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São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

O desafio do emprego

LUCIANO COUTINHO

Em visita a catadores de lixo em São Paulo, às vésperas deste Natal, o presidente Lula demonstrou com lágrimas sua angústia ante o desafio de criação de empregos.
O presidente está certo em temer que a reativação da economia não seja por si suficiente para criar empregos em grande escala. A lógica maximizadora da rentabilidade das empresas assim o impõe. Antes de contratar novos trabalhadores (especialmente em bases formais, dados os pesados encargos sobre a folha de pagamentos), os gestores procurarão fórmulas de aumento da produtividade e recorrerão a mais turnos de trabalho.
Os números são contundentes! Considerada essa lógica empresarial e sob as regras atuais, a retomada do crescimento do PIB a taxas próximas a 4% ao ano pode agregar cerca de 3,8 milhões de novos empregos e ocupações nos próximos três anos*. Nesse mesmo período ingressarão na força de trabalho cerca de 5 milhões de cidadãos -já considerando-se nesse cálculo que uma maior eficácia dos programas sociais estabilizará a oferta de trabalho na faixa etária de 15 a 19 anos e fará declinar moderadamente a oferta na faixa de 10 a 14 anos. Em suma, mesmo sob hipóteses razoavelmente otimistas, a criação de empregos será insuficiente, e isso se agrega ao atual quadro terrível, em que a população economicamente ativa alcançava no ano passado 86 milhões de brasileiros para apenas 78 milhões de postos de trabalho, incluindo aqueles sem rendimento!
Se o presidente Lula quiser -e quer!- romper com o lamentável imobilismo brasileiro -que diagnostica, mas não age!- para se aproximar de sua promessa de campanha (8 a 10 milhões de novos empregos), terá que fazer o seu governo se empenhar em políticas dirigidas à criação de empregos. Arrisco-me a apontar, a seguir, algumas direções.
Primeiro, a reativação da construção civil! Participei recentemente da formulação de um elenco de propostas (5º Construbusiness) para essa cadeia que, reconhecidamente, é a mais poderosa alavanca de multiplicação de empregos diretos e indiretos (indústrias e serviços associados).
Essa reativação requer várias iniciativas nas áreas regulatória e financeira. Desde logo é necessário imprimir maior velocidade à execução dos programas de habitação social já inscritos no Orçamento de 2004, em parceria com os municípios e Estados.
Paralelamente, é urgente implantar um conjunto de medidas para viabilizar o financiamento imobiliário às classes médias por meio do suporte de liquidez e de garantias à securitização dos certificados de recebíveis imobiliários e de outras medidas especificas (como racionalização tributária, adequação e segurança jurídica, solução extrajudicial de litígios, normas e tecnologia etc.).
É grande o potencial de desenvolvimento do financiamento securitizado no Brasil, à semelhança dos sistemas nas economias avançadas, notadamente nos EUA. No nosso caso será indispensável que o MF, o BC, a CEF e o setor bancário reúnam esforços imediatamente para operacionalizar um modelo adequado à nossa realidade, posto que a redução previsível da taxa de juros tornará factível a sua implantação.
No que toca à construção infra-estrutural, seja "excusado" sublinhar a urgência da viabilização da PPP e da instituição de marcos regulatórios eficientes para o saneamento básico (registre-se a disponibilidade de R$ 2,9 bilhões no Orçamento de 2004), energia e sistemas viários. Se empreendidos esses avanços institucionais e financeiros, seria possível a criação adicional de cerca de 2,5 milhões de novos postos de trabalho no próximo triênio, considerando toda a cadeia da construção.
Três outras iniciativas são ainda propostas. A aceleração da reforma agrária pode reduzir a pressão migratória campo-cidade. Uma expansão de programas bolsa-estágio (1º emprego), em parceria com o setor privado (com desoneração de encargos sociais), e o aperfeiçoamento dos programas de complementação de renda familiar a famílias pobres, vinculados à manutenção de crianças e adolescentes nas escolas, podem aliviar a pressão sobre a oferta de trabalho. Finalmente, se sugere a realocação da base de incidência dos encargos sobre a folha de pagamento, o que estimularia a formalização dos empregos. Isto seria bom para inclusão cidadã (emprego formal) e para o INSS.
A agenda acima não é fácil, mas está ao alcance e corresponde ao sonho do presidente. Se implementada, pode significar mais 7 milhões de novos empregos ou, com sorte, algo próximo a 8 milhões!


*Estimativa de Francisco Pessoa Faria, da LCA Consultores, com base em dados PNAD/IBGE e das Contas Nacionais

Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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