro de 2001 e que ampliou o poder de fiscalização da
Receita com o objetivo de aumentar o combate à sonegação.
A Folha apurou que o Palácio
do Planalto foi pressionado a recuar. O ministro-chefe da Casa
Civil, Pedro Parente, informou ao
presidente Fernando Henrique
Cardoso que havia forte resistência à medida.
O presidente editou um novo
decreto que, na prática, dispensa
os bancos de informar as movimentações superiores aos limites
estabelecidos anteriormente enquanto houver o recolhimento da
CPMF (Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira,
uma cobrança de 0,38% sobre saques e movimentações financeiras). A CPMF será cobrada até o
final de 2004.
A lei complementar nš 105 autorizou o acesso da Receita, independentemente de ordem judicial, a dados bancários sigilosos.
Outra lei autorizou o cruzamento
de declarações de renda com dados sobre a movimentação bancária, obtidos por meio do recolhimento da CPMF, para identificar sonegadores.
A Casa Civil negou que tenha
havido recuo. Disse que os bancos
teriam de informar a movimentação bancária duas vezes -a primeira delas relativa ao recolhimento da CPMF- e afirmou que
o novo decreto apenas simplifica
os procedimentos.
Contestação
As leis que ampliam os poderes
da Receita são contestadas no STF
(Supremo Tribunal Federal) por
meio de ações diretas de inconstitucionalidade. O principal argumento é a suposta violação do direito do cidadão à intimidade. Há
risco de elas serem derrubadas.
Não há data prevista para o julgamento, mas é provável que seja no
início de 2003.
As ações foram propostas pela
Confederação Nacional da Indústria, pela Confederação Nacional
do Comércio e pelo PSL (Partido
Social Liberal).
O decreto também seria questionado no Supremo. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já
havia decidido entrar com ação e
preparava o texto.
Logo após sua edição, o presidente do STF, ministro Marco
Aurélio de Mello, criticou a legislação de forma genérica. Disse
que a considera um instrumento
de coação política e citou o livro
"1984", de George Orwell.
O livro descreve uma sociedade
fictícia em que todas as pessoas
são vigiadas pelo governante, chamado "Big Brother" (ou "Grande
Irmão"), por meio de circuito de
monitores de TV.
Parecer
Para o presidente da OAB, Rubens Approbato, pesou na decisão de mudança do decreto o parecer elaborado pelos advogados
Ives Gandra da Silva Martins e
Miguel Reale.
O parecer contém o seguinte
trecho: "O decreto pune os bons
contribuintes deles retirando
qualquer garantia, visto que sempre dependerão de humores da
fiscalização, pródiga em ofertar à
lei distorcida interpretação. É que
o fisco, até por dever de ofício,
sempre tem por "suspeitos" todos
os cidadãos".
Approbato elogiou a mudança
no decreto. "A OAB não é contra
o combate à sonegação, mas entende que o governo havia transformado, por decreto, todo contribuinte brasileiro em sonegador. A Constituição contém o
princípio da presunção de inocência." Para ele, a exigência de
ordem judicial para a quebra do
sigilo não inibe o combate à sonegação.
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