São Paulo, segunda, 28 de dezembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
As últimas palavras

JOÃO SAYAD

Ainda temos tempo para mais duas palavras antes de acabar o ano?
Passamos 98 reformando a Constituição com os seguintes objetivos: diminuir o déficit público, diminuir o custo da mão- de-obra, reduzir o desemprego e aumentar as exportações sem mexer no câmbio.
O desemprego é alto e tem crescido. Para o governo, a tendência ao desemprego é universal e decorre das novas tecnologias -automatização, robotização, novas formas de organização, informática etc. Enfim, o desemprego vem do progresso. Temos de reduzir o custo da mão-de- obra para aumentar o emprego.
Se as novas técnicas aumentam a produtividade, por que aumenta o desemprego? Por que é preciso flexibilizar a CLT ou reduzir os benefícios da Previdência para que o salário nominal possa cair?
Se uma vaca produzir mais leite por dia, isto é, se se tornar mais produtiva, seu preço sobe. Sobe em reais ou em dólares, isto é, a vaca fica mais cara, pois é mais produtiva.
O preço da vaca cai em termos de leite, isto é, a vaca custa menos em termos do leite que produz. Na linguagem corrente, cai o preço real da vaca.
A demanda de vacas não cai. Pode ficar constante se ninguém quiser consumir mais leite se disserem que leite aumenta o colesterol. Nesse caso, a demanda de vacas caiu por causa da propaganda contra o leite e não porque as vacas ficaram mais produtivas.
O exemplo das vacas parece grotesco, mas a renovação das palavras é imprescindível para entender a questão.
Se a demanda de vacas não cai quando aumenta a produção de leite por dia, por que o aumento da produtividade do trabalhador reduz a demanda de trabalho? Por que aumenta o desemprego? Por que é preciso reduzir o salário por meio da redução dos custos da CLT?
Por analogia, poderíamos dizer que o desemprego aumenta porque se reduz a demanda por produtos, a demanda em geral, como no caso da demanda por leite.
Portanto, o desemprego não resulta das novas tecnologias, mas da nova política econômica que é praticada no mundo desde 80 e no Brasil, desde 90 -juros altos, corte de gastos e câmbio sobrevalorizado.
Há ainda outra questão.
Por que os juros aumentam quando o ministro da Fazenda é carioca? O ministro Dornelles, em 85, na Nova República; o ministro Marcílio, no governo Collor; e o ministro Malan, no governo atual, são todos cariocas e praticaram juros muito altos. Os juros do ministro Mailson, paraibano, eram apenas aparentemente altos. Descontada a inflação, sobravam juros razoáveis.
Sempre foi assim. Compare os juros do ministro Simonsen com os juros do ministro Delfim. Excetuando os anos de 81 e 83, de grandes recessões, o ministro Delfim, paulistano da Aclimação e desenvolvimentista, praticava juros menores do que o ministro Simonsen, da zona sul do Rio de Janeiro.
Será que o déficit público dos cariocas é maior do que o dos paulistas? As elites cariocas são ainda mais conservadoras do que as paulistas? Será por causa da garoa?
Então, por que é preciso reformar a Constituição e a CLT para tornar a mão-de-obra mais barata? Por que é preciso cortar o déficit público para cair os juros?
Agora é tarde, não adianta mais. Duas palavras ou muitas palavras não fazem diferença.
Chegamos ao dia da comemoração. Se você não sabia, fique sabendo: todas as reformas já foram aprovadas.
O funcionário público pode ser demitido. O operário só pode se aposentar por idade e somente se tiver contribuído -portanto, a Previdência deve estar resolvida. As estatais já foram privatizadas, faltam apenas as geradoras de energia elétrica. Só falta acabar com a CLT.
Portanto, estamos prontos e reformados.
Temos mais 365 dias para esperar que os juros caiam, que o setor privado nacional e estrangeiro invista, exporte e gere empregos.
Colunistas enfrentam novo desafio em 99: escrever 52 artigos semanais sem assunto. Temos um consolo: o governo também não terá o que dizer.


João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net




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