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OPINIÃO ECONÔMICA
As últimas palavras
JOÃO SAYAD
Ainda temos tempo para mais
duas palavras antes de acabar o
ano?
Passamos 98 reformando a
Constituição com os seguintes
objetivos: diminuir o déficit público, diminuir o custo da mão-
de-obra, reduzir o desemprego e
aumentar as exportações sem
mexer no câmbio.
O desemprego é alto e tem crescido. Para o governo, a tendência
ao desemprego é universal e decorre das novas tecnologias
-automatização, robotização,
novas formas de organização,
informática etc. Enfim, o desemprego vem do progresso. Temos
de reduzir o custo da mão-de-
obra para aumentar o emprego.
Se as novas técnicas aumentam
a produtividade, por que aumenta o desemprego? Por que é
preciso flexibilizar a CLT ou reduzir os benefícios da Previdência para que o salário nominal
possa cair?
Se uma vaca produzir mais leite por dia, isto é, se se tornar
mais produtiva, seu preço sobe.
Sobe em reais ou em dólares, isto
é, a vaca fica mais cara, pois é
mais produtiva.
O preço da vaca cai em termos
de leite, isto é, a vaca custa menos em termos do leite que produz. Na linguagem corrente, cai
o preço real da vaca.
A demanda de vacas não cai.
Pode ficar constante se ninguém
quiser consumir mais leite se disserem que leite aumenta o colesterol. Nesse caso, a demanda de
vacas caiu por causa da propaganda contra o leite e não porque as vacas ficaram mais produtivas.
O exemplo das vacas parece
grotesco, mas a renovação das
palavras é imprescindível para
entender a questão.
Se a demanda de vacas não cai
quando aumenta a produção de
leite por dia, por que o aumento
da produtividade do trabalhador reduz a demanda de trabalho? Por que aumenta o desemprego? Por que é preciso reduzir o
salário por meio da redução dos
custos da CLT?
Por analogia, poderíamos dizer que o desemprego aumenta
porque se reduz a demanda por
produtos, a demanda em geral,
como no caso da demanda por
leite.
Portanto, o desemprego não resulta das novas tecnologias, mas
da nova política econômica que
é praticada no mundo desde 80 e
no Brasil, desde 90 -juros altos,
corte de gastos e câmbio sobrevalorizado.
Há ainda outra questão.
Por que os juros aumentam
quando o ministro da Fazenda é
carioca? O ministro Dornelles,
em 85, na Nova República; o ministro Marcílio, no governo Collor; e o ministro Malan, no governo atual, são todos cariocas e
praticaram juros muito altos. Os
juros do ministro Mailson, paraibano, eram apenas aparentemente altos. Descontada a inflação, sobravam juros razoáveis.
Sempre foi assim. Compare os
juros do ministro Simonsen com
os juros do ministro Delfim. Excetuando os anos de 81 e 83, de
grandes recessões, o ministro
Delfim, paulistano da Aclimação
e desenvolvimentista, praticava
juros menores do que o ministro
Simonsen, da zona sul do Rio de
Janeiro.
Será que o déficit público dos
cariocas é maior do que o dos
paulistas? As elites cariocas são
ainda mais conservadoras do
que as paulistas? Será por causa
da garoa?
Então, por que é preciso reformar a Constituição e a CLT para
tornar a mão-de-obra mais barata? Por que é preciso cortar o
déficit público para cair os juros?
Agora é tarde, não adianta
mais. Duas palavras ou muitas
palavras não fazem diferença.
Chegamos ao dia da comemoração. Se você não sabia, fique
sabendo: todas as reformas já foram aprovadas.
O funcionário público pode ser
demitido. O operário só pode se
aposentar por idade e somente se
tiver contribuído -portanto, a
Previdência deve estar resolvida.
As estatais já foram privatizadas, faltam apenas as geradoras
de energia elétrica. Só falta acabar com a CLT.
Portanto, estamos prontos e reformados.
Temos mais 365 dias para esperar que os juros caiam, que o setor privado nacional e estrangeiro invista, exporte e gere empregos.
Colunistas enfrentam novo desafio em 99: escrever 52 artigos
semanais sem assunto. Temos
um consolo: o governo também
não terá o que dizer.
João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP
e ex-ministro do Planejamento (governo José
Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net
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